quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Tratamento do diabetes tipo 2 - as sulfonilureias

O nome deste grupo de medicamentos pode soar pouco familiar, mas seus representantes estão entre os mais prescritos para o tratamento do diabetes mellitus tipo 2. Glibenclamida, glimepirida e gliclazida são muito populares principalmente pelo baixo custo. Apesar de antigas, ainda têm espaço dentro do arsenal terapêutico do médico endocrinologista para ajudar a domar os altos níveis de açúcar no sangue.



A glicose é um excelente combustível. Mas precisa atravessar a membrana das células para poder ser utilizada como fonte de energia. A insulina funciona com uma chave que abre as fechaduras das células para a glicose poder entrar. No diabetes tipo 2, esse mecanismo não funciona bem. Existe uma resistência à ação da insulina. Uma das maneira de contornar essa resistência é aumentado a disponibilidade de chaves para abrir as fechaduras. Aí que entram glimepirida, glibenclamida e gliclazida. Elas estimulam o pâncreas a secretar mais insulina para vencer a resistência e permitir a captação de glicose pelas células.
As sulfonilureias são antidiabéticos muito eficazes. Costumam reduzir a hemoglobina glicada em cerca de 1,5 por cento, mesmo quando outros medicamentos já estão sendo utilizados (1). O preço a ser pago por tanta potência é um maior risco de hipoglicemia (maior na glibenclamida e menor na gliclazida). Seguir corretamente as orientações nutricionais, evitando pular ou atrasar refeições, ajuda a evitar hipoglicemias. Também são medidas importantes: não abusar do álcool, alimentar-se corretamente antes de exercícios intensos e manter contato próximo com o médico endocrinologista. Outro efeito indesejável das sulfonilureias é o ganho de peso. Pacientes com hipoglicemias frequentes acabam comendo com maior frequência e em maior quantidade e, consequentemente, engordando.
Além do pâncreas, existem receptores para as sulfonilureias no músculo cardíaco e nas coronárias. O estímulo a estes receptores durante um infarto poderia prejudicar o fluxo sanguíneo para o coração, aumentando a área de necrose, induzindo a arritmias e aumentado a mortalidade. Isto é uma hipótese. Nos estudos que compararam metformina a sulfonilureias mais antigas (tolbutamida, glibenclamida e glipizida), os pacientes que usaram metformina apresentaram menor risco de eventos cardiovasculares. Se isso foi mérito da metformina ou culpa das sulfonilureias, é matéria para debate. Por outro lado, em uma revisão mais extensa da literatura, as sulfonilureias não aumentaram o risco de infarto do miocárdio ou de acidente vascular encefálico (popularmente conhecido como "isquemia" ou "AVC"). Isso dá ideia do quanto o tema é controverso. A boa notícia é que as representantes mais novas da classe (glimepirida e gliclazida) não estimulam os receptores cardíacos e parecem não aumentar o risco.
Antigas e com alguns efeitos adversos indesejáveis, mas muito eficazes no controle da glicemia, relativamente seguras e baratas. Estas são as principais características das sulfonilureias. Certamente ainda vão prestar serviços no tratamento do diabetes por muito tempo. São o exemplo típico do tratamento que, apesar das limitações, quando bem indicado, funciona muito bem!

Fontes:
1- Hirst JA, Farmer AJ, Dyar A, Lung TW, Stevens RJ. Estimating the effect of sulfonylurea on HbA1c in diabetes: a systematic review and meta-analysis. Diabetologia. 2013 May;56(5):973-84. Epub 2013 Mar 15.
2- Varvaki Rados D, Catani Pinto L, Reck Remonti L, Bauermann Leitão C, Gross JL. The Association between Sulfonylurea Use and All-Cause and Cardiovascular Mortality: A Meta-Analysis with Trial Sequential Analysis of Randomized Clinical Trials. PLoS Med. 2016;13(4):e1001992. Epub 2016 Apr 12.
3- McCulloch DK. Sulfonylureas and meglitinides in the treatment of diabetes mellitus. UpToDate (accessed in 09/2018).

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991


terça-feira, 18 de setembro de 2018

Mulheres grávidas podem consumir peixes?

A ingesta de peixes é parte importante de uma dieta saudável, uma vez que a composição nutricional destes é muito favorável, possuindo uma baixa quantidade de gordura saturada, proteínas de alto valor biológico e outros nutrientes importantes, como os ácidos graxos ômega 3. Uma dieta balanceada que inclua uma certa variedade de peixes contribui para a saúde cardiovascular e para o crescimento e desenvolvimento das crianças.



No entanto, existe uma preocupação pública de que as quantidades relativamente baixas de mercúrio encontradas nos frutos do mar sejam lesivas para o cérebro fetal, fato este que se tornou um limitante do consumo de pescados durante a gestação, porém  com poucas evidências consistentes comprobatórias.  Em recentes publicações, não foram encontradas associações  adversas entre os níveis de mercúrio no sangue materno e o desenvolvimento neurocognitivo de crianças. 
O mercúrio está naturalmente presente na maioria dos peixes, entretanto, sabe-se que para haver dano a saúde, o consumo necessita estar bem além do que a maioria da população ingere. Um estudo realizado em gestantes e seus filhos na República de  Seychelles, que alimentam-se diariamente de peixes (exposição ao mercúrio dez vezes maior do que os valores registrados nos Estados Unidos) não evidenciou  nenhum desfecho negativo.
Por isso,  a Food and Drug Administration (FDA) e a Environmental Protection Agency (EPA) publicaram, no ano passado, uma nova orientação que difere da recomendação anterior de 2004 - mulheres que pretendam engravidar ou que estejam grávidas devem ingerir de 2-3 porções semanais de peixes, evitando os tipos de pescados considerados mais contaminados pelo mercúrio. É sabido que os riscos relacionados à exposição de mercúrio dependem não só da quantidade de peixe consumida, mas também dos níveis de mercúrio contidos em cada espécie. As entidades acima citadas também forneceram uma lista com 62 tipos de peixes, crustáceos e moluscos e os dividiram em três categorias de segurança: melhores escolhas, boas escolhas e escolhas a serem evitadas. Os peixes do grupo “melhores escolhas” incluem o salmão, o atum enlatado light , a tilápia, o bagre e o bacalhau. Já o atum bigeye, o tubarão, o peixe-espada e o marlin estão na categoria que deve ser evitada.
Todavia, a nova orientação, não citou os benefícios ao desenvolvimento neurocognitivo  do consumo de peixe durante a gestação.  Várias entidades, como a  Organização Mundial da Saúde, destacam a melhora do neurodesenvolvimento como um benefício específico do consumo de peixe. As evidências científicas dos benefícios subjacentes do consumo de peixe para o desenvolvimento cognitivo são fortes, como já publicado em uma revisão sistemática de Starling e colaboradores em 2015. Um outro estudo mostrou que os filhos de mulheres que consumiram uma média de 588 g de peixe semanais (quantidade acima da recomendação atual) tiveram pontuações totais mais altas de desenvolvimento verbal, motor, memória e desenvolvimento cognitivo global. Calcula-se, atualmente, que o consumo recomendado de peixe possa aumentar de 3-5 pontos no QI da criança.
Ao contrário do consumo de peixe, a suplementação com cápsulas de ômega-3 não oferece  o mesmo benefício – a razão para isso ainda não é totalmente compreendida, mas se imagina que outros nutrientes presentes no peixe (e não apenas o ômega-3) contribuam para os benefícios neurocognitivos.
Logo, é imperioso que os médicos e nutricionistas reconheçam a importância de informar às gestantes sobre estes benefícios, uma vez que esta informação pode estimular o consumo e, assim, mulheres e crianças pequenas irão obter os benefícios da ingesta do peixe. 

Referências:
1 - Van Wijngaarden E, Thurston SW, Myers GJ, et al. Methyl mercury exposure and neurodevelopmental outcomes in the Seychelles Child Development Study Main cohort at age 22 and 24 years. Neurotoxicol Teratol. 2017;59:35-42.
2 - Julvez J, Méndez M, Fernandez-Barres S, et al. Maternal consumption of seafood in pregnancy and child neuropsychological development: a longitudinal study based on a population with high consumption levels. Am J Epidemiol. 2016.
3 - Starling P, Charlton K, McMahon AT, Lucas C. Fish intake during pregnancy and foetal neurodevelopment—a systematic review of the evidence. Nutrients. 2015;7(3):2001-2014.
4 - What you need to know about mercury in fish and shellfish. US Food and Drug Administration website. https://www.fda.gov/Food/FoodborneIllnessContaminants/Metals/ucm351781 .htm. Published March 2004. Last Updated January 25, 2018. Accessed November 11, 2017.
5 - Bramante CT, et al. Fish Consumption During Pregnancy: An Opportunity, Not a Risk. JAMA Pediatr. 2018.

Dra. Luciana Dornelles Sampaio Peres
Médica Endocrinologista
CREMERS 34.995 - RQE 29.637

terça-feira, 4 de setembro de 2018

Informações úteis para vegetarianos e veganos

É cada vez mais comum o número de adeptos a dietas vegetarianas e veganas no Brasil. Uma pesquisa realizada pelo IBOPE em abril de 2018, mostrou que 14% dos brasileiros estão excluindo a carne do cardápio. A pesquisa mostra, ainda, o crescimento do interesse populacional por produtos veganos (livres de qualquer ingrediente de origem animal, não apenas a carne).



As dietas vegetariana e vegana estão associadas a muitos benefícios para a saúde devido ao alto teor de fibras, vitaminas, minerais e ao menor consumo de gorduras saturadas. Tem sido observada uma menor incidência de obesidade, diabetes tipo 2,  doença cardiovascular, hipertensão, dislipidemia e até de alguns tipos de câncer nesta população. 
Entretanto, seus praticantes, quando não bem orientados, do ponto de vista nutricional, têm maior risco de desenvolver deficiências de macro e micronutrientes, principalmente de vitamina B12, vitamina D, zinco, ferro, cálcio e ácidos graxos ômega-3. 
Diante desse contexto, torna-se imprescindível que os praticantes, seus médicos e nutricionistas estejam atentos a todas estas possibilidades!
A adequação nutricional da dieta vegetariana/vegana deve ser feita individualmente, com base no tipo, quantidade e variedade de nutrientes consumidos por cada seguidor.
De todas essas deficiências possíveis, chamo a atenção para a deficiência de vitamina B12 (principalmente em veganos), que pode causar um tipo de anemia, que chamamos de anemia megaloblástica, doenças neurológicas (incluindo demência e declínio cognitivo) e aumento da homocisteína (substância associada com o aumento do risco de doenças cardiovasculares). Normalmente, haverá  a necessidade de reposição desta substância com suplementos vitamínicos.
Mas, cuidado com a auto-medicação! Existe a crença popular (muito provavelmente gerada e impulsionada pela indústria) de que quanto mais vitaminas ingerirmos, melhor será a nossa saúde. Essa crença tem levado ao uso indiscriminado de vitaminas, razão pela qual podemos observar a quantidade de marcas e tipos disponíveis nas prateleiras das farmácias! 
É de suma importância  que as pessoas tenham conhecimento de que as vitaminas, quando ingeridas sem indicação, podem ser tóxicas ao nosso organismo! Doses excessivas de vitamina C podem aumentar o risco de cálculo renal, de vitamina D podem causar hipercalcemia, assim como o uso exagerado de vitamina A, na gestação, pode produzir anomalias e malformações no feto.
Desta forma, ao escolher o tipo de alimentação que você quer seguir, procure também um profissional especializado para te orientar!

Fontes:
1- Winston J Craig. Health effects of vegan diets.
2- Paul N. Appleby and Timothy J. Key. The long term health of vegetarians and vegans.
3- Vitamin supplementation in disease prevention. UpToDate OnLine.

Dra. Luciana Dornelles Sampaio Peres
Médica Endocrinologista
CREMERS 34.995 - RQE 29.637