domingo, 31 de março de 2019

Anticoncepcionais e mudanças na composição corporal: existe alguma evidência consistente de piora de massa muscular?

Atualmente, percebemos em muitas mulheres que frequentam academias uma preocupação em relação ao uso de método anticoncepcional e o receio de piora na composição corporal, e somos questionados se os contraceptivos hormonais teriam o potencial de reduzir a massa magra conquistada com exercícios de resistência, como a musculação. Sendo assim, é importante entender se realmente existe alguma evidência robusta de que esse pode ser um efeito colateral dessa classe de medicamentos.


Na literatura, são poucos os estudos de boa qualidade que abordam esse tema. Um estudo de coorte observacional que acompanhou 48 mulheres por 12 meses, com IMC na linha de base normal, observou que após um ano de uso de anticoncepcional oral (contendo estradiol micronizado e acetato de nomegestrol) não houve diferença em relação ao peso, IMC, relação cintura-quadril e todos os parâmetros de composição corporal. Outro estudo de coorte prospectivo comparou peso e composição corporal de 149 mulheres saudáveis usando o dispositivo intrauterino de levonorgestrel (DIU de LNG), dispositivo intrauterino de cobre (DIU de cobre) ou implante de etonogestrel (implante ENG), e demonstrou que, embora tenha ocorrido aumento da massa corporal magra durante 12 meses em usuários de DIU de LNG e de DIU de cobre, e não em usuários de implantes ENG, mudanças no peso corporal e na composição corporal não diferiram significativamente entre os grupos. Esses achados também foram observados em um outro estudo que incluiu pacientes obesas, no qual não se encontrou diferença em relação às usuárias de métodos contraceptivos hormonais combinados. 
Em relação ao acetato de medroxiprogesterona de depósito (contraceptivo injetável trimestral), um estudo que comparou seu uso com o DIU de cobre mostrou aumento de massa gorda com usuários de medroxiprogesterona. Esse mesmo trabalho, porém, observou que o número de mulheres praticantes de atividade física aumentou no grupo de usuários do DIU, podendo ter confundido os resultados. Outro estudo que também comparou esses dois métodos, mostrou que no grupo usuário de medroxiprogesterona ocorreu aumento significativo de peso, IMC, superfície corporal, massa livre de gordura e massa gorda, corroborando esse achado. Já um terceiro estudo, que analisou o uso desse mesmo fármaco em mulheres pós parto, mostrou desfecho oposto - não detectou diferença na composição corporal até um ano de uso do puerpério. 
O que podemos concluir dos estudos realizados para avaliação de composição corporal e o uso de métodos contraceptivos é que todos têm diversas limitações, são estudos observacionais, com número restrito de participantes, e com pouco tempo de seguimento - no máximo 12 meses, que pode ser uma razão para não se encontrar diferença entre os grupos. Dos estudos analisados, apenas o uso de medroxiprogesterona se relacionaria com mudança da composição corporal e aumento de massa gorda, porém um dos estudos que apresentou esse desfecho continha o viés do grupo controle ter apresentado maior numero de participantes que iniciaram atividade física. Por fim, podemos afirmar que esse é um assunto em que ainda possuímos dados limitados na literatura, mas que até o momento podemos concluir que não existem estudos confiáveis que comprovem evidência de piora da composição corporal com uso de anticoncepcionais hormonais, não tendo razão para interrupção do método contraceptivo por receio desse efeito.

Referências:
1. Mayeda ER, Torgal AH, Westhoff CL. Contraception. Weight and body fat changes in postpartum depot-medroxyprogesterone acetate users. 2013 Jul.
2. Mayeda ER, Torgal AH, Westhoff CL. Weight and body composition changes during oral contraceptive use in obese and normal weight women. J Womens Health (Larchmt). 2014 Jan.
3. Dal'Ava N, Bahamondes L, Bahamondes MV, Bottura BF, Monteiro I. Body weight and body composition of depot medroxyprogesterone acetate users. Contraception. 2014 Aug.
4. dos Santos Pde N, Modesto WO, Dal'Ava N, Bahamondes MV, Pavin EJ, Fernandes A. Body composition and weight gain in new users of the three-monthly injectable contraceptive, depot-medroxyprogesterone acetate, after 12 months of follow-up. Eur J Contracept Reprod Health Care. 2014 Dec.
5. Batista GA, Souza AL, Marin DM, Sider M, Melhado VC, Fernandes AM, Alegre SM. Body composition, resting energy expenditure and inflammatory markers: impact in users of depot medroxyprogesterone acetate after 12 months follow-up. Arch Endocrinol Metab. 2017 Jan-Feb.
6. Silva Dos Santos PN, Madden T, Omvig K, Peipert JF. Changes in body composition in women using long-acting reversible contraception. Contraception. 2017 Apr.
7. Neri M, Malune ME, Corda V, Piras B, Zedda P, Pilloni M, Orani MP, Vallerino V, Melis GB, Paoletti AM. Body composition and psychological improvement in healthy premenopausal women assuming the oral contraceptive containing micronized estradiol (E2) and nomegestrol acetate (NOMAC). Gynecol Endocrinol. 2017 Dec.

Dra. Camila Jardim de Almeida
Médica Residente de Endocrinologia do Hospital São Lucas da PUCRS
CREMERS 39.824

Dra. Luciana Dornelles Sampaio Péres
Médica Endocrinologista
CREMERS 34.995 - RQE 29.637

terça-feira, 19 de março de 2019

Tratamento do diabetes - melhor com o especialista

Grande parte dos pacientes com diabetes mellitus não recebe tratamento apropriado. Segundo a American Diabetes Association (ADA), são considerados indicadores de qualidade da assistência:
- proporção de pacientes com bom controle glicêmico (hemoglobina glicada abaixo de 8 ou 10 por cento)
- exame de fundo de olho anual
- avaliação dos pés anual
- proporção de pacientes com adequado controle da pressão arterial
- avaliação para complicações renais anual
- avaliação do perfil lipídico (colesterol e triglicerídeos) anual
- aconselhamento quanto ao tabagismo
- avaliação da adesão ao adequado controle da glicemia capilar (testes de ponta de dedo)
- satisfação do paciente
Em outras palavras, na lista acima, temos o mínimo que um paciente com diabetes deveria receber de tratamento. Infelizmente, não é o que se observa na prática.


Existem diversas razões para a grande discrepância entre o que deveria ser feito e o que de fato é...
- O sistema de saúde e mesmo a formação médica são moldados para responder rapidamente a problemas agudos, mas deixam a desejar no manejo de doenças crônicas: caso do diabetes. 
- Alguns profissionais deixam de fazer ajustes no tratamento frente a alterações clinicamente significativas no quadro do paciente - é a "inércia terapêutica". Contribuem para isso: desconhecimento ou pouca percepção das metas terapêuticas, relutância em tratar condições assintomáticas, preocupação do paciente com a quantidade de remédios ou seus efeitos adversos, consultas com tempo reduzido e priorização no tratamento de queixas agudas frente ao manejo dos fatores de risco. Em um estudo realizado na Suíça, apenas 2/3 dos pacientes diabéticos com controle glicêmico ruim (hemoglobina glicada acima de 8 por cento) tiveram seu tratamento ajustado dentro de um período de 18 meses.
- O acesso a sistemas organizados de tratamento ainda é precário. Pacientes com diabetes que acompanham com equipes especializadas tendem a ser melhor controlados.
E aqui chegamos ao ponto!
Apesar da maioria (até 90 por cento) dos pacientes diabéticos do tipo 2 não fazerem seu acompanhamento com endocrinologistas, diversos estudos apontam para melhores resultados quando um especialista ou equipe coordenada por especialista em diabetes é responsável pelo manejo. Nos casos mais complicados ou quando há necessidade do uso de insulina, isto é ainda mais perceptível.
Especialistas em diabetes preocupam-se mais com os indicadores de qualidade da assistência (exame de fundo de olho, exame dos pés, dosagem da hemoglobina glicada, rastreamento para doença renal, avaliação dos níveis de colesterol e triglicerídeos, vacinação...), além de ajustarem o tratamento mais rapidamente quando há necessidade. Em um estudo, 73 por cento dos pacientes acompanhados por endocrinologistas preenchiam completamente os indicadores de qualidade de assistência. Já os acompanhados por não especialistas, apenas 52 por cento.
Existem muitas pessoas diabéticas no Brasil - cerca de uma em cada dez! Se é o seu caso, procure, sempre que possível, por médicos endocrinologistas ou serviços especializados. A qualidade do atendimento prestado faz muita diferença na sua qualidade de vida.

Referências:
1- Lutfiyya MN, McCullough JE, Mitchell L, Dean LS, Lipsky MS. Adequacy of diabetes care for older U.S. rural adults: a cross-sectional population based study using 2009 BRFSS data. BMC Public Health. 2011;11:940. Epub 2011 Dec 16. 
2- Wagner EH, Austin BT, Von Korff M. Organizing care for patients with chronic illness.    Milbank Q. 1996;74(4):511. 
3- Rodondi N, Peng T, Karter AJ, Bauer DC, Vittinghoff E, Tang S, Pettitt D, Kerr EA, Selby JV.  Therapy modifications in response to poorly controlled hypertension, dyslipidemia, and diabetes mellitus. Ann Intern Med. 2006;144(7):475. 
4- Pimouguet C, Le Goff M, Thiébaut R, Dartigues JF, Helmer C.  Effectiveness of disease-management programs for improving diabetes care: a meta-analysis. CMAJ. 2011 Feb;183(2):E115-27. Epub 2010 Dec 13. 
5- Verlato G, Muggeo M, Bonora E, Corbellini M, Bressan F, de Marco R. Attending the diabetes center is associated with increased 5-year survival probability of diabetic patients: the Verona Diabetes Study. Diabetes Care. 1996;19(3):211.
6- Ho M, Marger M, Beart J, Yip I, Shekelle P.  Is the quality of diabetes care better in a diabetes clinic or in a general medicine clinic? Diabetes Care. 1997;20(4):472. 

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Doutor e Mestre em Endocrinologia - UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

domingo, 17 de março de 2019

Pílulas anticoncepcionais engordam?

Os contraceptivo hormonal surgiu no século XX e é composto de combinações de hormônios esteroides derivados do estrogênio e da progesterona. Esta medicação acabou por tornar-se um dos métodos contraceptivos preferidos pelas mulheres por ser prática, não invasiva e altamente eficaz na prevenção de gestação. Além disso, os anticoncepcionais têm bom perfil de segurança, desde que respeitadas as contraindicações, e possuem diversos outros efeitos benéficos comprovados para a saúde, tais como a prevenção de alguns tipos de câncer como o de ovário e endométrio, regularização do ciclo menstrual, redução de sinais e sintomas de hiperandrogenismo, entre outros.


No entanto, a preocupação com os efeitos colaterais é sempre uma constante. Entre eles, o ganho de peso se mostra como um dos mais populares receios. Para muitos médicos e pacientes, o ganho de peso causado pelos anticoncepcionais é uma verdade inquestionável. De fato, existe um substrato teórico que justifica essa preocupação. Os estrógenos podem ocasionar retenção de fluidos devido a possível  efeito mineralocorticoide do etinilestradiol e alguns estudos sugerem aumento de gordura subcutânea, principalmente em seios, coxas e quadris. Também há possível propriedade anabólica da combinação hormonal, resultando em um aumento da ingesta alimentar por alterações do apetite. 
Diversos estudos já foram realizados para tentar esclarecer essa dúvida. Mas, primeiramente, deve-se destacar que nem todos eles são de boa qualidade técnica. Esse problema, em parte, pode ser justificado por algumas dificuldades metodológicas, como por exemplo, a existência de inúmeros tipos de formulações de anticoncepcionais, com diferentes dosagens e diferentes combinações de estrógenos e progestágenos. Além disso, estudos com placebo também são difíceis de realizar neste contexto, visto que pode ser antiético deixar mulheres em idade fértil sem contracepção efetiva. Soma-se a isso, o fato de a maioria dos estudos ser de curta duração e não ter sido desenhado especificamente para avaliação do ganho de peso como desfecho primário.
Uma revisão sistemática e metanálise que reuniu  49 estudos, realizados com diferentes tipos de anticoncepcionais, desde a década de 70 (quando eram usados doses muito maiores de estrogênio nas formulações) até os dias atuais,  mostrou uma tendência a um pequeno ganho de peso, mas isso não foi estatisticamente significativo. Ademais, avaliando isoladamente os poucos estudos que comparam anticoncepcionais a placebo, também não houve diferenças significativas.
Portanto, pelo que dispomos atualmente de literatura científica a respeito do assunto, não há evidência suficiente para determinar o real impacto dos contraceptivos sobre o peso, mas os estudos excluem que os mesmo sejam responsáveis por grandes variações de peso, mas não, por pequenas variações.

Referências:
1- Fritz, M. A., & Speroff, L. Endocrinologia Ginecológica Clínica e Infertilidade,  8ª Ed. Revinter, 2014. 
2- Vilar L, et al. Endocrinologia Clínica, 6ª Ed. Guanabara Koogan, 2016.
3- Gallo  MF, Lopez  LM, Grimes  DA, Carayon  F, Schulz  KF, Helmerhorst  FM. Combination contraceptives: effects on weight. Cochrane Database of Systematic Reviews 2014, Issue 1. Art. No.: CD003987. DOI: 10.1002/14651858.CD003987.pub5

Dra. Thais Reis Gonçalves
Médica Residente de Endocrinologia do Hospital São Lucas da PUCRS
CREMERS 40.801

Dra. Luciana Dornelles Sampaio Péres
Médica Endocrinologista
CREMERS 34.995 - RQE 29.637

terça-feira, 5 de março de 2019

Tratamento do diabetes mellitus tipo 2: terapias baseadas no GLP-1

O GLP-1 é um hormônio produzido no intestino em resposta aos nutrientes da alimentação. Entre seus efeitos estão:
- auxilia o pâncreas a regular os níveis de glicose (açúcar no sangue);
- faz o estômago esvaziar mais lentamente;
- diminui o apetite.
Os pacientes com diabetes mellitus tipo 2 têm níveis mais baixos de GLP-1. Por isso, a indústria farmacêutica desenvolveu remédios baseados nesta substância.



Quais são e como funcionam os remédios baseados no GLP-1?

São duas classes de remédios:
Agonistas do GLP-1: são medicamentos injetáveis que imitam a função do GLP-1 no nosso organismo. Estão disponíveis no mercado o exenatide (Byetta), o liraglutide (Victoza), o lixisenatide (Lyxumia) e o dulaglutide (Trulicity).
Inibidores da DPP-4 (gliptinas): são medicamentos usados por via oral (comprimidos) que fazem o GLP-1 produzido por nosso organismo durar mais tempo. No mercado brasileiro estão disponíveis a vildagliptina (Galvus), a sitagliptina (Januvia), a saxagliptina (Onglyza), a linagliptina (Trayenta) e a alogliptina (Nesina).

Quais as vantagens dos tratamentos baseados no GLP-1?

As principais vantagens desses medicamentos são que não aumentam (gliptinas) ou ajudam a perder peso (exenatide e liraglutide) e o baixo risco de hipoglicemias (queda da glicose). Além disso, nos estudos disponibilizados até o momento, foram considerados seguros quando comparados ao tratamento convencional. Alguns agonistas no GLP-1 (liraglutide e semaglutide) mostraram-se benéficos na prevenção de desfechos cardiovasculares em pacientes de alto risco.

Quais as desvantagens dos tratamentos baseados no GLP-1?

Como são remédios relativamente novos, dados de eficácia (prevenção de complicações do diabete como cegueira, amputações, insuficiência renal crônica, infarto do miocárdio, acidente vascular encefálico...) e segurança (se o remédio causa potenciais efeitos adversos graves a médio e longo prazo) ainda não estão completamente disponíveis para todos os perfis de pacientes.
Apesar de pouco frequentes, existem relatos de efeitos adversos graves, entre eles pancreatite aguda (principalmente com análogos do GLP-1) e descompensação de insuficiência cardíaca congestiva (alguns inibidores da DPP-4).
Outra desvantagem é o custo elevado quando comparado a outros tratamentos para o diabetes.

Fonte:
1- Dungan K. Glucagon-like peptide-1 receptor agonists for the treatment of type 2 diabetes mellitus. UpToDate.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Doutor e Mestre em Endocrinologia - UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991
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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Mudanças no metabolismo induzidas pela perda de peso


Um dos principais efeitos da perda de peso, seja ela induzida por dieta, exercício ou cirurgia, é a redução do metabolismo basal ou taxa metabólica de repouso que representa a quantidade mínima de energia necessária para manutenção das atividades vitais do organismo em repouso.
O metabolismo basal corresponde a aproximadamente 2/3 do gasto calórico diário de um indivíduo e pode variar conforme a idade, existindo uma redução aproximada de 1% a cada década de vida, o sexo, sendo maior em homens do que em mulheres, e principalmente conforme a quantidade de massa muscular de um indivíduo.
Os demais componentes do nosso gasto calórico diário referem-se à energia gasta para a digestão dos alimentos, também conhecida como termogênese relacionada à dieta, e ao gasto calórico relacionado ao exercício, conforme didaticamente ilustrado na figura abaixo, com os percentuais correspondentes de cada componente.


Um estudo interessante demonstrou que a manutenção de um peso 10% abaixo do peso inicial resultou em uma redução de 8 kcal para cada kg perdido no metabolismo basal. Isto significa que um indivíduo que pesava inicialmente 100 kg e conseguiu reduzir o seu peso para 90 kg (redução de 10% do peso inicial) apresenta uma redução aproximada de 80 kcal no seu metabolismo basal.
Este declínio no metabolismo descrito em indivíduos submetidos a tratamentos para perda de peso favorece a recuperação do peso, sobretudo porque permanece suprimido no longo prazo, mesmo após o término da intervenção para perda de peso.
E porque este declínio ocorre? Bom, quando começamos a reduzir o peso, uma série de adaptações hormonais e metabólicas são ativadas numa tentativa de "proteger" o organismo de um estado de privação importante de comida. Mudanças na composição corporal, levando a perdas significativas da massa muscular, bem como reduções importantes dos níveis de leptina, hormônio produzido pelo tecido adiposo, responsável também por modular o gasto energético contribuem para esta queda. Dessa forma, a redução do metabolismo de repouso dificulta o emagrecimento à medida em que continuamos perdendo peso.
Outro estudo bastante interessante mostrou o impacto das diferentes intervenções para perda de peso (dieta x exercício x terapia farmacológica ou cirurgia) sobre o metabolismo de repouso.
Os resultados mostraram uma redução do metabolismo de aproximadamente 15 kcal para cada kg perdido, sem diferença entre homens e mulheres, quando todas as intervenções foram analisadas conjuntamente.
Conforme mostrado na figura a seguir, quando as intervenções foram avaliadas separadamente, a dieta resultou em maior queda do metabolismo basal, de 18 kcal para cada kg de peso perdido, quando comparada a todas as demais.


A combinação da restrição calórica associada a exercícios regulares resultou em menores reduções no metabolismo basal quando comparada à dieta isoladamente. Uma das explicações para esta diferença é a maior preservação da massa muscular induzida pelo exercício durante restrições calóricas impostas pela dieta. 
Em síntese, embora o exercício isoladamente não seja uma estratégia eficaz para perda de peso, a combinação do exercício durante a perda de peso induzida pela dieta minimizará a redução do metabolismo basal, componente importante do gasto calórico total! O entendimento dessas alterações adaptativas desencadeadas pelo emagrecimento bem como o acompanhamento regular com uma equipe multidisciplinar, incluindo médico endocrinologista, nutricionista e educador físico, ajudará na obtenção de melhores resultados durante e após intervenções para a perda de peso! 

Referências:
1. Relative changes in resting energy expenditure during weight loss: a systematic review. Obesity Reviews (2010) 11, 531–547.
2. Changes in energy expenditure resulting from altered body weight. N Engl J Med 1995; 332: 621–628.

Dra. Milene Moehlecke
Médica Endocrinologista
CREMERS 33.068 - RQE 25.181

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Diabetes mellitus pós-transplante de órgãos - já ouviu falar?

De quais diabetes mellitus você já ouviu falar?
Tipo 1, tipo 2, diabetes gestacional... Está correto.
Mas, neste texto, será abordado um tipo específico de diabetes mellitus, que ainda está em estudo. Trata-se do diabetes mellitus pós-transplante de órgãos.


O transplante é uma modalidade de tratamento para aqueles casos de falência total do funcionamento de um órgão, como coração, pulmão, fígado ou rins. O transplante mais comum e mais realizado no mundo todo é o transplante renal. Somente no Brasil, no período de janeiro de 2007 a março de 2017, foram realizados mais de 50 mil transplantes renais. O transplante renal bem-sucedido melhora a qualidade de vida, é mais custo-efetivo e reduz o risco de mortalidade para a grande maioria dos pacientes, quando comparado à terapia dialítica.
Assim como é importante reconhecer os benefícios de um transplante no momento de sua indicação, também devem estar claras as possíveis complicações decorrentes desse procedimento. Quem recebe um transplante, necessita utilizar durante toda a vida tratamento com medicamentos imunossupressores, para evitar a rejeição do órgão transplantado. Os esquemas atuais de imunossupressão estão cada vez mais adequados, e os pacientes transplantados, vivendo mais e melhor. Justamente por isso, estão sujeitos à ocorrência das doenças crônico-metabólicas que acometem a população geral, como o diabetes mellitus. 
O diabetes mellitus pós-transplante é a denominação oficial para o subtipo de diabetes que acomete pessoas que não eram diabéticas e se tornam, após receber um transplante de órgão. Ele usualmente se instala dentro dos primeiros meses após o transplante, mas a chance de desenvolver esse diabetes persiste ao longo da vida do receptor. De cada 100 pessoas transplantadas, 10 a 30 podem ficar diabéticas. 
Nem todas as pessoas tem o mesmo risco de desenvolver diabetes mellitus pós-transplante. Algumas condições podem favorecer o seu surgimento, por exemplo: sexo masculino, idade maior que 45 anos, estar em sobrepeso ou obesidade no momento do transplante, ter história familiar de diabetes, ganhar muito peso após o transplante, etc. Porém, o principal responsável pela ocorrência do diabetes mellitus pós-transplante é o regime de imunossupressão. Em geral, quanto maiores as doses necessárias (e isso varia de pessoa para pessoa), maior o risco de ter diabetes. 
Por isso, deve fazer parte do acompanhamento do paciente transplantado o rastreamento periódico do diabetes. O diagnóstico do diabetes mellitus pós-transplante segue os mesmos critérios do diabetes tipos 1 e 2: glicemia de jejum ≥126 mg/dl e/ou teste de tolerância oral a 75g de glicose (TTOG) em 2 horas ≥200 mg/dl e/ou hemoglobina glicada (HbA1c) >6,5%. Lembrando que, para fechar o diagnóstico, o paciente deve estar já com a terapia imunossupressora de manutenção, pois é praticamente regra ocorrer aumento transitório nos níveis de glicose nos primeiros dias após o transplante, quando se utilizam altas doses de corticosteroides para evitar rejeição do órgão.
O diabetes mellitus pós-transplante é tratado de forma semelhante ao diabetes tipo 1 e 2, com medicamentos antihiperglicemiantes orais e/ou insulina. No momento, não existe definição se um medicamento é melhor que o outro, podendo toda a gama de tratamentos disponíveis ser utilizada, à critério do médico que acompanha o paciente. Assim como os demais tipos de diabetes, o diabetes mellitus pós-transplante mal controlado está associado ao desenvolvimento de complicações. 
Antigamente, pensava-se que quem tinha diabetes mellitus pós-transplante desenvolvia até mais rapidamente as complicações clássicas do diabetes, como retinopatia. Porém, estudos mais novos mostraram o contrário. Pessoas com diabetes mellitus pós-transplante renal (mais de 5 anos de evolução) e controle glicêmico razoável (hemoglobina glicada média, ao longo do acompanhamento, de 7,4%) não apresentaram alterações visíveis na retina, nem tiveram mais alterações em exames de função dos rins (medidos por taxa de filtração glomerular e proteinúria). Contudo, sinais de neuropatia diabética (perda da sensibilidade nos pés, principalmente), foram detectados nesses pacientes. Então, sugere-se que o exame periódico dos pés (pelo menos anual), com os mesmos testes empregados para avaliação dos diabéticos tipos 1 e 2, seja incorporado à rotina de acompanhamento dos transplantados com diabetes. 
Como falado acima, o diabetes mellitus pós-transplante ainda segue em estudo, e novidades sobre seu tratamento e acompanhamento estão sendo pesquisadas. Portanto, é importante seguir informado com o seu médico. Como sempre, manter uma rotina saudável de alimentação e exercícios, é útil tanto para a prevenção do diabetes mellitus pós-transplante, como para manutenção de níveis adequados de glicemia, no caso de quem já tem o diagnóstico de diabetes.

Referências:
1- Dados Númericos da doação de órgãos e transplantes realizados por estado e instituição no período de janeiro a março de 2017. Registro Brasileiro de Transplantes - ABTO. 2017; 23 (1): 1-33.
2- Jenssen T, Hartmann A. Post-transplant diabetes mellitus in patients with solid organ transplants. Nat Rev Endocrine, 2019; 15 (1): doi: 10.1038/s41574-018-0137-7.
3- Sharif A, Cohney S. Post-transplantation diabetes—state of the art. The Lancet Diabetes & Endocrinology. 2016;4(4):337-49.
4- Londero TM, Giaretta LS, Farenzena LP, Manfro RC, Canani LH, Lavinsky D, Leitão CB, Bauer AC. Microvascular Complications of Posttransplant Diabetes Mellitus in Kidney Transplant Recipients: A Longitudinal Study. J Clin Endocrinol Metab. 2019 Feb 1;104(2):557-567.

Dra. Thizá Massaia Londero Gai
Médica Endocrinologista
CRM 35877 / RQE 28957
Mestre em Endocrinologia e Metabologia UFRGS

domingo, 3 de fevereiro de 2019

Existe efeito rebote com as medicações antiobesidade?

Pergunta recorrente no consultório refere-se ao receio de usar medicações para tratamento do excesso de peso pelo risco de efeito rebote após suspensão da(s) mesma(s). Mas será que este medo é real?
Bom, o entendimento de que a obesidade é uma doença crônica com tendência à recidiva ao longo do tempo é fundamental. Nesse sentido, o tratamento é baseado em mudanças no estilo de vida associadas ou não à terapia farmacológica.


As modificações no estilo de vida propostas para o tratamento da obesidade são fundamentais. Entretanto, as taxas de sucesso no longo prazo apenas com estas medidas costumam ser baixas. Isto porque uma série de adaptações ocorrem no organismo quando reduzimos a ingestão alimentar com o objetivo de perda de peso. Por exemplo, existe um aumento da fome e também do apetite após qualquer redução de peso. Além disso, o metabolismo basal, responsável pelas necessidades energéticas para o funcionamento do organismo em repouso, assim como o gasto calórico com a realização de exercícios  físicos é menor quando emagrecemos! Todas estas adaptações fisiológicas tendem a persistir ao longo do tempo favorecendo a recuperação do peso após a perda inicial.
As medicações prescritas para o tratamento da obesidade, em geral, auxiliam no controle sobre a ingestão alimentar aumentando a saciedade e/ou reduzindo o apetite. Considerando que estas medicações não atuam de forma irreversível no organismo, a suspensão das mesmas favorece, ao longo do tempo, o aumento da ingestão alimentar com recidiva do peso perdido. Por isso, o uso de fármacos para tratamento da obesidade costuma ser mantido no longo prazo, sob supervisão periódica do médico especialista. 
Atualmente, os medicamentos antiobesidade podem ser úteis para pacientes com IMC* (índice de massa corporal) maior ou igual a 30 kg/m² ou acima de 27 kg/m² com alguma comorbidade que não conseguiram atingir as metas de perda e manutenção do novo peso apenas com reeducação alimentar e exercícios regulares. 
Ainda, é necessário avaliar os potenciais benefícios com o tratamento instituído contrabalançando com os riscos associados à terapia farmacológica bem como os riscos relacionados ao excesso de peso.
Estudos mostram que uma perda entre 5 a 10% do peso, independentemente de como foi alcançada, está associada à melhora do perfil de risco cardiovascular bem como menor incidência de diabetes tipo 2.
Em síntese, por se tratar de uma doença crônica e com tendência à recidiva, a instituição da terapia farmacológica aumenta a chance de sucesso do tratamento no longo prazo em indivíduos com pobre resposta às mudanças no estilo de vida. 

*IMC = peso (em kg) pelo quadrado da altura (em metros)

Referências:
1- Long-term persistence of adaptive thermogenesis in subjects who have maintained a reduced body weight. Am J Clin Nutr. 2008;88(4):906. 
2- Long-term persistence of hormonal adaptations to weight loss. N Engl J Med. 2011 Oct;365(17):1597-604. 
3- The Science of Obesity Management: An Endocrine Society Scientific Statement. Endocrine Reviews 39: 1 – 54, 2018.

Dra. Milene Moehlecke
Médica Endocrinologista
CREMERS 33.068 - RQE 25.181