terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Tireoide pode doer?

Sim, pode doer. Felizmente, as doenças que causam dor na tireoide são pouco prevalentes. A mais comum delas é a tireoidite subaguda, que acomete cerca de 12 pessoas em cada 100.000 por ano, a maioria mulheres - até cinco para cada homem.


Aparentemente, a tireoidite subaguda tem relação com infecções virais. Muitos pacientes relatam história de sintomas respiratórios duas a oito semanas antes do início do quadro. Este é caracterizado principalmente por dor na região anterior do pescoço, logo abaixo do pomo-de-Adão, que pode ser intensa. Em alguns pacientes a dor irradia para o tórax, região superior do pescoço, garganta, mandíbula ou, até mesmo, ouvidos. Por isso, às vezes, o otorrino acaba sendo consultado antes do endocrinologista. Sintomas como febre, mal estar, perda do apetite, fadiga e dores musculares também são comuns. Além dos sintomas dolorosos, cerca de metade dos pacientes também apresenta sintomas de hipertireoidismo - tremor, taquicardia, palpitações, perda de peso involuntária.
O diagnóstico é feito através do exame clínico e de alguns exames laboratoriais - TSH, T4 livre, T3, proteína C reativa e velocidade de sedimentação globular. Em alguns casos, a ecografia e a cintilografia da tireoide também são necessárias. Outras doenças, bem menos frequentes, que também são causa de dor ou desconforto na tireoide e precisam fazer parte do diagnóstico diferencial são: tireoidite pós iodo, tireoidite traumática (após lesão mecânica da tireoide), necrose de nódulos, raros casos de câncer ou linfoma de tireoide e tireoidite aguda (causado por infeção bacteriana ou fúngica).
A tireoidite subaguda tem curso autolimitado, isto é, costuma melhorar espontaneamente sem deixar sequelas dentro de 4 a 8 meses. Durante este período, o médico endocrinologista prescreve medicamentos para alívio dos sintomas: anti-inflamatórios para a dor e betabloqueadores para os sintomas de hipertireoidismo.

Fonte: Subacute thyroiditis - UpToDate

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Doutor em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

domingo, 21 de janeiro de 2018

Tireoidite de Hashimoto: a principal causa de hipotireoidismo

A causa mais comum de hipotireoidismo em países suficientes de iodo, como o Brasil, é a tireoidite autoimune crônica, também conhecida com tireoidite de Hashimoto. Nesta doença o sistema imunológico do próprio indivíduo ataca a tireoide através dos linfócitos (células de defesa) e anticorpos, levando a destruição do tecido tireoidiano.
Este “ataque” é silencioso e indolor. À medida que a tireoide vai sendo destruída, também vai parando de funcionar e, consequentemente, o hipotireoidismo se instala. Logo, o quadro clínico é causado pela deficiência hormonal tireoidiana. Sintomas como bócio (aumento do tamanho da tireoide), cansaço, lentidão, depressão, ganho de peso, frio excessivo, pele seca, queda de cabelo, inchaço nos olhos, dificuldade em se exercitar, rouquidão, apneia do sono, constipação, irregularidades menstruais e problemas de ereção, podem aparecer em diversas combinações e intensidades.



Aproximadamente 10 em cada 100 pessoas possuem anticorpos contra a tireoide. Contudo, nem todo paciente com anticorpos contra a tireoide acaba por desenvolver hipotireoidismo. Este acomete cerca de 5 em cada 100 pessoas.
A tireoidite de Hashimoto possui um forte componente genético, ou seja, é mais comum em pessoas que tenham familiares com o mesmo problema. Outros grupos mais comumente acometidos pela tireoidite de Hashimoto são: mulheres, idosos, pacientes com doenças cromossômicas como síndrome de Down e síndrome de Turner e pacientes com doenças autoimunes como diabetes mellitus tipo 1 e insuficiência adrenal. Fumantes com tireoidite de Hashimoto têm chance maior de progredir para hipotireoidismo.
Como o próprio nome já diz, a tireoidite de Hashimoto é uma doença crônica, isto é, não tem cura. Felizmente o tratamento é muito simples e consiste na reposição do hormônio tireoidiano nos casos de hipotireoidismo.

Fonte: UpToDate

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Doutor em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Vitamina D em crianças e adolescentes - perguntas e respostas

vitamina D é muito importante para manutenção da saúde óssea. Sua deficiência pode causar raquitismo e osteomalácia em crianças e adolescentes. Dados americanos estimam que cerca de 15 por cento das crianças daquele país tenham algum grau de deficiência ou insuficiência da vitamina, podendo passar de 30 por cento em grupos de risco (leia a seguir). Isso justifica que medidas preventivas sejam tomadas de rotina.
Abaixo, algumas dúvidas frequentes sobre vitamina D durante a infância e adolescência...



1- Quais crianças apresentam maior risco de deficiência de vitamina D?
O leite materno é importantíssimo, especialmente para crianças menores  de 6 meses, pois é o único alimento. No entanto, a quantidade de vitamina D presente no leite é baixa (15 a 50 UI/litro) mesmo em mães com níveis sanguíneos adequados. Um bebê que mame 750 mL por dia, estará ingerindo apenas 10 a 40 UI de vitamina D. Logo, estão em risco de deficiência e devem receber 400 UI da vitamina na forma de suplemento diariamente.
Bebês prematuros ou nascidos de mães com deficiência de vitamina D apresentam risco ainda maior, pois nos últimos meses de gestação, eles fazem sua "poupança" de vitamina para as primeiras semanas de vida.
Outros grupos de risco são:
- crianças com tom de pele escuro ou que vivam em regiões de alta latitude  (mais distantes da linha do Equador), pois recebem menor quantidade de luz solar e sintetizam menos vitamina D.
- crianças vegetarianas, em dietas restritivas ou com doenças do trato gastrointestinal que prejudiquem a absorção de nutrientes.
- crianças obesas, pois o tecido adiposo sequestra a vitamina D.
- crianças em uso de certos medicamentos como anticonvulsivantes ou antiretrovirais.

2- Quais crianças precisam dosar a vitamina D?
A maioria das crianças não tem indicação de fazer exames de vitamina D. Precisam fazer exame de sangue as crianças em risco de deficiência (acima). Outros grupos, apenas conforme critério médico.

3- Quais os níveis normais de vitamina D para crianças?
Apesar de diversos estudos associarem falta de vitamina D a problemas de saúde como diabetes tipo 1, doenças imunológicas, inflamatórias e até mesmo câncer, ainda não há evidência que a suplementação possa ajudar na prevenção ou no tratamento. Logo, os níveis séricos são calibrados para prevenir doenças ósseas como raquitismo e osteomalácia. Os valores mais aceitos internacionalmente para a faixa etária pediátrica são:
- suficiente: maior ou igual a 20 ng/mL
- insuficiente: entre 12 e 20 ng/mL
- deficiente: menor que 12 ng/mL

4- Como prevenir a deficiência de vitamina D?
Como a exposição solar tende a ser irregular mesmo em zonas tropicais, toda criança com até 1 ano deve ingerir pelo menos 400 UI de vitamina D por dia. Após esse período até os 18 anos, a necessidade de vitamina D aumenta para 600 UI por dia. Crianças que consomem alimentos fortificados (leites, iogurtes, cereais) em quantidade apropriada não precisam fazer uso de suplementos.

5- Como é feito o tratamento da deficiência de vitamina D?
Quando diagnosticado, o quadro de deficiência é tratado através de suplementação com doses que variam de 2000 a 6000 UI por dia por período de 6 a 12 semanas. Uma dose de manutenção pós tratamento de 400 a 1000 UI por dia deve ser mantida por tempo indeterminado.

6- Como é feita a monitorização do tratamento?
Exames laboratoriais devem ser realizados após 2 meses do início do tratamento. Se a adesão e a resposta forem boas, o intervalo aumenta, conforme critério médico, para vários meses.

Fonte: Vitamin D insufficiency and deficiency in children and adolescents - UpToDate

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Doutor em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Por que as pessoas com obesidade tendem a recuperar o peso perdido?

Essa é uma pergunta que muitas pessoas que lutam constantemente contra o excesso de peso costumam fazer. Enquanto ganhar peso parece tão fácil, perder peso e manter o peso perdido a longo prazo geralmente requer um grande esforço. E por que isso ocorre?


Em primeiro lugar, a biologia da regulação do peso é extremamente complexa, pois o corpo tende a defender agressivamente suas reservas de gordura para aumentar as chances de sobrevivência do indivíduo. E isso ocorre através de muitos mecanismos biológicos sobrepostos, mas que podem ser resumidos a duas situações principais: adaptação metabólica e aumento da fome.

Temos uma região no nosso cérebro chamada hipotálamo que controla várias funções vitais importantes para a nossa sobrevivência, como sono, temperatura, sede, fome e saciedade. Acontece que o hipotálamo guarda em sua memória alguns padrões de normalidade que ele entende serem necessários para o bom funcionamento do nosso corpo, mesmo que esses padrões não sejam necessariamente aqueles que desejamos. Assim, quando uma pessoa faz dieta, o hipotálamo desperta seu mecanismo de defesa e manda sinais para que essa pessoa aumente o apetite e diminua o gasto energético para que, dessa forma, retorne ao peso de origem. Pesquisas recentes demostraram que, para cada 1 quilo de peso perdido nosso corpo compensa essa perda com o aumento do apetite em 100kcal/dia e reduz o nosso gasto energético em 30kcal/dia, o que realmente torna difícil a manutenção do peso perdido. Outro problema é que esse mecanismo parece não reduzir com o tempo e, infelizmente, ainda não chegamos a uma resposta para explicar porque o hipotálamo se adapta a um peso maior e acha que esse é nosso “padrão de segurança”. Recentemente um estudo publicado em uma revista especializada em obesidade, a Obesity, com participantes de uma competição americana para ver quem perde mais peso (Biggest Loser), analisou os participantes 6 anos após o término do programa e constatou que eles estavam queimando uma média de 500 calorias a menos por dia do que seria o esperado, ou seja, houve uma redução significativa do metabolismo dos participantes demonstrando que seus corpos estavam lutando contra a perda de peso. 

E qual seria a forma de conseguirmos vencer essa luta contra o nosso corpo na recuperação do peso perdido?

A resposta está na atividade física!! Para compensar esses mecanismos biológicos, diversos estudos já demonstraram que o exercício físico é fundamental na manutenção do peso perdido. Estudos que compararam pessoas que perdem peso e que mantem o peso perdido com aquelas que perderam peso e recuperaram o peso perdido, mostraram que as pessoas que mantiveram o peso faziam mais atividade física e eram mais ativas no seu dia-a-dia (usavam mais escadas, caminhavam mais e em maior velocidade, por ex.)

Um dos objetivos do estudo com os participantes do Biggest Loser foi exatamente esse, explorar como a atividade física está relacionada à perda e recuperação de peso perdido. Para isso os pesquisadores analisaram os participantes antes do programa, nas semanas 6 e 30 da competição e após 6 anos do término do programa. E o que os pesquisadores encontraram foi que aqueles que conseguiram manter parte do peso perdido tinham aumentado o exercício físico em 160% quando comparado à quantidade de atividade física do início do tratamento, sendo que a ingesta de calorias era igual nos dois grupos. Entretanto, durante a perda de peso inicial, a equação foi diferente e a diferença de peso entre os competidores que emagreceram mais foi atribuída ao número de calorias que eles cortaram de suas dietas, sendo que a quantidade de exercício não distinguiu entre aqueles que perderam mais ou menos peso. Esses achados são compatíveis com os de outros estudos que mostram que o efeito mais importante do exercício é realmente para ajudar na manutenção do peso perdido, parte mais difícil no tratamento da obesidade.

Em resumo: manter o peso perdido não é uma tarefa fácil, pois é preciso lutar contra mecanismos adaptativos do corpo que surgem para que se recupere o peso anterior. Por isso a atividade física é fundamental para o sucesso na manutenção da perda de peso, e pode ser necessário um aumento de volume do exercício físico a longo prazo para que se consiga manter os bons resultados. 

“O alimento consumido é o principal determinante da perda de peso inicial. E a atividade física é a chave para sua manutenção” 

(Rena Wing, fundadora do National Weight Control Registry)


FONTES
1. Increased Physical Activity Associated with Less Weight Regain Six Years After “The Biggest Loser” Competition
Jennifer C. Kerns, Juen Guo, Erin Fothergill, Lilian Howard, Nicolas D. Knuth, Robert Brychta, Kong Y. Chen, Monica C. Skarulis, Peter J. Walter, and Kevin D. Hall. Obesity (2017) 25, 1838–1843
2. How Strongly Does Appetite Counter Weight Loss? Quantification of the Feedback Control of Human Energy Intake
David Polidor, Arjun Sanghvi, Randy J. Seeley, and Kevin D. Hall. Obesity (2016) 24, 2289-2295
3. Persistent Metabolic Adaptation 6 Years After “The Biggest Loser” Competition
Erin Fothergill, Juen Guo, Lilian Howard, Jennifer C. Kerns, Nicolas D. Knuth, Robert Brychta, Kong Y. Chen, Monica C. Skarulis, Mary Walter, Peter J. Walter, and Kevin D. Hall. Obesity (2016) 24, 1612-1619


Fernanda M. Fleig
Médica Endocrinologista
CREMERS 33785 RQE 28970
https://www.facebook.com/fernanda.endocrinologista/