Na última década, vários grandes estudos têm sido publicados tentando responder essa questão. A hipótese de que o consumo de óleo de peixe faz bem para o coração veio da observação de que populações com alto consumo de peixes gordurosos tinham menos doenças cardíacas. Os peixes como salmão, sardinha, arenque e atum são altamente ricos em ômega 3, um ácido graxo poli-insaturados de cadeia longa, cujos principais componentes benéficos são os ácidos eicosapentaenoico (EPA) e docosaexaenoico (DHA). Embora outros alimentos também são ricos em ômega 3, como o abacate, as nozes, as sementes de chia e de linhaça, os principais estudos avaliaram o ômega 3 proveniente do óleo de peixe. Como no geral comemos poucas quantidades semanais de peixes gordurosos, será que precisamos usar suplementos de óleo de peixe para proteger o coração?
Assunto bem controverso, mas vou tentar resumir:
- Se não tem doença cardíaca isquêmica (ex. angina ou infarto do coração) e tem baixo risco cardiovascular, como acontece em pacientes jovens e saudáveis, até o momento NÃO há evidência de benefício do uso de suplemento de ômega 3 para proteger o coração.
- Pessoas com diabetes ou pré-diabetes com doença cardíaca NÃO têm benefício do uso de ômega 3 para prevenir morte ou novos eventos cardiovasculares, principalmente por causa dos resultados do estudo ORIGIN (Outcome Reduction With Initial Glargine Intervention) (1).
- No grupo de pessoas sem doença cardíaca mas que têm um alto risco cardiovascular (pressão alta, colesterol total maior que 250 mg/dL, tabagismo, obesidade, diabetes, sedentarismo), os resultados dos estudos são controversos. Embora a maioria não mostre benefício de proteção do coração com o uso de óleo de peixe, um grande estudo sugere benefício do ômega 3 associado à terapia com estatina em indivíduos com colesterol elevado (estudo JELIS - Japan EPA Lipid Intervention Study) (2). Por isso, a maioria dos médicos NÃO recomenda o uso de ômega 3 nesse grupo de alto risco, mas uma minoria ainda recomenda por causa do estudo JELIS. Não é errado usar, mas certamente existem outras medidas mais efetivas para reduzir o risco cardiovascular. Em pacientes cardíacos que já estão em terapia máxima com o que há de melhor para o coração (estatinas, inibidores da ECA como ramipril, beta-bloqueadores como metoprolol, ácido acetilsalicílico) ou já se submeteram a uma efetiva revascularização, o uso de ômega 3 não traz um benefício adicional e não precisa ser usado. Menos um medicamento, não é mesmo?
- Pacientes que tem doença cardiovascular estabelecida, principalmente aqueles que tiveram um infarto recentemente, e que querem prevenir morte súbita ou um novo evento cardiovascular (como um novo infarto, uma isquemia cerebral ou uma nova revascularização coronariana) podem se beneficiar do uso de doses baixas de ômega 3 (em torno de 1000 mg/d), de acordo com uma análise combinada dos mais recentes estudos (3).
- NÃO há benefício para prevenir acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico, a chamada “isquemia cerebral”, em pacientes que nunca tiveram um AVC e também naqueles que já tiveram um AVC e não querem ter novamente
.
- Em pacientes com insuficiência cardíaca (“coração fraco”), o uso do ômega 3 foi benéfico para reduzir o risco de morte somente naqueles com uma fração de ejeção abaixo de 40%, ou seja, naqueles que estão com uma boa força de bombeamento do coração (fração de ejeção acima de 40%) não há benefício.
Em resumo, o uso do ômega 3 do óleo de peixe traz benefícios na população com doença cardíaca estabelecida, principalmente naqueles que recém tiveram um infarto ou naqueles com insuficiência cardíaca com fração de ejeção menor que 40%. Nesses casos, a dose diária é baixa, em torno de 500-1000 mg/dia (ou seja, a soma da quantidade de EPA+DHA deve ser essa; leia o rótulo para saber). O benefício para o coração do uso de doses elevadas de ômega 3 como aquelas usadas para reduzir triglicerídeos (acima de 4000 mg/dia) ainda precisa ser melhor estudado.
Bibliografia sugerida:
David S. Siscovick et al. Omega-3 Polyunsaturated Fatty Acid (Fish Oil) Supplementation and the Prevention of Clinical Cardiovascular Disease: A Science Advisory From the American Heart Association. Circulation. 2017;135:e867-e884
Referências:
1. Bosch J et al. n-3 Fatty acids and cardiovascular outcomes in patients with dysglycemia. N Engl J Med. 2012;367:309–318.
2. Yokoyama M, et al. Japan EPA Lipid Intervention Study (JELIS) Investigators. Effects of eicosapentaenoic acid on major coronary events in hypercholesterolaemic patients (JELIS): a randomised open-label, blinded endpoint analysis [published correction appears in Lancet. 2007;370:220]. Lancet. 2007;369:1090–1098.
3. Rizos EC et al. Association between omega-3 fatty acid supplementation and risk of major cardiovascular disease events: a systematic review and meta-analysis. JAMA. 2012; 308:1024–1033. doi: 10.1001/2012.jama.11374.
Dr. Eduardo Guimarães Camargo
Médico Endocrinologista
Médico Endocrinologista
CREMERS 23.404 - RQE 17.086
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