domingo, 10 de fevereiro de 2019

Diabetes mellitus pós-transplante de órgãos - já ouviu falar?

De quais diabetes mellitus você já ouviu falar?
Tipo 1, tipo 2, diabetes gestacional... Está correto.
Mas, neste texto, será abordado um tipo específico de diabetes mellitus, que ainda está em estudo. Trata-se do diabetes mellitus pós-transplante de órgãos.


O transplante é uma modalidade de tratamento para aqueles casos de falência total do funcionamento de um órgão, como coração, pulmão, fígado ou rins. O transplante mais comum e mais realizado no mundo todo é o transplante renal. Somente no Brasil, no período de janeiro de 2007 a março de 2017, foram realizados mais de 50 mil transplantes renais. O transplante renal bem-sucedido melhora a qualidade de vida, é mais custo-efetivo e reduz o risco de mortalidade para a grande maioria dos pacientes, quando comparado à terapia dialítica.
Assim como é importante reconhecer os benefícios de um transplante no momento de sua indicação, também devem estar claras as possíveis complicações decorrentes desse procedimento. Quem recebe um transplante, necessita utilizar durante toda a vida tratamento com medicamentos imunossupressores, para evitar a rejeição do órgão transplantado. Os esquemas atuais de imunossupressão estão cada vez mais adequados, e os pacientes transplantados, vivendo mais e melhor. Justamente por isso, estão sujeitos à ocorrência das doenças crônico-metabólicas que acometem a população geral, como o diabetes mellitus. 
O diabetes mellitus pós-transplante é a denominação oficial para o subtipo de diabetes que acomete pessoas que não eram diabéticas e se tornam, após receber um transplante de órgão. Ele usualmente se instala dentro dos primeiros meses após o transplante, mas a chance de desenvolver esse diabetes persiste ao longo da vida do receptor. De cada 100 pessoas transplantadas, 10 a 30 podem ficar diabéticas. 
Nem todas as pessoas tem o mesmo risco de desenvolver diabetes mellitus pós-transplante. Algumas condições podem favorecer o seu surgimento, por exemplo: sexo masculino, idade maior que 45 anos, estar em sobrepeso ou obesidade no momento do transplante, ter história familiar de diabetes, ganhar muito peso após o transplante, etc. Porém, o principal responsável pela ocorrência do diabetes mellitus pós-transplante é o regime de imunossupressão. Em geral, quanto maiores as doses necessárias (e isso varia de pessoa para pessoa), maior o risco de ter diabetes. 
Por isso, deve fazer parte do acompanhamento do paciente transplantado o rastreamento periódico do diabetes. O diagnóstico do diabetes mellitus pós-transplante segue os mesmos critérios do diabetes tipos 1 e 2: glicemia de jejum ≥126 mg/dl e/ou teste de tolerância oral a 75g de glicose (TTOG) em 2 horas ≥200 mg/dl e/ou hemoglobina glicada (HbA1c) >6,5%. Lembrando que, para fechar o diagnóstico, o paciente deve estar já com a terapia imunossupressora de manutenção, pois é praticamente regra ocorrer aumento transitório nos níveis de glicose nos primeiros dias após o transplante, quando se utilizam altas doses de corticosteroides para evitar rejeição do órgão.
O diabetes mellitus pós-transplante é tratado de forma semelhante ao diabetes tipo 1 e 2, com medicamentos antihiperglicemiantes orais e/ou insulina. No momento, não existe definição se um medicamento é melhor que o outro, podendo toda a gama de tratamentos disponíveis ser utilizada, à critério do médico que acompanha o paciente. Assim como os demais tipos de diabetes, o diabetes mellitus pós-transplante mal controlado está associado ao desenvolvimento de complicações. 
Antigamente, pensava-se que quem tinha diabetes mellitus pós-transplante desenvolvia até mais rapidamente as complicações clássicas do diabetes, como retinopatia. Porém, estudos mais novos mostraram o contrário. Pessoas com diabetes mellitus pós-transplante renal (mais de 5 anos de evolução) e controle glicêmico razoável (hemoglobina glicada média, ao longo do acompanhamento, de 7,4%) não apresentaram alterações visíveis na retina, nem tiveram mais alterações em exames de função dos rins (medidos por taxa de filtração glomerular e proteinúria). Contudo, sinais de neuropatia diabética (perda da sensibilidade nos pés, principalmente), foram detectados nesses pacientes. Então, sugere-se que o exame periódico dos pés (pelo menos anual), com os mesmos testes empregados para avaliação dos diabéticos tipos 1 e 2, seja incorporado à rotina de acompanhamento dos transplantados com diabetes. 
Como falado acima, o diabetes mellitus pós-transplante ainda segue em estudo, e novidades sobre seu tratamento e acompanhamento estão sendo pesquisadas. Portanto, é importante seguir informado com o seu médico. Como sempre, manter uma rotina saudável de alimentação e exercícios, é útil tanto para a prevenção do diabetes mellitus pós-transplante, como para manutenção de níveis adequados de glicemia, no caso de quem já tem o diagnóstico de diabetes.

Referências:
1- Dados Númericos da doação de órgãos e transplantes realizados por estado e instituição no período de janeiro a março de 2017. Registro Brasileiro de Transplantes - ABTO. 2017; 23 (1): 1-33.
2- Jenssen T, Hartmann A. Post-transplant diabetes mellitus in patients with solid organ transplants. Nat Rev Endocrine, 2019; 15 (1): doi: 10.1038/s41574-018-0137-7.
3- Sharif A, Cohney S. Post-transplantation diabetes—state of the art. The Lancet Diabetes & Endocrinology. 2016;4(4):337-49.
4- Londero TM, Giaretta LS, Farenzena LP, Manfro RC, Canani LH, Lavinsky D, Leitão CB, Bauer AC. Microvascular Complications of Posttransplant Diabetes Mellitus in Kidney Transplant Recipients: A Longitudinal Study. J Clin Endocrinol Metab. 2019 Feb 1;104(2):557-567.

Dra. Thizá Massaia Londero Gai
Médica Endocrinologista
CRM 35877 / RQE 28957
Mestre em Endocrinologia e Metabologia UFRGS

Nenhum comentário:

Postar um comentário