“Que teu alimento seja teu remédio”. Atire a primeira pedra quem nunca viu esta frase atribuída a Hipócrates sendo usada em uma rede social para justificar os mais variados tipos de dietas. É verdade que bons hábitos alimentares auxiliam bastante na prevenção e no tratamento de doenças.
Obesidade,
diabetes mellitus, hipertensão arterial e até mesmo o câncer estão entre elas. Talvez por isso, sempre que um paciente é diagnosticado com qualquer problema na tireoide, vem a pergunta: “O que eu devo comer ou deixar de comer para ajudar no tratamento?” Que orientações o
endocrinologista costuma fazer quando recebe este tipo de questionamento?
|
Vegetais do gênero Brassica frequentemente levam a culpa por disfunções tireoidianas. |
A tireoide usa iodo para produzir seus hormônios. De cara, já dá pra perceber que na deficiência deste micronutriente, a produção hormonal pode diminuir. Isto é, a baixa ingesta de iodo pode ser causa de
hipotireoidismo.
Precisamos de uma alimentação que nos forneça 150 mcg de iodo todos os dias.
Gestantes e mulheres amentando, precisam um pouco mais. A principal fonte de iodo alimentar é o sal de cozinha, seguido por frutos do mar e de alguns pães e cereais. No Brasil, toda dona de casa tem acesso ao sal iodado. Logo, para nós brasileiros, o hipotireoidismo por deficiência de iodo não é uma doença prevalente. Entre as poucas pessoas que apresentam maior risco de deficiência de iodo estão os veganos, especialmente se além da restrição de produtos de origem animal, também restringirem sal.
Se por um lado, a deficiência é um problema, o excesso é igualmente prejudicial à saúde. Em pessoas predispostas, o iodo a mais pode desencadear quadros tanto de hiper quanto de hipotireoidismo. Por isso,
suplementos como o lugol ou o SSKI costumam fazer mais mal do quem bem à saúde.
E quanto a couve e a soja? Dá pra comer à vontade? Existe um grupo de substâncias conhecidas como goitrogênicas, isto é, com potencial de causar bócio (aumento da tireoide). Os exemplos alimentares mais comuns são os vegetais crucíferos (família da couve) e os produtos derivados da soja.
Os
vegetais crucíferos, que pertencem ao gênero
Brassica, incluem couve, brócolis, couve-flor, couve-de-bruxelas e repolho entre outros. São ricos em glicosinolatos, compostos que produzem sulforafano e isotiocianatos, substâncias com propriedades anticancerígenas. Porém, os glicosinolatos também incluem o metabólito tiocinato, que é capaz de inibir a síntese de hormônio tireoidiano. Ou seja, teoricamente, o consumo excessivo desses vegetais poderia causar hipotireoidismo.
Felizmente, na prática, o consumo de crucíferas precisa ser enorme para causar disfunção tireoidiana. Em um estudo, o consumo de 1 litro de suco de couve por dia por 7 dias diminuiu a captação de iodo em cerca de 2% sem efeito significativo nos níveis hormonais (2). Em um relato de caso, uma senhora chinesa de 88 anos, que consumiu cerca de 1,5 kg de acelga por dia por vários meses, acabou entrando em coma pelo hipotireoidismo (3). Exemplo extremo! O consumo moderado não tem impacto significativo no funcionamento da tireoide.
As isoflavonas, encontradas nos derivados de soja, podem inibir a atividade da enzima peroxidase tireoidiana, atrapalhando a síntese hormonal. Mais uma vez, teoricamente, a ingestão de grandes quantidades de derivados de soja poderia causar hipotireoidismo. Mas não é o que vemos na prática. Mesmo populações que consomem muita soja, como os asiáticos, não apresentam maior risco de hipotireoidismo (4).
Por fim, existem alguns estudos associando níveis baixos de micronutrientes (
selênio, cobre, zinco e magnésio) a doenças autoimunes e ao câncer de tireoide. No entanto, até o momento, não existe evidência mostrando que a suplementação com estes minerais seja capaz de prevenir ou tratar doenças tireoidianas. Exceção para o uso do selênio na doença ocular leve associada a casos de
hipertireoidismo (
orbitopatia de Graves) (5).
Em resumo, frente à evidência atual, apesar de algumas substâncias e nutrientes terem alguma importância na fisiologia tireoidiana, não podemos afirmar que exista um padrão alimentar específico para prevenir ou tratar doenças da tireoide. Em situações muito específicas – gestante vegana, por exemplo –, ajustes na alimentação ou suplementação podem ter algum impacto, embora não existam estudos robustos avaliando a custo-efetividade deste tipo de estratégia. Se você apresentou alteração em exames tireoidianos, antes de aderir à qualquer dieta ou fazer uso de suplementos, procure um bom endocrinologista. Felizmente, na maioria das vezes, o tratamento é simples e não exige modificação nos hábitos alimentares.
Fontes:
1 - Leung AM. The Thyroid Diet: Is There Such a Thing? Medscape.
2 - Kim SSR, He X, Braverman LE, Narla R, Gupta PK, Leung AM. Letter to the Editor. Endocr Pract. 2017; 23(7):885-886.
3 - Chu M, Seltzer TF. Myxedema coma induced by ingestion of raw bok choy. N Engl J Med. 2010; 362(20):1945-6.
4 - Messina M, Redmond G. Effects of soy protein and soybean isoflavones on thyroid function in healthy adults and hypothyroid patients: a review of the relevant literature.
Thyroid. 2006; 16(3):249-58.
5 - Marcocci C, Kahaly GJ, Krassas GE, Bartalena L, Prummel M, Stahl M, Altea MA, Nardi M, Pitz S, Boboridis K, Sivelli P, von Arx G, Mourits MP, Baldeschi L, Bencivelli W, Wiersinga W. Selenium and the course of mild Graves' orbitopathy. N Engl J Med. 2011; 364(20):1920-31.
Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista titulado pela SBEM
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991