O termo "fadiga adrenal" tem sido utilizado por alguns médicos e outros profissionais da área de saúde para descrever um quadro clinico que, teoricamente, seria causado por um “esgotamento das adrenais pela exposição crônica a situações estressantes”. De acordo com essa teoria, o estresse crônico poderia levar ao "uso excessivo" das glândulas adrenais resultando em sua falha funcional. Embora sociedades endocrinológicas sérias do mundo inteiro não reconheçam essa tal “síndrome”, alguns profissionais defendem a existência da doença afirmando que ela é uma doença real e subdiagnosticada. Os defensores da existência da “fadiga adrenal” solicitam aos seus pacientes exames desnecessários, muitos deles não reconhecidos ou de validade suspeita, e prescrevem tratamento com corticoide sem necessidade. O uso de corticoides, mesmo que prescritos em doses ditas “pequenas e fisiológicas”, aumentam o risco de desordens psiquiátricas, osteoporose, miopatia, glaucoma, distúrbios metabólicos, distúrbios do sono e doença cardiovascular.
Recentemente uma metanálise (que é uma técnica estatística especialmente desenvolvida para integrar os resultados de dois ou mais estudos independentes, sobre uma mesma questão de pesquisa) feita por endocrinologistas, analisou diversos artigos publicados sobre o tema com o objetivo de determinar a correlação entre o status adrenal e a queixa de fadiga e também de avaliar os métodos diagnósticos utilizados nesses estudos.
Os estudos utilizaram diferentes testes para avaliar o "status do cortisol”, entre eles, a resposta do cortisol sanguíneo ou salivar ao acordar, ritmo do cortisol salivar, teste de supressão com dexametasona, dosagem de ACTH ao acordar, teste de estímulo com baixas doses de cortrosina, medida de cortisolúria em urina de 24 horas, estimativa de liberação do cortisol medidas através de dosagens seriadas de cortisol salivar, cortisol salivar às 23h, níveis de S-DHEA, razão entre níveis de cortisol e ACTH, entre outros. Embora existam estudos demonstrando diferença entre o grupo de paciente saudáveis em comparação com “paciente fadigados”, questões metodológicas e fatores de confusão são evidentes nesses estudos, o que tornam os resultados de baixa qualidade e pouco confiáveis. Em nenhum estudo publicado foi utilizado o teste padrão-ouro da endocrinologia para avaliar a integridade e funcionalidade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal que é o teste de tolerância à insulina.
Estudando-se síndromes recentemente descritas que tem fadiga entre suas características clinica, como a Síndrome de Burnout (caracterizada por diminuição nas funções cognitivas e emocionais, exaustão e fadiga física que seriam desencadeados por situações estressantes associadas a excesso de trabalho) e a Síndrome da Fadiga Crônica, bem como analisando a fadiga secundária a outras doenças crônicas (como diabetes, neoplasias, HIV...), também não se encontrou nenhum diferença significativa entre níveis de cortisol de paciente doentes quando comparados com controles saudáveis.
Ainda que qualquer um desses testes usados em estudos publicados sugiram produção insuficiente de cortisol, a etiologia deve ser sempre esclarecida. Como o eixo hipotálamo-hipofisário-adrenal pode ser afetado por vários distúrbios crônicos e/ou metabólicos outras condições primárias devem ser excluídas antes de ser iniciada a avaliação de transtornos intrínsecos do eixo adrenal ou reposição com glicocorticoides. A queixa de fadiga pode estar associada a síndrome da apnéia obstrutiva do sono, insuficiência adrenal propriamente dita, doenças mentais, excesso de trabalho, outras deficiências hormonais, disfunções hepáticas e renais, condições cardíacas, doença pulmonar obstrutiva crônica, doenças auto-imunes, doenças infecciosas, fibromialgia, entre outros.
Sendo assim, exames para avaliação de cortisol ou do eixo adrenal não devem ser utilizados na prática clínica para examinar qualquer condição, exceto se suspeita de deficiência adrenal propriamente dita. A insuficiência adrenal verdadeira, que nada tem a ver com a “fadiga adrenal” é uma doença grave que não causa só fadiga, mas sim um quadro complexo que pode estar associado também à anorexia, sintomas de trato gastrointestinal (náuseas, vômitos...), tontura postural, dores musculares e articulares, perda de peso, hipotensão, anemia, distúrbios hidroeletrolíticos, hipoglicemias, entre outros sintomas. Esse quadro sim é real e grave e pode ser causado por doenças que prejudicam tanto a função da glândula adrenal (como destruição autoimune da glandula, tuberculose, infecções fúngicas, HIV, metástase, infarto adrenal, uso de algumas drogas, defeitos congênitos) como a função do hipotálamo ou da hipófise (como tumores, meningite tuberculosa, sarcoidose, cirurgia ou radioterapia na região hipotálamo-hipofisária, infarto glandular, mutações genéticas...). Apenas nesses casos, onde temos uma doença de fato e uma deficiência de produção hormonal verdadeira, é que a reposição com glicocorticoide está bem indicada. Em pacientes sem indicação, o tratamento traz muito mais riscos que benefícios.
RESUMINDO...
... A avaliação da função adrenal, visando detectar produção de cortisol deficiente, só deve ser pesquisada na suspeita clínica de uma insuficiência adrenal verdadeira e com testes diagnósticos reconhecidos pelas sociedades endocrinológicas. Fadiga adrenal não é uma doença reconhecida pela endocrinologia e os estudos até hoje publicados usam métodos contraditórios para o seu diagnóstico e têm resultados extremamente diversos entre si. Receber e carregar um diagnóstico inexistente pode fazer com que outras doenças estejam passando despercebidas e sem diagnóstico, retardando tratamentos realmente necessários e podendo levar a consequências ainda mais graves a longo prazo.
FONTE
Adrenal fatigue does not exist: a systematic Review - Cadegiani FA, Kater CE - BMC
Endocrine Disorders (2016) 16:48
Fernanda M. Fleig
Médica Endocrinologista
CREMERS 33785 - RQE 28970
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