Quem nunca ouviu na sua infância a ameaça: “Olha que eu vou te levar no médico, e ele vai te dar uma injeção!”? Ou a história: “... e ele começou a usar insulina e teve que amputar a perna...”? Ou, menos frequentemente, vivenciou a rotina de um familiar que se escondia com suas agulhas e seringas, e que um dia sucumbiu à morte, após anos de hemodiálise?
Não podemos negar que agulhas, injeções e insulina estão emocionalmente associadas à punição, sofrimento e morte. E que, há pouco tempo, coexistiam frequentemente.
Por isso, não é surpresa quando uma pessoa com diabetes declara: “Não quero usar insulina de jeito nenhum!”. Quando tentamos entender esta afirmação, logo encontramos vários aspectos.
Primeiro, para aceitar que temos uma doença, precisamos perceber a nossa vulnerabilidade e encarar que um dia iremos morrer. O remédio que tomamos pode ser visto como uma lembrança diária disto. Imaginar uma aplicação diária de insulina, então, pode ser algo insustentável para alguns.
Segundo, até algumas décadas atrás, as campanhas de detecção e tratamento precoce do diabetes eram menos difundidas. Muito frequentemente, as pessoas passavam de 10 a 20 anos com a doença não diagnosticada, e quando a descobriam, já apresentavam perda de visão ou precisavam de hemodiálise, por causa do longo tempo de hiperglicemia não tratada. Além disso, a sua reserva de produção de insulina também se esgotava por falta de tratamento, e o paciente precisava receber insulina. Assim, uma pessoa aparentemente saudável era vista no mesmo período de sua vida iniciando o uso de insulina e amputando uma perna, por exemplo. O entendimento popular destes acontecimentos era: “A pessoa ficou doente por causa da insulina”.
Terceiro, agulhas que provocavam dor na aplicação, aspiração da insulina de dentro de frascos, doses que precisavam ser colocadas em seringas com numerações diferentes... Por décadas, a aplicação de insulina era realmente desconfortável e complexa.
Assim, chegamos aos dias de hoje. Em geral, o diagnóstico é mais precoce, e podemos fazer um bom tratamento para manter a glicemia controlada. As pessoas com diabetes vivem mais e melhor, já que a maior parte das complicações é evitada. Entretanto, em algum momento, pode ser necessário usar insulina, justamente para manter a qualidade de vida e evitar complicações.
Atualmente, temos disponíveis práticas canetas aplicadoras de insulina e agulhas tão finas que tornam a picada quase imperceptível. Os pacientes não adoecem ao usar insulina. Pelo contrário, se ela for iniciada no momento correto, permite garantir a sua saúde.
O aumento da longevidade com boa qualidade de vida é uma realidade para as pessoas com diabetes. Entretanto, medos e preconceitos surgem quando é necessário utilizar insulina. Entender que algumas crenças podem estar equivocadas e assumir com maturidade seus cuidados pela saúde pode ampliar ainda mais estes benefícios.
Dra. Simone Peccin
Médica Endocrinologista e Metabologista
CREMERS 18.941 - RQE 9.619
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