quarta-feira, 24 de maio de 2017

Interação entre medicações e os hormônios tireoidianos

É muito comum que pacientes submetidos à avaliação da tireoide estejam fazendo uso de diversos fármacos sendo que alguns deles, mesmo que usados para doenças não tireoidianas, podem interferir com a função da glândula, mesmo que o paciente não tenha disfunções tireoidianas prévias.

A tireoide necessita do comando do TSH (hormônio produzido por uma outra glândula chamada hipófise) para que produza e libere os hormônios tireoidianos (T4 e T3) que, por sua vez, circulam pelo nosso corpo ligados a um transportador (TBG – globulina ligadora de tiroxina). Em indivíduos normais, as concentrações dos hormônios tireoidianos e do TSH estão intimamente relacionadas e são controladas por um delicado sistema. Porém, algumas medicações podem afetar esse sistema de equilíbrio em diversos pontos, afetando a função dos hormônios, inibindo a produção dos hormônios tireoidianos ou do TSH, alterando a quantidade de transportadores dos hormônios no sangue e também por outros mecanismos ainda não esclarecidos. A interferência dessas medicações nesses processos pode ser um fator de confusão na interpretação dos exames laboratoriais, pois podem causar desde apenas uma alteração laboratorial sem significado clínico até quadros de disfunção tireoidiana evidente, levando a quadros de hipotireoidismo (quando a tireoide funciona menos do que o necessário) ou hipertireoidismo (quando a glândula funciona mais do que deveria).

Pacientes com doenças tireoidianas prévias subclínicas ou não diagnosticadas, portadores de bócio (aumento da glândula), nódulos e anticorpos anti-tireoidianos positivos estão sob maior risco de desenvolver alterações tireoidianas na presença de alguns fármacos.

Medicações que podem causar (ou piorar) o HIPOTIREOIDISMO

1. Pela inibição da produção dos hormônios tireoidianos e/ou sua liberação: lítio, talidomida, iodo e medicamentos contendo iodo, como amiodarona, contrastes radiológicos, alguns expectorantes, comprimidos de alga marinha, soluções de iodeto de potássio
2. Através de uma desregulação imunológica: interferon-alfa, interleucina-2, ipilimumab, alemtuzumab, pembrolizumab, nivolumab
3.Suprimindo a secreção de TSH pela hipófise:  dopamina
4. Provocando uma tireoidite destrutiva: sunitinib

Nos pacientes com hipotireoidismo em tratamento com levotiroxina, algumas medicações podem levar à redução da absorção ou ao aumento do metabolismo dos hormônios tireoidianos, fazendo com que ocorra uma piora do hipotireoidismo se a dose do hormônio não for ajustada. 

Entre os fármacos que reduzem a absorção da levotiroxina e podem exigir aumento da dose da medicação temos: colestiramina, colesevelam, hidróxido de alumínio, carbonato de cálcio, sulfato de ferro, raloxifeno, omeprazol, lansoprazol e similares, sevelamer e cromo. 

Já entre as drogas que podem aumentar o metabolismo dos hormônios temos: fenobarbital, a rifampicina, a fenitoína e a carbamazepina. A amiodarona diminuí a conversão periférica de T4 para T3, também fazendo com que possa ser necessário ajuste de dose da levotiroxina.

Medicações que podem causar HIPERTIREOIDISMO

1. Através do estímulo para produção e/ou liberação dos hormônios tireoidianos: iodo e medicações contendo iodo, como amiodarona, contrastes radiológicos, solução de povidine, alguns expectorantes, comprimidos de alga marinha, soluções de iodeto de potássio
2. Através de uma desregulação imunológica: interferon-alfa, interleucina-2, ipilimumab, alemtuzumab, pembrolizumab

Medicações que podem causar anormalidades nos EXAMES LABORATORIAIS, porém sem causar disfunções tireoidianas

Alguns fármacos podem aumentar ou diminuir as concentrações séricas da TBG (“a transportadora dos hormônios tireoidianos”), provocando alterações nas concentrações totais do T4 e do T3, mas não nas frações livres, sendo assim provocam apenas alterações laboratoriais porém sem sintomas clínicos

1.Medicações que reduzem a TBG: andrógenos, glicocorticoides, ácido nicotínico
2. Medicações que elevam a TBG sérica: anticoncepcionais orais, tamoxifeno, raloxifeno, metadona, heroína, mitotano. OBS: Mulheres com hipotireoidismo em uso de levotiroxina e anticoncepcional oral podem necessitar de ajuste de dose da levotiroxina

Outras medicações podem interferir na ligação dos hormônios ao transportador, na conversão dos hormônios na periferia, na depuração do T4 ou na supressão do TSH, mas, ainda assim, causam apenas alterações laboratoriais, sem alterações clinicas.

3. Medicações que diminuem a ligação do T4 à TBG: salicilatos, furosemida, heparina, alguns anti-inflamatórios
4. Medicações que aumentam a depuração do T4: fenitoína, carbamazepina, rifampicina, fenobarbital
5. Medicações que suprimem a secreção de TSH - dobutamina, glicocorticoides, octreotide
6. Medicações que alteram a conversão do T4 em T3: glicocorticoides, contraste radiológicos, propranolol

RESUMINDO: 
A tireoide pode ter sua função influenciada por vários medicamentos de uso frequente na prática clínica o que pode resultar tanto em disfunção da tireoide (com sintomas clínicos) ou apenas em anormalidades bioquímicas, que não resultam em disfunção tireoidiana clinicamente importante, mas podem ser mal interpretadas se o médico não estiver atento à possibilidade dessas interações e não reconhecer os pacientes que se enquadram no grupo de maior risco para desenvolver tireoidopatias.

Visto a importância das interações medicamentosas, sempre que você for consultar com um médico nunca se esqueça de levar o nome de TODAS as medicações que você está em uso pois isso pode fazer toda a diferença para que o médico interprete corretamente seus exames.


FONTE
UpToDate - Drug interactions with thyroid hormones


Fernanda M. Fleig
Médica Endocrinologista
CREMERS 33785 RQE 28970
https://www.facebook.com/fernanda.endocrinologista/
https://fernandaendocrino.wordpress.com/

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Disfunções tireoidianas durante a gestação

É comum o surgimento de desordens tireoidianas em mulheres na idade reprodutiva e durante a gestação. A gravidez, mesmo em mulheres que não apresentam doença tireoidiana prévia, pode causar grandes mudanças nos níveis hormonais. As doenças tireoidianas podem ser prejudiciais tanto para a gestante quanto para o bebê, portanto, o acompanhamento destas doenças durante a gravidez requer especial consideração.



CAUSAS

O hipotireoidismo clínico ocorre em 0,3 a 0,5% das gestações. O hipotireoidismo materno, em áreas suficientes de iodo (que é o caso da maioria das regiões do Brasil), é comumente causado por uma tireoidite auto-imune (Hipotireoidismo de Hashimoto) ou por destruição da glândula devido a tratamento prévio com iodo radioativo ou cirurgia, outras causas são mais raras. O hipotireoidismo subclínico, que é uma disfunção menor da tireoide, é um pouco mais comum e também pode estar associado a alguns riscos materno e fetais. 

Já o hipertireoidismo é uma condição menos frequente do que o hipotireoidismo, sendo sua causa mais comum a doença de Graves, responsável por 85% dos casos. Outras causas menos comuns são: nódulos ou bócio que funcionam mais do que deveriam (adenoma ou bócio multinodular tóxico), tireoidites, tireotoxicose gestacional transitória, mola hidatidiforme.

SINTOMAS

Os sintomas do hipotireoidismo na gestação são inespecíficos e podem passar despercebidos. Devemos ficar atentos principalmente para o ganho inexplicado de peso, a sensibilidade excessiva ao frio, pele seca, cansaço, dores musculares, constipação, sonolência, dificuldades de concentração e memória, dores articulares. 

Os sintomas clássicos de hipertireoidismo são semelhantes aos de uma gestação normal, devendo chamar a atenção a ausência de ganho de peso ou mesmo perda inexplicada de peso materno com aumento do apetite. A presença de palpitações durante o repouso, cansaço excessivo, bem como presença de tremores, intolerância ao calor, suor excessivo, alteração ocular (“olhos saltados”) também são alguns sintomas sugestivos da doença

COMPLICAÇÕES



DIAGNÓSTICO 

A avaliação inicial de distúrbios da função tireoidiana é realizada através da dosagem dos níveis de TSH no sangue. Conforme os níveis desse exame e o período da gestação, mais exames podem ser solicitados para complementar a investigação.

O rastreio universal em todas as gestações é controverso e depende da avaliação do médico assistente, porém em algumas situações especiais a realização do exame está indicada, são elas:
- História familiar de doenças tireoidianas
- Paciente com sintomas sugestivos de hipotireoidismo ou hipertireoidismo ou presença de bócio (aumento da glândula)
- História prévia de hipo ou hipertireoidismo ou tireoidite pós parto
- Pacientes com dosagem de anticorpos anti-TPO positivo
- História prévia de radioterapia na região da cabeça e pescoço
- Histórico de Infertilidade
- Histórico de abortamento ou parto prematuro
- Portadoras de Diabetes Mellitus tipo 1 ou outras doenças autoimunes

TRATAMENTO

O tratamento do hipotireoidismo durante a gestação é muito simples e é realizado através da reposição com levotiroxina. As mulheres em tratamento previamente à gestação geralmente devem ter a sua dose diária de medicação aumentada. O hormônio tireoidiano não prejudica o bebê nem durante a gestação e nem durante a amamentação.

Quanto ao hipertireoidismo o tratamento vai depender da gravidade do quadro clinico e da fase da gestação em que a mãe se encontra. Quando necessário, usamos medicações antitireoidianas na menor dose efetiva possível para controlar a produção de hormônios e minimizar o risco de disfunção tireoidiana no feto.


Se você está grávida e se encaixa em alguma das situações acima, procure um endocrinologista e avalie sua função tireoidiana. Essa atitude pode garantir uma gestação tranquila, minimizando riscos tanto para mãe quanto para o bebê.



FONTE:
2017 Guidelines of the American Thyroid Association for the Diagnosis and Management of Thyroid Disease During Pregnancy and the Postpartum
UpToDate - Overview of thyroid disease in pregnancy



Fernanda M. Fleig
Médica Endocrinologista
CREMERS 33785 RQE 28970
https://www.facebook.com/fernanda.endocrinologista/
https://fernandaendocrino.wordpress.com/

domingo, 14 de maio de 2017

Entenda o que é hipotireoidismo

A tireoide é uma glândula em forma de borboleta, localizada na região anterior do pescoço, logo abaixo o pomo de adão. Ela produz dois hormônios (T3 e T4) que são responsáveis pela regulação da maneira como nosso corpo guarda e gasta energia. O funcionamento da tireoide é controlado por outra glândula, localizada na parte debaixo do cérebro, chamada hipófise. A hipófise produz o hormônio chamado TSH que estimula a tireoide a produzir o T3 e o T4.
Quando a tireoide não produz quantidade suficiente dos seus hormônios, desenvolve-se a condição chamada de HIPOtireoidismo (não confundir com HIPERtireoidismo que é o funcionamento excessivo da tireoide). É uma doença muito comum. Estima-se que 4 a 10% da população tenha hipotireoidismo.



Na grande maioria das vezes, o hipotireoidismo é causado por problemas na própria tireoide, sendo a tireoidite crônica (ou de Hashimoto) sua principal causa. Outras causas de hipotireoidismo são: cirurgia prévia na tireoide, uso de iodo radioativo, uso de alguns medicamentos com lítio e amiodarona e, muito raramente, problemas na hipófise.
A falta dos hormônios tireoidianos lentifica o metabolismo e leva a uma série de sintomas tais como:
  • bócio (aumento do tamanho da tireoide)
  • cansaço e lentidão
  • depressão
  • ganho de peso
  • frio excessivo
  • pele seca, pálida e amarelada
  • queda de cabelo e unhas quebradiças
  • inchaço nas pálpebras
  • dificuldade em se exercitar
  • rouquidão
  • apneia do sono
  • intestino preso
  • irregularidades menstruais
  • disfunção erétil (impotência sexual)

O diagnóstico do hipotireoidismo é muito simples e é feito através da dosagem do TSH e T4 livre no sangue. Uma vez feito o diagnóstico, inicia-se o tratamento de reposição hormonal com levotiroxina por via oral. Além do uso correto da medicação, deve-se monitorar o tratamento periodicamente através da dosagem do TSH, para ajustar a dose da levotiroxina da melhor maneira possível, evitando efeitos indesejáveis. Na grande maioria dos casos, o tratamento é para a vida toda.
Caso você suspeite ou já tenha o diagnóstico de hipotireoidismo, procure o endocrinologista para fazer o acompanhamento adequado.

Fonte: UpToDate OnLine

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

quarta-feira, 10 de maio de 2017

O consumo de couve pode causar problemas na tireoide?

Alguns pacientes com hipotireoidismo têm perguntado se devem evitar algum tipo de alimento, em especial a couve e o brócolis. A teoria é que esses vegetais poderiam fazer mal para a tireoide. Embora não seja verdadeira, a preocupação faz sentido. Vamos entender por quê?



A couve pertence ao grupo das brássicas (ou crucíferas), que também inclui o brócolis, a couve chinesa, o nabo, a couve-flor, a couve de Bruxelas, o repolho e a mostarda. Além da alta quantidade de fibras e nutrientes, como cálcio, ferro e vitamina C, esse grupo contém os chamados glicosinolatos, substâncias que comprovadamente tem propriedades benéficas para a nossa saúde. Os glicosinolatos ficam inativos na planta, juntos com a enzima que os ativa e os torna disponível para usar, a chamada mirosinase. Quando cortamos, cozinhamos ou mastigamos os vegetais, a mirosinase se mistura com os glicosinolatos e libera dele as suas substâncias ativas. Uma planta tem vários tipos de glicosinolatos e já foram identificados mais de 100 no grupo das brássicas. No começo dos anos 90, estudos demosntraram que o consumo frequente de vegetais ricos em um determinado tipo de glicosinolato, a glicorafanina, como o brócolis e a couve-chinesa, resulta em redução da incidência de câncer. Além disso, esse grupo vegetal também possui propriedades anti-inflamatórias e anti-oxidantes. Isso fez com que esses vegetais se tornassem os "queridinhos" de alguns suplementos alimentares e dietas, como no caso do popular "suco detox". Mas será que esses vegetais, principalmente concentrados na forma de sucos, só tem substâncias boas? Tem gente fazendo "suco detox" para família toda, incluindo as crianças. Que mal poderia fazer para tireoide?
Cabe salientar que a couve, assim como as outras brássicas, também apresenta substâncias que podem interferir com o funcionamento da tireoide, efeito evidenciado em estudos com animais. Essas substâncias, também derivadas da ativação de diferentes glicosinolatos, são chamadas de goitrina e  tiocianato. Elas atuam reduzindo a absorção do iodo pelas células da tireoide, substância que é a base da constituição dos hormônios da glândula, podendo causar bócio e hipotireoidismo. Essas ações têm importância somente em regiões de baixo consumo de iodo na dieta, que não é o nosso caso. Não há estudos em crianças, somente em adultos.
Não se conhece a quantidade exata de vegetais que deve ser consumida para ter esse efeito ruim, mas o que se sabe é que em adultos são quantidades diárias muito grandes e por um tempo prolongado. Por exemplo, há um relato de uma mulher chinesa de 88 anos que desenvolveu hipotireoidismo grave, com coma, por consumir 1,0-1,5 kg/dia de couve chinesa crua por vários meses para tentar controlar o diabetes. Difícil alguém consumir essa quantidade, não é mesmo? Portanto, o consumo de couve e outras brássicas nas quantidades usuais não causa alterações na tireoide em adultos. Da mesma forma, se tem hipotireoidismo e faz a reposição do hormônio da tireoide, não tem problema consumir esses vegetais.

Referências:
1 -  Peter Felker, Ronald Bunch, Angela M. Leung. Concentrations of thiocyanate and goitrin in human plasma, their precursor concentrations in brassica vegetables, and associated potential risk for hypothyroidism. Nutr Rev. 2016 Apr; 74(4): 248–258.
2 - Barba FJ, Nikmaram N, Roohinejad S, Khelfa A, Zhu Z, Koubaa M. Bioavailability of Glucosinolates and Their Breakdown Products: Impact of Processing.  Front Nutr. 2016 Aug 16; 3:24.
3 -  Scott O, Galicia-Connolly E, Adams D, Surette S, Vohra S, Yager JY. The safety of cruciferous plants in humans: a systematic review.  J Biomed Biotechnol. 2012; vol 2012: article ID 503241.
4 - Chu M, Seltzer TF. Myxedema coma induced by ingestion of raw bok choy.  N Engl J Med. 2010 May 20;362(20):1945-6.


Dr. Eduardo Guimarães Camargo
                                                       Médico Endocrinologista
                                                CREMERS 23.404 - RQE 17.086
                                                 www.dreduardocamargo.com.br