No início de 2017, a American Thyroid Association publicou nova diretriz para diagnóstico e manejo das doenças tireoidianas durante a gestação (1). Entre outros tópicos, a seção IV deste documento aborda aspectos nutricionais relacionados a suficiência de iodo. A recomendação número 6, sugere a suplementação universal com 150 mcg de iodeto de potássio por dia a toda gestante, devendo idealmente ser iniciada 3 meses antes da concepção. Mas seria esta recomendação apropriada para a população brasileira?
A suplementação de iodo é uma medida de saúde pública. E infelizmente cerca de um terço da população mundial apresenta algum grau de carência. Não é o caso do Brasil, segundo dados da Iodine Global Network (IGN) (2). Cerca de 90 por cento do iodo é livremente filtrado através da urina. Logo a monitorização da concentração de iodo na urina, apesar de não ser um bom exame para avaliar pacientes individualmente, é uma ferramenta extremamente útil para estimar a suficiência de iodo em diferentes populações. A mediana urinária de excreção de iodo no Brasil é de 304 mcg/L (levantamento de 2008-2009). A Organização Mundial da Saúde considera uma excreção urinária de iodo entre 100 e 299 mcg/L apropriada. Logo, como população, consumimos iodo demais! Tanto que no ano de 2013, a quantidade de iodo no sal foi revista no Brasil. Reduziu-se de 20 a 60 mg/kg para 15 a 45 mg/kg.
Apesar da suficiência de iodo poder variar geograficamente dentro de um mesmo território, no Brasil, ainda segundo a IGN, o sal iodado está presente em mais de 95 por cento dos lares. Isto é, apesar da grande extensão territorial e das diferenças culturais, o acesso ao iodo está garantido em quase totalidade dos lares brasileiros.
Poucos estudos avaliaram a suficiência de iodo em populações de gestantes no Brasil (3). Apesar de sugerirem insuficiência de iodo leve a moderada, a amostra extremamente limitada não é capaz de representar a realidade brasileira a ponto de servir para ajudar a traçar medidas de saúde pública.
Além disso, praticamente toda a evidência que associa deficiência leve a moderada de iodo durante a gestação a deficiências neurológicas leve da prole, como redução de QI, vem de estudos observacionais (4). Até o momento, nenhum ensaio clínico demonstrou que a suplementação de iodo durante a gestação seja capaz de melhorar qualquer desfecho materno fetal robusto. Apenas desfechos substitutos como volume tireoidiano ou dosagem de tireoglobulina foram avaliados (5). Logo, podemos concluir que a suplementação de iodo feita de rotina para toda gestante brasileira trata-se de uma intervenção que carece de respaldo epidemiológico e clínico.
Talvez, algumas gestantes advindas de áreas historicamente deficientes de iodo e sem acesso ao sal iodado, bem como algumas outras mulheres com padrões alimentares restritivos em sal, grãos e lácteos, possam se beneficiar de suplementação de iodo, por apresentarem um risco maior de deficiência grave, situação na qual, há evidência de que a suplementação seja efetiva na prevenção de desfechos graves como o cretinismo (6).
Referências:
1- Alexander EK, Pearce EN, Brent GA, Brown RS, Chen H, Dosiou C, Grobman W, Laurberg P, Lazarus JH, Mandel SJ, Peeters R, Sullivan S. 2016 Guidelines of the American Thyroid Association for the Diagnosis and Management of Thyroid Disease during Pregnancy and the Postpartum. Thyroid. 2017 Jan 6. doi: 10.1089/thy.2016.0457.
2- http://www.ign.org/ acessado em 15 de janeiro de 2017.
3- Ferreira SM, Navarro AM, Magalhães PK, Maciel LM. Iodine Insuficiency in pregnant women in São Paulo. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2014 Apr;58(3):282-7.
4- Bath SC, Steer CD, Golding J, Emmett P, Rayman MP. Effect of inadequate iodine status in UK pregnant women on cognitive outcomes in their children: results from the Avon Longitudinal Study of Parents and Children (ALSPAC). Lancet. 2013;382(9889):331.
5- Glinoer D, De Nayer P, Delange F, Lemone M, Toppet V, Spehl M, Grün JP, Kinthaert J, Lejeune B. A randomized trial for the treatment of mild iodine deficiency during pregnancy: maternal and neonatal effects. J Clin Endocrinol Metab. 1995;80(1):258.
6- Boyages SC, Halpern JP, Maberly GF, Eastman CJ, Morris J, Collins J, Jupp JJ, Jin CE, Wang ZH, You CY. A comparative study of neurological and myxedematous endemic cretinism in western China. J Clin Endocrinol Metab. 1988;67(6):1262.
Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991
Dr. Rafael Selbach Scheffel
Médico Endocrinologista
CREMERS 30.011 - RQE 19.512
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