quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Mudanças no metabolismo induzidas pela perda de peso


Um dos principais efeitos da perda de peso, seja ela induzida por dieta, exercício ou cirurgia, é a redução do metabolismo basal ou taxa metabólica de repouso que representa a quantidade mínima de energia necessária para manutenção das atividades vitais do organismo em repouso.
O metabolismo basal corresponde a aproximadamente 2/3 do gasto calórico diário de um indivíduo e pode variar conforme a idade, existindo uma redução aproximada de 1% a cada década de vida, o sexo, sendo maior em homens do que em mulheres, e principalmente conforme a quantidade de massa muscular de um indivíduo.
Os demais componentes do nosso gasto calórico diário referem-se à energia gasta para a digestão dos alimentos, também conhecida como termogênese relacionada à dieta, e ao gasto calórico relacionado ao exercício, conforme didaticamente ilustrado na figura abaixo, com os percentuais correspondentes de cada componente.


Um estudo interessante demonstrou que a manutenção de um peso 10% abaixo do peso inicial resultou em uma redução de 8 kcal para cada kg perdido no metabolismo basal. Isto significa que um indivíduo que pesava inicialmente 100 kg e conseguiu reduzir o seu peso para 90 kg (redução de 10% do peso inicial) apresenta uma redução aproximada de 80 kcal no seu metabolismo basal.
Este declínio no metabolismo descrito em indivíduos submetidos a tratamentos para perda de peso favorece a recuperação do peso, sobretudo porque permanece suprimido no longo prazo, mesmo após o término da intervenção para perda de peso.
E porque este declínio ocorre? Bom, quando começamos a reduzir o peso, uma série de adaptações hormonais e metabólicas são ativadas numa tentativa de "proteger" o organismo de um estado de privação importante de comida. Mudanças na composição corporal, levando a perdas significativas da massa muscular, bem como reduções importantes dos níveis de leptina, hormônio produzido pelo tecido adiposo, responsável também por modular o gasto energético contribuem para esta queda. Dessa forma, a redução do metabolismo de repouso dificulta o emagrecimento à medida em que continuamos perdendo peso.
Outro estudo bastante interessante mostrou o impacto das diferentes intervenções para perda de peso (dieta x exercício x terapia farmacológica ou cirurgia) sobre o metabolismo de repouso.
Os resultados mostraram uma redução do metabolismo de aproximadamente 15 kcal para cada kg perdido, sem diferença entre homens e mulheres, quando todas as intervenções foram analisadas conjuntamente.
Conforme mostrado na figura a seguir, quando as intervenções foram avaliadas separadamente, a dieta resultou em maior queda do metabolismo basal, de 18 kcal para cada kg de peso perdido, quando comparada a todas as demais.


A combinação da restrição calórica associada a exercícios regulares resultou em menores reduções no metabolismo basal quando comparada à dieta isoladamente. Uma das explicações para esta diferença é a maior preservação da massa muscular induzida pelo exercício durante restrições calóricas impostas pela dieta. 
Em síntese, embora o exercício isoladamente não seja uma estratégia eficaz para perda de peso, a combinação do exercício durante a perda de peso induzida pela dieta minimizará a redução do metabolismo basal, componente importante do gasto calórico total! O entendimento dessas alterações adaptativas desencadeadas pelo emagrecimento bem como o acompanhamento regular com uma equipe multidisciplinar, incluindo médico endocrinologista, nutricionista e educador físico, ajudará na obtenção de melhores resultados durante e após intervenções para a perda de peso! 

Referências:
1. Relative changes in resting energy expenditure during weight loss: a systematic review. Obesity Reviews (2010) 11, 531–547.
2. Changes in energy expenditure resulting from altered body weight. N Engl J Med 1995; 332: 621–628.

Dra. Milene Moehlecke
Médica Endocrinologista
CREMERS 33.068 - RQE 25.181

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Diabetes mellitus pós-transplante de órgãos - já ouviu falar?

De quais diabetes mellitus você já ouviu falar?
Tipo 1, tipo 2, diabetes gestacional... Está correto.
Mas, neste texto, será abordado um tipo específico de diabetes mellitus, que ainda está em estudo. Trata-se do diabetes mellitus pós-transplante de órgãos.


O transplante é uma modalidade de tratamento para aqueles casos de falência total do funcionamento de um órgão, como coração, pulmão, fígado ou rins. O transplante mais comum e mais realizado no mundo todo é o transplante renal. Somente no Brasil, no período de janeiro de 2007 a março de 2017, foram realizados mais de 50 mil transplantes renais. O transplante renal bem-sucedido melhora a qualidade de vida, é mais custo-efetivo e reduz o risco de mortalidade para a grande maioria dos pacientes, quando comparado à terapia dialítica.
Assim como é importante reconhecer os benefícios de um transplante no momento de sua indicação, também devem estar claras as possíveis complicações decorrentes desse procedimento. Quem recebe um transplante, necessita utilizar durante toda a vida tratamento com medicamentos imunossupressores, para evitar a rejeição do órgão transplantado. Os esquemas atuais de imunossupressão estão cada vez mais adequados, e os pacientes transplantados, vivendo mais e melhor. Justamente por isso, estão sujeitos à ocorrência das doenças crônico-metabólicas que acometem a população geral, como o diabetes mellitus. 
O diabetes mellitus pós-transplante é a denominação oficial para o subtipo de diabetes que acomete pessoas que não eram diabéticas e se tornam, após receber um transplante de órgão. Ele usualmente se instala dentro dos primeiros meses após o transplante, mas a chance de desenvolver esse diabetes persiste ao longo da vida do receptor. De cada 100 pessoas transplantadas, 10 a 30 podem ficar diabéticas. 
Nem todas as pessoas tem o mesmo risco de desenvolver diabetes mellitus pós-transplante. Algumas condições podem favorecer o seu surgimento, por exemplo: sexo masculino, idade maior que 45 anos, estar em sobrepeso ou obesidade no momento do transplante, ter história familiar de diabetes, ganhar muito peso após o transplante, etc. Porém, o principal responsável pela ocorrência do diabetes mellitus pós-transplante é o regime de imunossupressão. Em geral, quanto maiores as doses necessárias (e isso varia de pessoa para pessoa), maior o risco de ter diabetes. 
Por isso, deve fazer parte do acompanhamento do paciente transplantado o rastreamento periódico do diabetes. O diagnóstico do diabetes mellitus pós-transplante segue os mesmos critérios do diabetes tipos 1 e 2: glicemia de jejum ≥126 mg/dl e/ou teste de tolerância oral a 75g de glicose (TTOG) em 2 horas ≥200 mg/dl e/ou hemoglobina glicada (HbA1c) >6,5%. Lembrando que, para fechar o diagnóstico, o paciente deve estar já com a terapia imunossupressora de manutenção, pois é praticamente regra ocorrer aumento transitório nos níveis de glicose nos primeiros dias após o transplante, quando se utilizam altas doses de corticosteroides para evitar rejeição do órgão.
O diabetes mellitus pós-transplante é tratado de forma semelhante ao diabetes tipo 1 e 2, com medicamentos antihiperglicemiantes orais e/ou insulina. No momento, não existe definição se um medicamento é melhor que o outro, podendo toda a gama de tratamentos disponíveis ser utilizada, à critério do médico que acompanha o paciente. Assim como os demais tipos de diabetes, o diabetes mellitus pós-transplante mal controlado está associado ao desenvolvimento de complicações. 
Antigamente, pensava-se que quem tinha diabetes mellitus pós-transplante desenvolvia até mais rapidamente as complicações clássicas do diabetes, como retinopatia. Porém, estudos mais novos mostraram o contrário. Pessoas com diabetes mellitus pós-transplante renal (mais de 5 anos de evolução) e controle glicêmico razoável (hemoglobina glicada média, ao longo do acompanhamento, de 7,4%) não apresentaram alterações visíveis na retina, nem tiveram mais alterações em exames de função dos rins (medidos por taxa de filtração glomerular e proteinúria). Contudo, sinais de neuropatia diabética (perda da sensibilidade nos pés, principalmente), foram detectados nesses pacientes. Então, sugere-se que o exame periódico dos pés (pelo menos anual), com os mesmos testes empregados para avaliação dos diabéticos tipos 1 e 2, seja incorporado à rotina de acompanhamento dos transplantados com diabetes. 
Como falado acima, o diabetes mellitus pós-transplante ainda segue em estudo, e novidades sobre seu tratamento e acompanhamento estão sendo pesquisadas. Portanto, é importante seguir informado com o seu médico. Como sempre, manter uma rotina saudável de alimentação e exercícios, é útil tanto para a prevenção do diabetes mellitus pós-transplante, como para manutenção de níveis adequados de glicemia, no caso de quem já tem o diagnóstico de diabetes.

Referências:
1- Dados Númericos da doação de órgãos e transplantes realizados por estado e instituição no período de janeiro a março de 2017. Registro Brasileiro de Transplantes - ABTO. 2017; 23 (1): 1-33.
2- Jenssen T, Hartmann A. Post-transplant diabetes mellitus in patients with solid organ transplants. Nat Rev Endocrine, 2019; 15 (1): doi: 10.1038/s41574-018-0137-7.
3- Sharif A, Cohney S. Post-transplantation diabetes—state of the art. The Lancet Diabetes & Endocrinology. 2016;4(4):337-49.
4- Londero TM, Giaretta LS, Farenzena LP, Manfro RC, Canani LH, Lavinsky D, Leitão CB, Bauer AC. Microvascular Complications of Posttransplant Diabetes Mellitus in Kidney Transplant Recipients: A Longitudinal Study. J Clin Endocrinol Metab. 2019 Feb 1;104(2):557-567.

Dra. Thizá Massaia Londero Gai
Médica Endocrinologista
CRM 35877 / RQE 28957
Mestre em Endocrinologia e Metabologia UFRGS

domingo, 3 de fevereiro de 2019

Existe efeito rebote com as medicações antiobesidade?

Pergunta recorrente no consultório refere-se ao receio de usar medicações para tratamento do excesso de peso pelo risco de efeito rebote após suspensão da(s) mesma(s). Mas será que este medo é real?
Bom, o entendimento de que a obesidade é uma doença crônica com tendência à recidiva ao longo do tempo é fundamental. Nesse sentido, o tratamento é baseado em mudanças no estilo de vida associadas ou não à terapia farmacológica.


As modificações no estilo de vida propostas para o tratamento da obesidade são fundamentais. Entretanto, as taxas de sucesso no longo prazo apenas com estas medidas costumam ser baixas. Isto porque uma série de adaptações ocorrem no organismo quando reduzimos a ingestão alimentar com o objetivo de perda de peso. Por exemplo, existe um aumento da fome e também do apetite após qualquer redução de peso. Além disso, o metabolismo basal, responsável pelas necessidades energéticas para o funcionamento do organismo em repouso, assim como o gasto calórico com a realização de exercícios  físicos é menor quando emagrecemos! Todas estas adaptações fisiológicas tendem a persistir ao longo do tempo favorecendo a recuperação do peso após a perda inicial.
As medicações prescritas para o tratamento da obesidade, em geral, auxiliam no controle sobre a ingestão alimentar aumentando a saciedade e/ou reduzindo o apetite. Considerando que estas medicações não atuam de forma irreversível no organismo, a suspensão das mesmas favorece, ao longo do tempo, o aumento da ingestão alimentar com recidiva do peso perdido. Por isso, o uso de fármacos para tratamento da obesidade costuma ser mantido no longo prazo, sob supervisão periódica do médico especialista. 
Atualmente, os medicamentos antiobesidade podem ser úteis para pacientes com IMC* (índice de massa corporal) maior ou igual a 30 kg/m² ou acima de 27 kg/m² com alguma comorbidade que não conseguiram atingir as metas de perda e manutenção do novo peso apenas com reeducação alimentar e exercícios regulares. 
Ainda, é necessário avaliar os potenciais benefícios com o tratamento instituído contrabalançando com os riscos associados à terapia farmacológica bem como os riscos relacionados ao excesso de peso.
Estudos mostram que uma perda entre 5 a 10% do peso, independentemente de como foi alcançada, está associada à melhora do perfil de risco cardiovascular bem como menor incidência de diabetes tipo 2.
Em síntese, por se tratar de uma doença crônica e com tendência à recidiva, a instituição da terapia farmacológica aumenta a chance de sucesso do tratamento no longo prazo em indivíduos com pobre resposta às mudanças no estilo de vida. 

*IMC = peso (em kg) pelo quadrado da altura (em metros)

Referências:
1- Long-term persistence of adaptive thermogenesis in subjects who have maintained a reduced body weight. Am J Clin Nutr. 2008;88(4):906. 
2- Long-term persistence of hormonal adaptations to weight loss. N Engl J Med. 2011 Oct;365(17):1597-604. 
3- The Science of Obesity Management: An Endocrine Society Scientific Statement. Endocrine Reviews 39: 1 – 54, 2018.

Dra. Milene Moehlecke
Médica Endocrinologista
CREMERS 33.068 - RQE 25.181