O diabetes mellitus
(DM) é uma doença crônica que leva a um aumento da glicose no sangue
(hiperglicemia) que pode ocorrer tanto por uma deficiência relativa ou absoluta
de insulina ou por um defeito na ação da insulina no corpo (resistência à
insulina). A hiperglicemia persistente
está associada a complicações crônicas da doença, com redução da qualidade de
vida e elevação da taxa de mortalidade.
No
Brasil há aproximadamente 13 milhões de pessoas vivendo com diabetes, ou seja,
6,9% da população. Embora seja uma doença bem comum, ela ainda é cercada de
muitos mitos. É muito comum os pacientes com diabetes e seus familiares terem
dúvidas sobre “qual o seu tipo de diabetes” ou associar o uso de insulina
apenas ao diagnóstico do diabetes tipo 1.
O texto de hoje tem por objetivo explicar rapidamente a classificação atual
do diabetes e comentar um pouco sobre um estudo recente do qual tem se falado
bastante (Novel subgroups of adult-onset
diabetes and their association with outcomes: a data-driven cluster analysis of
six variables), publicado no dia 1º de março de 2018, em uma conceituada
revista médica (The Lancet Diabetes &
Endocrinology), que propôs uma
nova classificação do diabetes.
A classificação atual do diabetes tem sido baseada em sua
etiologia, ou seja, através da identificação do mecanismo que desencadeou a
doença. Hoje, conforme as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes
(SBD) 2017-2018, a doença é classificada em 4 formas principais:
Diabetes
Mellitus tipo 1 (DM1): é uma doença autoimune que leva à destruição
das células β pancreáticas (responsáveis pela produção de insulina),
ocasionando deficiência completa na produção de insulina. O DM1 representa 5 a
10% de todos os casos de DM, acomete homens e mulheres igualmente e tem uma
maior frequência de diagnóstico entre crianças e adolescentes, porém também
pode ser diagnosticado em adultos, que podem desenvolver uma forma lentamente
progressiva da doença, chamada latent autoimmune diabetes in adults (LADA).
O DM 1 pode ser ainda subdivido
em 2 grupos, dependendo da presença ou da ausência laboratorial de anticorpos,
sendo o DM1 tipo 1A caracterizado por deficiência de
insulina por destruição autoimune das células β comprovada
por exames laboratoriais (paciente tem anticorpos positivos); e o DM1 tipo 1B
caracterizado pela deficiência de insulina de natureza idiopática, ou seja, não
são identificados anticorpos nesses pacientes. Paciente com diabetes tipo 1 são
tratados com insulina desde o início do diagnóstico.
Diabetes Mellitus tipo
2 (DM2): é o tipo mais comum e
representa cerca de 90 a 95% de todos os casos de DM. Ocorre pela
perda progressiva de secreção insulínica combinada com
resistência à insulina. Possui etiologia multifatorial que envolve
desde componentes genéticos (herança familiar) até ambientais (como hábitos
alimentares ruins, sedentarismos, obesidade). É mais frequentemente
diagnosticado em adultos, embora tenha se tornado cada vez mais comum sua
incidência em crianças e jovens frente à epidemia de obesidade que temos
enfrentado. Diferente do DM1, no DM2 não há marcadores sanguíneos específicos
da doença. O diagnóstico pode passar por muito tempo despercebido, muitas vezes
sendo realizado em exames de rotina ou após o aparecimento de alguma
complicação crônica da doença. O tratamento dos pacientes
com diabetes tipo 2, além das mudanças de estilo de vida, pode ser feito com
medicações orais sozinhas ou em combinação, porém muitas vezes os pacientes
também necessitam de insulina para atingirem um bom controle da doença.
Diabetes Gestacional
(DMG): é o tipo de diabetes diagnosticado durante a gestação naquelas pacientes
que não preenchem critério para se pensar que já tinham diabetes antes de engravidar. Costuma
ser diagnosticado no 2º ou 3º trimestre da gestação, pode ser transitório ou
persistir após o parto, e é um importante fator de risco para o desenvolvimento
de DM2 no futuro.
Outros tipos de DM:
neste grupo se enquadram formas bem menos comuns de diabetes, como o diabetes
decorrente de defeitos genéticos que resultam na disfunção das células β (como
o DM monogênico - MODY: Maturity-Onset Diabetes of the
Young), os defeitos genéticos na ação da insulina,
as doenças do pâncreas exócrino (pancreatite, neoplasia, entre outros), outras
endocrinopatias que podem levar ao DM (como Sindrome de Cushing e acromegalia),
diabetes induzido por medicações ou infecções, outras formas incomuns de
diabetes autoimune e síndromes genéticas que podem ser associadas ao diabetes.
Embora essa classificação
atual do diabetes esteja bem estabelecida, sabemos que, na prática clínica, os
pacientes classificados como tendo diabetes tipo 2 formam um grupo bastante
heterogêneo, com perfis de doença bem diferentes conforme o grau de resistência
ou deficiência de insulina. Pensando nisso, um grupo de pesquisadores europeus
recrutou e acompanhou pacientes recém diagnosticados com diabetes tipo 1 e tipo
2 (outras formas foram excluídas) e analisaram algumas variáveis como: presença
de anticorpos, idade ao diagnóstico, índice de massa corporal, níveis de
glicemia, estimativa da função das células β e resistência à insulina, estudo
genético, uso de medicações, evolução para complicações crônicas da doença e
prognóstico. Com o resultado dessa observação, os autores propuseram então uma
nova classificação da doença em 5 grupos, um correspondendo ao DM1 e quatro
representando subtipos do DM2.
Conforme essa nova
proposta a classificação do Diabetes ficaria da seguinte forma:
Essa nova classificação foi recebida com bastante entusiasmo no meio
médico, pois pode representar um novo passo para a medicina de precisão em
diabetes, ajudando a prever a evolução da doença e se tornando uma nova
ferramenta para que os médicos individualizem o tratamento conforme o perfil de
cada paciente.
Entretanto, embora a ideia seja muito interessante e venha para
preencher algumas lacunas na prática clínica, antes que essa nova classificação
seja amplamente adotada, novos estudos ainda deverão ser realizados para
analisar outros fatores que não foram incluídos nesta análise e que também podem ter impacto na classificação e evolução da doença e também para confirmar esses achado em outras populações menos homogêneas.
Por ora vale lembrar que, independente de classificações, os médicos devem combater a inércia terapêutica e buscar sempre a meta glicêmica de cada paciente, já que as evidências mostram que o tratamento precoce e adequado do diabetes é crucial para a prevenção de complicações crônicas que diminuem a expectativa de vida desses pacientes.
FONTE
1.Novel subgroups of adult-onset diabetes and their association with outcomes: a data-driven cluster analysis of six variables. The Lancet Diabetes & Endocrinology.2018.Leif Groop et al.
2. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2017-2018.
3. Site da Sociedade Brasileira de Diabetes - Sobre os cinco novos subgrupos de diabetes do adulto e sua associação com desfechos (http://www.diabetes.org.br/publico/sobre-os-cinco-novos-subgrupos-de-diabetes-do-adulto-e-sua-associacao-com-desfechos)
Por ora vale lembrar que, independente de classificações, os médicos devem combater a inércia terapêutica e buscar sempre a meta glicêmica de cada paciente, já que as evidências mostram que o tratamento precoce e adequado do diabetes é crucial para a prevenção de complicações crônicas que diminuem a expectativa de vida desses pacientes.
FONTE
1.Novel subgroups of adult-onset diabetes and their association with outcomes: a data-driven cluster analysis of six variables. The Lancet Diabetes & Endocrinology.2018.Leif Groop et al.
2. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2017-2018.
3. Site da Sociedade Brasileira de Diabetes - Sobre os cinco novos subgrupos de diabetes do adulto e sua associação com desfechos (http://www.diabetes.org.br/publico/sobre-os-cinco-novos-subgrupos-de-diabetes-do-adulto-e-sua-associacao-com-desfechos)
Fernanda M. Fleig
Médica Endocrinologista
CREMERS 33785/ RQE 28970
https://www.facebook.com/fernanda.endocrinologista/
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