A doença cardiovascular é a principal causa de morte no mundo entre homens e mulheres e sua fisiopatologia envolve o processo de aterosclerose. A aterosclerose é um processo dinâmico e evolutivo que ocorre na parede das artérias, caracterizada pelo crescimento de uma lesão que apresenta um componente lipídico e um componente de proliferação celular e fibrose. Já está bem estabelecido que a dislipidemia, principalmente representada por níveis elevados de LDL colesterol (LDL-c, “colesterol ruim”), apresenta um papel central na fisiopatologia da aterosclerose. Cada vez mais surgem evidências de que quanto maior a redução do LDL-c, principalmente em indivíduos de alto risco cardíaco, maior é o benefício obtido.
Hoje vamos falar sobre os tratamentos farmacológicos disponíveis para o tratamento do colesterol, focando na redução do LDL-c. Informações sobre o que é o colesterol, diagnóstico, valores de referência e riscos podem ser lidas no
post anterior publicado aqui no blog sobre o assunto.
QUANDO TRATAR?
A decisão sobre a necessidade ou não do uso de medicação para o tratamento da elevação do colesterol vai depender fundamentalmente de dois aspectos:
1. Risco cardiovascular do paciente: pacientes de alto ou muito alto risco para doenças cardiovasculares devem iniciar tratamento medicamentoso de início, associado a modificações do estilo de vida. Já para pacientes de risco moderado a baixo, podemos iniciar primeiro com as modificações do estilo de vida isoladamente e, caso as metas definidas não sejam atendidas após 3 a 6 meses, as medicações são iniciadas.
2. Tipo de dislipidemia presente: algumas medicações agem mais nas taxas de LDL-c, outras nas taxas de triglicerídeos (TG), então o tipo de alteração presente vai definir o tipo de medicação escolhida
É sempre muito importante levar em consideração se existe alguma causa identificável para o aumento do colesterol que possa ser tratada. Por exemplo, pacientes com hipotireoidismo sem tratamento podem ter aumento dos níveis de colesterol que podem normalizar após iniciada a reposição com hormônios tireoidianos; pacientes com diabetes descompensado podem apresentar aumento de TG que melhoram após a compensação da doença. Se identificada uma causa para a dislipidemia, devemos sempre tratar a patologia de base antes de iniciar o tratamento específico para a dislipidemia, visto que muitas vezes o tratamento da patologia de base é o suficiente para normalizar os níveis de colesterol.
Medicamentos com ação predominante nas taxas de LDL-c ("colesterol ruim")
ESTATINAS
As estatinas são medicações da classe de inibidores da enzima HMG-CoA redutase. A HMG-CoA redutase é uma das enzimas do fígado responsáveis pela produção de colesterol. Dependendo da dose e do tipo de estatina usada, a redução do LDL-c pode ser superior a 60%. Até o momento, as estatinas são o tratamento de primeira escolha para o tratamento do colesterol e permanecem sendo a terapia mais validada por estudos clínicos para diminuir a incidência de eventos cardiovasculares. As estatinas reduzem o risco de infarto do miocárdio, morte, necessidade de revascularização do miocárdio e acidente vascular cerebral isquêmico. Estudos mostram que, para cada 40 mg/dL de redução do LDL-c com estatinas, ocorre a diminuição da mortalidade por todas as causas em 10%. Para se ter uma ideia de como conceitualmente isso é importante, vale lembrar que a descoberta do mecanismo de receptores ligados ao metabolismo do LDL, que permitiu o desenvolvimento desses medicamentos, rendeu o Prêmio Nobel de Medicina em 1985 para os pesquisadores Michael S. Brown e Joseph L. Goldstein.
Recentemente temos observado uma onda de profissionais com “estatinafobia” que defendem que as estatinas fazem mal para a saúde e pregam sua substituição por “dietas da moda”. Isso é um tremendo absurdo, e tem colocado pacientes de alto risco cardiovascular sob risco de terem um evento fatal por pararem uma medicação extremamente importante para a prevenção de tais eventos. Aqui no blog já publicamos um texto sobre o assunto que pode ser lido
clicando aqui!
Embora estudos mostrem diferenças na potência das estatinas quanto à sua capacidade de levar à redução do LDL-c, todas foram capazes de reduzir eventos e mortes cardiovasculares. As estatinas também reduzem os TG em 7 a 30%, sendo que quanto maior sua capacidade de reduzir o LDL-c maior a redução dos TG. Com relação ao HDL (“colesterol bom”), as estatinas podem elevar um pouco suas taxas, em torno de 5-15%, no entanto os estudos não demonstraram que a variação do HDL ou TG influenciou na redução de eventos cardiovasculares.
ADMINISTRAÇÃO: atorvastatina, pitavastatina e rosuvastatina podem ser tomadas a qualquer hora do dia, as demais estatinas devem ser administradas à noite. As doses das estatinas devem ser tituladas para atingir as metas de prevenção da aterosclerose conforme o risco cardiovascular de cada paciente.
TABELA: Reduções do LDL-c com as estatinas e as doses disponíveis no mercado nacional
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Gráfico retirado da Atualização da Diretriz Brasileira de
Dislipidemia e Prevenção da Aterosclerose 2017
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EFEITOS ADVERSOS
A grande maioria dos pacientes tolera muito bem as estatinas com pouco ou nenhum paraefeito. Entre os efeitos colaterais mais comum estão os efeitos musculares, que podem surgir em semanas ou anos após o início do tratamento, e que variam desde desconforto e dor muscular leve, com ou sem elevação de creatinoquinase (CK), até rabdomiólise (agressão maior às células musculares com repercussões mais graves). A CK é uma enzima que marca lesões musculares e sua dosagem deve ser avaliada no início do tratamento naqueles indivíduos com alto risco de eventos adversos musculares, mas sua dosagem rotineira não é recomendada em pacientes já em da medicação, exceto se ocorrerem sintomas musculares (dor, sensibilidade, rigidez, câimbras, fraqueza e fadiga localizada ou generalizada). Outros efeitos adversos menos comuns são: cefaleia, constipação, náusea, gastrite, alterações hepáticas. A avaliação das enzimas hepáticas (ALT e AST) deve ser realizada antes do início da terapia e durante o tratamento caso ocorram sintomas ou sinais sugerindo hepatotoxicidade (fadiga ou fraqueza, perda de apetite, dor abdominal, urina escura ou aparecimento de icterícia). Por serem potencialmente teratogênicas, as estatinas estão contraindicadas na gestação, e mulheres em período reprodutivo em tratamento com estatinas devem ser orientadas a fazer uso de métodos contraceptivos.
EZETIMIBA
A ezetimiba inibe a absorção de colesterol por efeito direto no intestino levando à diminuição dos níveis de colesterol hepático e, consequentemente, redução do nível plasmático de LDL-c em 10 a 25%. A ezetimiba é uma opção de tratamento naqueles pacientes com intolerância às estatinas, sendo usada isoladamente ou em associação a uma estatina naqueles pacientes que apresentam efeitos adversos com doses elevadas de estatina e que não atingem sua meta de colesterol com a dose tolerada de estatina.
ADMINISTRAÇÃO: a medicação pode ser administrada a qualquer hora do dia, independente de alimentação.
EFEITOS ADVERSOS
Os eventos adversos são raros, sendo uma medicação geralmente bem tolerada. Os possíveis efeitos colaterais do tratamento com ezetimibe são: cefaléia; dor abdominal, diarreia, fadiga, constipação, flatulência, náuseas, infecções de vias áereas superiores, aumento de enzimas hepáticas, mialgia.
RESINAS
São medicamentos que diminuem a absorção do colesterol pois se ligam aos sais biliares no intestino impedindo a absorção e recirculação do colesterol do intestino para o fígado, levando a redução da absorção do colesterol exógeno e ao aumento do metabolismo do colesterol endógeno em ácidos biliares no fígado. Este processo resulta em maior expressão dos receptores de LDL nas células do fígado, aumentando a remoção do LDL-c do sangue. Paradoxalmente, as resinas podem também aumentar a síntese de VLDL e elevar os níveis de TG em 15% a 30%. No Brasil temos apenas a colestiramina disponível, sendo que seu efeito é dose dependente, podendo a redução do LDL-c variar entre 5 a 30% conforme a dose.
Na maioria dos casos essa classe não costuma ser usada em monoterapia e sim em adição às estatinas quando a meta de LDL-c não é atingida apesar do uso de estatinas potentes em doses altas. Por não ser absorvida para a circulação sistêmica, é uma opção de tratamento para crianças com aumento do colesterol, isoladamente ou em associação com estatinas, é o único fármaco liberado para mulheres no período reprodutivo sem método contraceptivo efetivo e durante os períodos de gestação e amamentação
ADMINISTRAÇÃO: deve ser administrada longe de outros medicamentos, pois podem interferir na absorção de muitos deles, sendo assim outras medicações rotineiras devem ser tomadas 1 hora antes da tomada da colestiramina e/ou 4 horas depois desta.
EFEITOS COLATERAIS
As resinas são medicações com alta incidência de efeitos colaterais no trato digestivo, sendo os principais: constipação, plenitude gástrica, náuseas e flatulência, além de poder piorar hemorroidas preexistentes. Essa medicação também pode reduzir a absorção de vitaminas lipossolúveis (A, D, K e E) e de ácido fólico, sendo assim, a suplementação destes em crianças ou, eventualmente, em adultos usando colestiramina, pode ser necessária. Como dito anteriormente, também pode ocorrer aumento dos TG, logo seu uso deve ser evitado se níveis de TG maiores de 400 mg/dL.
INIBIDORES DA PCSK-9
A PCSK9 é uma enzima que desempenha um papel importante no metabolismo do colesterol pois controla a densidade de receptores de LDL expressos no fígado, que são um fator determinante dos níveis de LDL-c no sangue. Essa medicação, ao se ligar a essa enzima, reduz a sua função e, consequentemente, leva a um aumento do número de receptores de LDL no fígado que, por sua vez, aumentam a remoção de partículas de LDL, reduzindo o LDL-c sanguíneo. Os inibidores da PCSK-9 estão indicados em pacientes de alto risco cardiovascular já com tratamento otimizado com estatinas na maior dose tolerada, associado ou não à ezetimiba, e que não tenham alcançado as metas de LDL-c recomendadas.
ADMINISTRAÇÃO: no Brasil temos dois representantes da classe aprovados para comercialização: alirocumabe e o evolocumabe. Ambos são aplicados por meio de injeção subcutânea, o alirocumabe a cada 2 semanas e o evolucumab com injeção a cada 2 semanas ou uma vez por mês, a depender da dose utilizada.
EFEITOS ADVERSOS
O uso dos inibidores da PCSK9 em geral é seguro e bem tolerado. Estão descritos como paraefeitos principais a ocorrência de nasofaringite, náuseas, fadiga, mialgia, diarréia e aumento da incidência de reações no local da injeção (vermelhidão, prurido, edema ou sensibilidade/dor).
RESUMINDO....
A dislipidemia representa um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento da aterosclerose. O tratamento deve ser individualizado e deve levar em consideração a estratificação do risco cardiovascular de cada paciente: quanto maior o risco, maior o benefício de um tratamento mais intensivo. As maiores evidências de benefícios são vistas com a classe das estatinas que são capazes de reduzir substancialmente as mortes de causas cardiovasculares.
FONTE: Atualização da Diretriz Brasileira de Dislipidemia e Prevenção da Aterosclerose – 2017.
Arquivos Brasileiros de Cardiologia • ISSN-0066-782X • Volume 109, Nº 2, Supl. 1, Agosto 2017
Fernanda M. Fleig
Médica Endocrinologista
CREMERS 33785 / RQE 28970
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