É muito comum que pacientes submetidos à avaliação da tireoide estejam fazendo uso de diversos fármacos sendo que alguns deles, mesmo que usados para doenças não tireoidianas, podem interferir com a função da glândula, mesmo que o paciente não tenha disfunções tireoidianas prévias.
A tireoide necessita do comando do TSH (hormônio produzido por uma outra glândula chamada hipófise) para que produza e libere os hormônios tireoidianos (T4 e T3) que, por sua vez, circulam pelo nosso corpo ligados a um transportador (TBG – globulina ligadora de tiroxina). Em indivíduos normais, as concentrações dos hormônios tireoidianos e do TSH estão intimamente relacionadas e são controladas por um delicado sistema. Porém, algumas medicações podem afetar esse sistema de equilíbrio em diversos pontos, afetando a função dos hormônios, inibindo a produção dos hormônios tireoidianos ou do TSH, alterando a quantidade de transportadores dos hormônios no sangue e também por outros mecanismos ainda não esclarecidos. A interferência dessas medicações nesses processos pode ser um fator de confusão na interpretação dos exames laboratoriais, pois podem causar desde apenas uma alteração laboratorial sem significado clínico até quadros de disfunção tireoidiana evidente, levando a quadros de hipotireoidismo (quando a tireoide funciona menos do que o necessário) ou hipertireoidismo (quando a glândula funciona mais do que deveria).
Pacientes com doenças tireoidianas prévias subclínicas ou não diagnosticadas, portadores de bócio (aumento da glândula), nódulos e anticorpos anti-tireoidianos positivos estão sob maior risco de desenvolver alterações tireoidianas na presença de alguns fármacos.
Medicações que podem causar (ou piorar) o HIPOTIREOIDISMO
1. Pela inibição da produção dos hormônios tireoidianos e/ou sua liberação: lítio, talidomida, iodo e medicamentos contendo iodo, como amiodarona, contrastes radiológicos, alguns expectorantes, comprimidos de alga marinha, soluções de iodeto de potássio
2. Através de uma desregulação imunológica: interferon-alfa, interleucina-2, ipilimumab, alemtuzumab, pembrolizumab, nivolumab
3.Suprimindo a secreção de TSH pela hipófise: dopamina
4. Provocando uma tireoidite destrutiva: sunitinib
Nos pacientes com hipotireoidismo em tratamento com levotiroxina, algumas medicações podem levar à redução da absorção ou ao aumento do metabolismo dos hormônios tireoidianos, fazendo com que ocorra uma piora do hipotireoidismo se a dose do hormônio não for ajustada.
Entre os fármacos que reduzem a absorção da levotiroxina e podem exigir aumento da dose da medicação temos: colestiramina, colesevelam, hidróxido de alumínio, carbonato de cálcio, sulfato de ferro, raloxifeno, omeprazol, lansoprazol e similares, sevelamer e cromo.
Já entre as drogas que podem aumentar o metabolismo dos hormônios temos: fenobarbital, a rifampicina, a fenitoína e a carbamazepina. A amiodarona diminuí a conversão periférica de T4 para T3, também fazendo com que possa ser necessário ajuste de dose da levotiroxina.
Medicações que podem causar HIPERTIREOIDISMO
1. Através do estímulo para produção e/ou liberação dos hormônios tireoidianos: iodo e medicações contendo iodo, como amiodarona, contrastes radiológicos, solução de povidine, alguns expectorantes, comprimidos de alga marinha, soluções de iodeto de potássio
2. Através de uma desregulação imunológica: interferon-alfa, interleucina-2, ipilimumab, alemtuzumab, pembrolizumab
Medicações que podem causar anormalidades nos EXAMES LABORATORIAIS, porém sem causar disfunções tireoidianas
Alguns fármacos podem aumentar ou diminuir as concentrações séricas da TBG (“a transportadora dos hormônios tireoidianos”), provocando alterações nas concentrações totais do T4 e do T3, mas não nas frações livres, sendo assim provocam apenas alterações laboratoriais porém sem sintomas clínicos
1.Medicações que reduzem a TBG: andrógenos, glicocorticoides, ácido nicotínico
2. Medicações que elevam a TBG sérica: anticoncepcionais orais, tamoxifeno, raloxifeno, metadona, heroína, mitotano. OBS: Mulheres com hipotireoidismo em uso de levotiroxina e anticoncepcional oral podem necessitar de ajuste de dose da levotiroxina
Outras medicações podem interferir na ligação dos hormônios ao transportador, na conversão dos hormônios na periferia, na depuração do T4 ou na supressão do TSH, mas, ainda assim, causam apenas alterações laboratoriais, sem alterações clinicas.
3. Medicações que diminuem a ligação do T4 à TBG: salicilatos, furosemida, heparina, alguns anti-inflamatórios
4. Medicações que aumentam a depuração do T4: fenitoína, carbamazepina, rifampicina, fenobarbital
5. Medicações que suprimem a secreção de TSH - dobutamina, glicocorticoides, octreotide
6. Medicações que alteram a conversão do T4 em T3: glicocorticoides, contraste radiológicos, propranolol
RESUMINDO:
A tireoide pode ter sua função influenciada por vários medicamentos de uso frequente na prática clínica o que pode resultar tanto em disfunção da tireoide (com sintomas clínicos) ou apenas em anormalidades bioquímicas, que não resultam em disfunção tireoidiana clinicamente importante, mas podem ser mal interpretadas se o médico não estiver atento à possibilidade dessas interações e não reconhecer os pacientes que se enquadram no grupo de maior risco para desenvolver tireoidopatias.
Visto a importância das interações medicamentosas, sempre que você for consultar com um médico nunca se esqueça de levar o nome de TODAS as medicações que você está em uso pois isso pode fazer toda a diferença para que o médico interprete corretamente seus exames.
FONTE
UpToDate - Drug interactions with thyroid hormones
Fernanda M. Fleig
Médica Endocrinologista
CREMERS 33785 RQE 28970
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https://fernandaendocrino.wordpress.com/