domingo, 16 de abril de 2017

Doze dicas para identificar charlatanismo

Nas mais diversas áreas, existem pessoas mal intencionadas e aproveitadores. Quando envolvemos ciência e, especialmente saúde, pode ser muito difícil identificar se uma informação, tratamento ou profissional são de fato éticos e estão embasados em evidências sólidas. Chamo de evidências sólidas resultados de pesquisas científicas com alto rigor metodológico, isto é, avaliações realmente justas e bem feitas de uma determinada intervenção. Abaixo, alguns indícios que sugerem que você está sendo enganado...



1- Retórica: o processo de tomada de decisão compartilhado entre médico e paciente é uma das prerrogativas da Medicina atual. Para que uma pessoa possa optar entre este ou aquele procedimento é importante que seja informada de maneira clara e compreensível. Linguagem excessivamente técnica muitas vezes é usada como artifício para induzir o paciente a escolhas menos corretas, já que este é levado a acreditar que o profissional de saúde detém conhecimento de ponta, quando não é verdade.

2- Pseudotítulos: no Brasil, médicos se tornam especialistas após realizarem estágio supervisionado em programas de residência médica ou através de provas de título rigorosas ministradas por sociedades médicas reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina. Não raro, maus profissionais apresentam "pseudotítulos", isto é, titulação conferida por "sociedades" não reconhecidas, muitas vezes criadas por eles próprios.

3- Glamourização: ostentação de clínicas luxuosas frequentadas por celebridades, consultas e tratamentos a preços exorbitantes, exclusividade, servem para passar uma imagem de "sucesso" ao público geral. É uma estratégia há muito usada por marcas de luxo para agregar valor e criar um certo desejo no consumidor (no caso, no paciente).

4- Falta de rigor científico: o método científico é rigoroso e hierarquiza os estudos de acordo com sua qualidade metodológica e força de evidência. Isto quer dizer que a conclusão de um estudo feito numa cultura de células não tem o mesmo peso que a conclusão de um estudo realizado em grande número de pessoas. O mesmo serve para estudos metodologicamente bem feitos e mal feitos. É comum que estudos ruins e de baixa qualidade sejam usados para justificar as opiniões pessoais do mau profissional. Assim como estudos robustos e bem desenhados são deixados de lado, se assim convier. É uma leitura viciada da literatura médica.

5- Excessos de exames e tratamentos: aprendemos desde cedo que um exame só deve ser solicitado quando for capaz de beneficiar o paciente de alguma forma, seja prevenindo, identificando ou monitorando o tratamento de uma doença. O excesso de exames disfarça a falta de perícia clínica. Passa a falsa impressão de que se está sendo bem avaliado. Exames não devem ser solicitados sem uma indicação precisa sob a pena de levarem a mais exames e a mais tratamentos desnecessários ou, inclusive, deletérios.

6- Cointervenções: são frequentes as prescrições com extensas fórmulas manipuladas, associadas a dietas restritivas e outras mudanças na rotina para pacientes saudáveis ou pouco doentes. Grande parte do que consta na receita serve para passar a falsa impressão de exclusividade do tratamento que, diversas vezes, é muito parecido ao convencional, com alguns floreios, além de disfarçar o uso de substâncias ilícitas ou de indicação controversa. "Esta receita é tão exclusiva que precisa ser manipulada de acordo com minhas necessidades biológicas". Será? "Esse HCG está me ajudando a emagrecer". Nananão.

7- Ritualização: duas pílulas de açúcar, funcionam melhor do que uma. Uma injeção de água destilada, funciona melhor que 2 pílulas de açúcar. Uma infusão de soro colorido por vitaminas, funciona melhor que a injeção de água. Quanto mais complexo e ritualístico for o tratamento, mais forte é o sugestionamento e o efeito placebo. Alguns tratamentos têm a complexidade de verdadeiros rituais esotéricos.

8- Promessas: corpo perfeito, desintoxicação, juventude, vigor físico, antes versus depois, cura de doenças crônicas são promessas frequentes.

9- Gurus: o conhecimento científico é de livre disponibilidade. Qualquer profissional de saúde bem intencionado consegue, com boa vontade, ter acesso, interpretar a literatura científica e citar suas referências. O mau profissional muitas vezes costuma citar outro charlatão de maior destaque. "Eu faço, porque o Dr. Fulano, super famoso, faz". Muitos destes "gurus" ministram cursos e ganham a vida vendendo informações distorcidas para os maus profissionais.

10- Polarização: é frequente a polarização entre "produtos naturebas" versus "indústria farmacêutica", "Medicina moderna e inovadora" versus "Medicina tradicional e retrógrada", "hormônio bioidêntico que previne" versus "remédio que promove a doença", "eu que quero ajudar meus pacientes" versus "todos os outros médicos que têm inveja do meu sucesso". O discurso do "bem contra o mal" visa criar uma aura de pureza e honestidade em quem usa a Medicina para ludibriar e lucrar.

11- Incriticabilidade: a crítica faz parte da ciência. Como evoluir se algo é inquestionável? O mau profissional gosta de criticar a "Medicina tradicional" com discurso filosófico e fracamente embasado, como vimos anteriormente. Contudo, se torna extremamente agressivo quando se vê encurralado e lhe faltam argumentos para defender o indefensável.

12- Intangibilidade: é frequente que tais profissionais sofram com processos éticos ou mesmo judiciais. Contudo, se dizem injustiçados e perseguidos. Discurso infelizmente frequente no Brasil dos dias atuais...

Sugestão de leitura: Ciência Picareta - Ben Goldacre - Ed. Civilização Brasileira



Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

sábado, 8 de abril de 2017

Vamos falar sobre chocolate e seus benefícios?

No seu ciclo histórico, o cacau projetou o Brasil no exterior por ser a matéria-prima de um dos alimentos mais consumidos e adorados no mundo: o chocolate! As cores da casca do cacau, que variam nas tonalidades de amarelo, laranja e vermelho, escondem um delicado amontoado de amêndoas revestidas por polpa esbranquiçada. O processo de fermentação das amêndoas é o que dá o sabor mais ou menos requintado ao chocolate e que também produz os chamados flavanóis, que pertencem ao grupo dos flavonoides, e que têm conhecida ação anti-oxidantes.



Após a secagem e a torra das amêndoas para extrair a manteiga e os outros produtos do cacau, restam apenas 10% da quantidade de flavanóis. Comparado com as versões ao leite, as apresentações de chocolate amargo são as que mais tem flavanóis, na forma de catequina e de epicatequina. Mas será que consumir chocolate amargo faz bem para o coração?
Embora alguns estudos tenham mostrado que o consumo de chocolate amargo pode estar associado a menor incidência de infarto do miocárdio e acidente vascular encefálico, esse achado não foi confirmado. O que se sabe é que o consumo diário de grandes quantidades de flavanóis, cerca de 900 mg por dia, pode resultar em maior relaxamento das artérias e redução da pressão arterial e consequentemente isso poderia ser benéfico para algumas pessoas. O problema é que para se obter essa quantidade, teria que se consumir cerca de 300 gramas de chocolate amargo de ótima origem por dia.  Mesmo para um "chocólatra", seria muito difícil manter esse consumo de chocolate amargo por muito tempo. Além disso, nem sempre consumimos as melhores versões de chocolate amargo e os rótulos ainda não informam as quantidades de flavanóis. Mas será que o que compramos realmente é um chocolate amargo de boa qualidade? Para isso, é preciso entender como ele é feito...
As amêndoas do cacau, depois de fermentar e secar, são torradas e submetidas a um processo para separar a manteiga de cacau. O que resta é moído para formar o pó do cacau que conhecemos. É chamada de liquor de cacau a massa que é feita do pó com a manteiga. Para fazer o chocolate, utiliza-se o licor e se acrescenta açúcar. O chocolate é considerado amargo se tem pelo menos 70% do cacau (pó mais manteiga de cacau). Mas aí é que está o detalhe importante. Num chocolate 70% de cacau, por exemplo, o correto seria ter 70% do liquor. Mas na maior parte das vezes, para reduzir custos, não é isso que ocorre. Muitas vezes, quando faz um chocolate chamado de 70%, a indústria usa na maior parte o pó do cacau e complementa com outros tipos de gordura que não só a manteiga de cacau, como a hidrogenada. Isso é feito para reduzir o custo, já que a manteiga de cacau é uma matéria-prima muito nobre e cara, utilizada em cosméticos, produtos farmacêuticos e alimentos. Entendeu a diferença?
A maioria dos que se dizem "chocólatras" e que não conseguem viver sem o chocolate, na verdade gostam mais do chocolate ao leite, que é rico em gordura e açúcar. Fique atento quando for comprar o seu chocolate amargo. Vale a pena ler o rótulo para saber como ele foi feito. Uma dica: um bom chocolate amargo nunca é barato, pois tem a manteiga de cacau. Outro lembrete: o chocolate branco é o pior, pois não tem nada do pó da amêndoa e certamente o que menos tem é manteiga de cacau. Se você gosta de chocolate, sempre procure consumir o amargo e de boa qualidade. Leia o rótulo. Vá acostumando o paladar, sorvendo em pequenas quantidades e aos poucos. E o mais importante, sem culpa!

Referência:
Vlachojannis J, et al. The Impact of Cocoa Flavanols on Cardiovascular Health. Phytother Res. 2016.

Dr. Eduardo Guimarães Camargo
Médico Endocrinologista
CREMERS 23.404 - RQE 17.086

domingo, 2 de abril de 2017

Consumo de chocolate pelo paciente diabético

Estamos quase na Páscoa e os supermercados já estão com seus “túneis” de ovos de chocolate montados, o que chama a atenção e aumenta a vontade de degustar essa guloseima. Mas e o paciente que convive com diabetes mellitus? Também pode se deliciar com chocolate? Não só pode, como deve! Mas alguns cuidados devem ser tomados. Vejamos...
No ano de 2012, a revista médica mais importante do mundo, New England Journal of Medicine, publicou um estudo muito interessante. Pesquisadores demonstraram que os países onde mais pessoas consumiam chocolate, ganhavam mais prêmios Nobel (!!!). Seria uma evidência epidemiológica de que o consumo regular de chocolate melhorava as capacidades cognitivas de quem o saboreava? Possivelmente. O chocolate é feito de cacau, planta que como o chá-verde é rica em flavonoides. Estes compostos fenólicos são potentes antioxidantes e anti-inflamatórios naturais. Estas substâncias quando consumidas regularmente têm o potencial de trazer uma série de benefícios ao cérebro, coração, vasos e metabolismo.



Além da melhora da função cognitiva, alguns estudos sugerem que o consumo de chocolate possa ajudar a combater sintomas depressivos através da modulação da dopamina e dos opioides no cérebro. Além disso, dois estudos suecos mostraram que aumentar o consumo de chocolate amargo em pelo menos 50 gramas por semana foi capaz de reduzir o risco de isquemias e hemorragias cerebrais em até 27 por cento! Vale lembrar que pacientes diabéticos apresentam risco maior para estas doenças.
Os suecos realmente gostam de estudar os benefícios do chocolate! Outra análise mostrou que o consumo de apenas 28 gramas de chocolate amargo uma ou 2 vezes por semana se associou a um risco 32 por cento menor de insuficiência cardíaca. Estudos posteriores evidenciaram melhora na função do endotélio (camada interna dos vasos) e da função das plaquetas (responsáveis pela coagulação do sangue). Ou seja, o chocolate também tem potencial de reduzir infartos e mortalidade por doença coronariana. E as doenças cardiovasculares são as principais causas de morte em pacientes com diabetes mellitus...
Uma extensa revisão da literatura publicada na prestigiada Cochrane Database of Systemic Reviews mostrou que o consumo de chocolate ajuda a reduzir a pressão arterial. O efeito é devido a liberação de óxido nítrico, um potente vasodilatador, pelo endotélio. Além disso, os chocolates com mais de 60% de cacau, apesar de possuírem gorduras saturadas, são capazes de reduzir os níveis de colesterol LDL (ruim) e aumentar os níveis de HDL (colesterol bom). Algo impressionante: um estudo publicado em 2012 na revista médica Archives of Internal Medicine associou um maior consumo de chocolate a um menor índice de massa corporal (IMC)! Isto é, dentro de uma alimentação equilibrada, os antioxidantes do chocolate poderiam ajudar a manter o peso mais próximo do ideal. Por fim, existem evidências de que os polifenóis melhoram a função das células beta do pâncreas, melhorando o metabolismo glicêmico. Ótimas notícias para quem convive com o diabetes, não?
Contudo, todos os estudos que mostraram benefícios, sempre usaram as versões “amargas” do chocolate, ou seja, com alto teor de cacau (60% ou mais). As versões ao leite e branco são ricas em açúcar e gorduras adicionadas (diferentes do ácido esteárico do cacau), além de serem pobres nos benéficos polifenóis, ou seja, podem ser prejudiciais à saúde e devem ser evitadas principalmente por pacientes diabéticos.
Nesta Páscoa peça ao Coelho chocolates com alto teor de cacau e não abuse! Apesar de bom para saúde, o chocolate amargo ainda é um alimento calórico, ou seja, em excesso pode aumentar o peso.

Fonte: Medscape

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

terça-feira, 21 de março de 2017

Doenças da tireoide e síndrome de Down

Vinte e um de março de 2017, comemoramos o Dia Mundial da Síndrome de Down e nada melhor para marcar esta data do que falar sobre os cuidados necessários com os pacientes portadores desta síndrome. Para isso, vamos conversar sobre a tireoide na síndrome de Down (SD), tema frequente nos consultórios de endocrinologia e que pode gerar muitas dúvidas entre os pacientes e seus familiares.
Crianças com SD podem ter uma série de alterações clínicas associadas, incluindo manifestações endocrinológicas. A endocrinopatia mais comum nesses pacientes é a alteração da função da tireoide. Um estudo publicado em 2014 entrevistou 440 crianças com SD no estado de Nova York e encontrou uma frequência de 27,3% de doença da tireoide, sendo que um terço destes casos foi detectado logo depois do nascimento. 
Para facilitar o entendimento, vamos primeiro ver como funciona a tireoide e quais são os exames solicitados pelo médico, depois dividir as alterações nas fases do desenvolvimento da criança (nascimento, infância e adulto) e, por fim, conversar um pouco sobre tratamento.



A Tireoide
A tireoide é uma glândula que se localiza na porção anterior do pescoço, cuja função é produzir dois hormônios: o T3 (triiodotironina) e o T4 (tetraiodotironina ou tiroxina). Estes hormônios agem ativando outras partes do corpo como a pele, para que fique viçosa; o intestino, para que se movimente; o coração, para que bata na frequência correta; o esqueleto, para que a criança cresça; e também o cérebro, para que se desenvolva. A produção desses hormônios é controlada pela hipófise (também conhecida como glândula-mãe) através do TSH ou hormônio tireoestimulante (do inglês thyroid stimulant hormone). Quando a tireoide está funcionando de forma adequada, esperamos encontrar todos estes hormônios dentro de valores normais. De uma forma simplificada, as alterações da tireoide mais comuns na SD acontecem por problemas na sua função, ou seja, na secreção dos hormônios T3 e T4. Quando a tireoide diminui sua produção, o TSH tende a se elevar de forma compensatória. De outra forma, podemos pensar que a hipófise “insiste” mais para que a tireoide produza seus hormônios da forma mais normal possível; isto é o que acontece no hipotireoidismo. Já no hipertireoidismo, há excesso de produção de T3 e T4, o que faz o TSH diminuir de valor também como uma forma de compensação.

Ao nascimento
O hipotireoidismo congênito costuma estar associado a poucos sinais e sintomas ao nascimento. Porém, com o tempo, pode causar atraso do desenvolvimento neurológico e motor em crianças não tratadas. Por este motivo, toda criança é submetida ao teste do pezinho logo na primeira semana de vida, sendo ela portadora ou não da SD. Neste teste são feitos vários exames em uma gota de sangue coletada do calcanhar do recém-nascido, entre eles a dosagem do TSH e, por vezes, também do T4.
Os valores de TSH sugestivos de hipotireoidismo neonatal variam conforme a idade gestacional do recém-nascido e o momento da coleta. De forma geral, valores de TSH maiores que 20 mUI/mL após o terceiro dia de vida devem ser confirmados e  acompanhados de dosagem do T4 para confirmação diagnostica.
Está comprovado que a medida isolada do T4 não é adequada nesta faixa etária e que o TSH deve ser repetido aos 6 e 12 meses de vida nos pacientes com SD pelo risco de vir a desenvolver hipotireoidismo com o passar o tempo. 

Infância
A recomendação é de que a partir de um ano de idade os exames da tireoide sejam realizados de forma anual em pacientes com SD, ou antes se apresentarem sintomas. Os sintomas podem ser constipação, pele e cabelos secos, piora da flacidez, letargia (lentidão) e redução da velocidade de crescimento no hipotireoidismo; ou olhar vívido e assustado, tremores, perda de peso, aumento do número de evacuações por dia e aumento da velocidade de crescimento, sem melhora da altura na vida adulta, no hipertireoidismo. Existe uma situação que chamamos de hipotireoidismo subclínico em que a hipófise consegue produzir a quantidade certa de TSH capaz de “obrigar” a tireoide a secretar quantidades suficientes de T3 e T4. Nesta situação vemos o TSH elevado e o T4 normal. Por este motivo, raramente existem sintomas da falta de hormônio da tireoide. Quando as elevações do TSH são ainda mais discretas nós costumamos considerar como hipertireotrofinemia, uma leve elevação do TSH que pode não ser doença. Segundo Joseph Meyerovitch e colaboradores, se espera um TSH normalmente mais aumentados em crianças com SD.

Adulto
Na década de 1950 a média de vida de uma pessoa com SD era de 12 anos e atualmente é mais de 60 anos. Isto se deve ao maior conhecimento da síndrome e principalmente ao manejo correto de malformações cardíacas. Com esta maior longevidade resta saber se na vida adulta elas continuam com esta frequência aumentada de doenças da tireoide.
Um grupo inglês acompanhou 112 pacientes adultos com SD sem doença da tireoide ao longo de 15 anos e pode observar uma incidência de hipotireoidismo e hipertireoidismo clínico de cerca de 4,8% e de mais de 20% de hipotireoidismo subclínico. Mas a boa notícia é que naqueles que apresentavam pequena elevação do TSH e T4 normal, ao final dos 15 anos, apenas quatro haviam necessitado receber reposição com hormônio da tireoide e metade deles havia normalizado os exames de forma espontânea, sugerindo que na vida adulta o exame de rastreamento de TSH possa ser espaçado para a cada 2-5 anos ou quando o paciente apresentar sintomas.

Como tratar?
A boa notícia é que o tratamento é muito fácil e eficaz no caso do hipotireoidismo. O paciente deve tomar uma dose diária de levotiroxina (o próprio hormônio da tireoide), conforme indicado por seu médico. A melhora dos sintomas é gradual, mas não significa que poderá parar a medicação; na maioria das vezes o tratamento é por toda vida. Ofereça a medicação preferencialmente pela manhã, em jejum, e evite associar no mesmo horário, com remédios que contenham cálcio, ferro, soja ou antiácidos, pois eles diminuem a absorção do hormônio no intestino ("cortam o efeito"). Durante o tratamento é necessário realizar exames laboratoriais periodicamente, para ajuste da medicação. Não se preocupe! Apesar de crônico, o hipotireoidismo é uma doença controlável.
Já no caso do hipertireoidismo existem três opções de tratamento, a primeira e mais fácil é tomar uma medicação de diminua a produção de hormônio pela tireoide, como o tapazol. As outras duas opções são o iodo radioativo e a cirurgia, que é reservada para casos excepcionais. O melhor tratamento é definido de forma individual para cada paciente. Você pode, e deve, conversar com seu médico sobre a melhor opção.

De forma resumida, os pacientes com síndrome de Down têm mais chance de desenvolver doenças da tireoide. Eles também podem apresentar pequenas alterações dos exames que não configuram doença, mas que devem ser acompanhadas de perto pelo médico.
Os links abaixo são sugestões de site de associações de pais e profissional de saúde para esclarecer outras dúvidas sobre o assunto.

- National Down Syndrome Society: http://www.ndss.org/
- National Down Syndrome Congress: https://www.ndsccenter.org/ 
- Canadian Down Syndrome Society: http://cdss.ca/ 
- Down Syndrome International Education: https://www.dseinternational.org/en-gb/

Referências:
1. Roizen NJ, et al. A Community Cross-Sectional Survey of Medical Problems in 440 Children with Down Syndrome in New York State. 2014 The Journal of Pediatrics 164 (4): 871-875.
2. Erlichman I, et al. Thyroxine-Based Screening for Congenital Hypothyroidism in Neonates with Down Syndrome. 2016 J Pediatr 173: 165-168.
3. Bull MJ, et al. Clinical Report-Health Supervision for Children with Down Syndrome, 2011 Pediatrics 128 (2): 393-406.
4. Meyerovitch J et al. Hyperthyrotropinaemia in untreated subjects with Down’s syndrome aged 6 months to 64 years: a comparative analysis. Arch Dis Child 2012; 97: 595-598 
5. Prasher V, et al. Fifteen-year follow-up of thyroid status in adults with Down Syndrome. 2011 Journal of intelectual disability research 55: 392-396

Dra. Leila Cristina Pedroso de Paula
Médica Endocrinologista
CREMERS 21.561 - RQE 16.615

Dra. Roberta Marobin
Médica
CREMERS 38.368


terça-feira, 14 de março de 2017

Chás, fitoterápicos, vitaminas, automedicação e saúde

O uso de suplementos vitamínicos e compostos fitoterápicos (ou naturais) sem receita médica é um fenômeno crescente, resultado da grande oferta e das facilidades de acesso nos dias atuais. A busca pela saúde é a maior justificativa da automedicação nessa área, principalmente na população de idosos. Lembra daquele chazinho que o vizinho indicou para curar o diabetes ou para baixar a pressão? O argumento, em geral, é de que “como é natural, não faz mal…” ou “não é medicamento, é só vitamina ou chá…”.  Mas não é bem assim. Sabemos que esses compostos têm atividade biológica, isto é, provocam reações químicas no organismo que podem desencadear uma série de efeitos. Obviamente, o que buscamos são os efeitos benéficos à saúde, como aliviar um sintoma ou tratar uma doença. Na área de diabetes, por exemplo, perdi a conta dos inúmeros chás e infusões que supostamente poderiam tratar ou até mesmo curar a doença. O que precisamos entender é que se uma substância, mesmo que "natural", tem efeito favorável, certamente algum efeito colateral deve ter. E qual é esse efeito?  É isso que devemos nos questionar...



Não existe uma substância que seja quimicamente ativa, usada como tratamento médico, que não tenha efeitos colaterais. Quando prescrevemos algo, precisamos ter as informações geradas por estudos em milhares de pessoas mostrando as vantagens e os riscos do uso daquela medicação. Mesmo que seja "natural" ou uma vitamina, não temos como garantir se realmente funciona ou se, principalmente, é seguro a longo prazo sem este tipo de avaliação. Temos vários exemplos de como essas substâncias podem fazer mal à saúde.
O chá verde, extrato das folhas da Camellia sinensis, é mundialmente conhecido pelas suas propriedades estimulantes e anti-oxidantes e é um dos chás mais consumidos em todo o mundo. Entretanto, conforme a quantidade ou a predisposição de cada pessoa, se usado por tempo prolongado o chá verde pode ser tóxico para o fígado e causar hepatite aguda. De fato, um artigo recentemente publicado pelo National Institutes of Health (NIH) em associação com a American Association for the Study of Liver Disease alerta que cerca de 20% dos casos de hepatites nos Estados Unidos são causados por consumo de suplementos alimentares e compostos fitoterápicos.
Outro exemplo é a vitamina E, comprada sem receita e usada na forma de suplemento diário. Encontrada em frutas secas, óleos vegetais, cereais integrais e sementes, tem sido usada como suplemento na forma de cápsulas devido às suas propriedades antioxidantes e supostos benefícios na prevenção do envelhecimento, do câncer, da demência e de doenças cardíacas. Mas além desses benefícios não terem sido confirmados, o uso de doses altas de vitamina E (maiores que 400 UI por dia) foi associado a aumento do número de mortes. Hoje em dia, usamos vitamina E em baixas doses somente em pacientes com doença hepática gordurosa em fase avançada e que não tenham diabetes ou doença coronariana.
Um outro ponto associado ao uso de suplementos e fitoterápicos é a sua imprevisível associação com os medicamentos convencionais de uso contínuo. Como não sabemos exatamente como atuam e as suas interações, podem agir inibindo ou intensificando a ação de medicamentos usados para tratar hipertensão arterial, diabetes e alteração da coagulação. Na população de idosos, a preocupação é maior devido às peculiaridades do metabolismo desses indivíduos. Nesse grupo ainda, o uso de fitoterápicos e vitaminas pode colaborar para a chamada "polifarmácia", em que há um grande consumo diário de medicamentos (geralmente acima de 5 tipos ao dia). Como são muitos medicamentos para tomar todos os dias, com frequência ocorrem erros de horários, troca de comprimidos e falhas de tomada. Nesse caso, o uso desnecessário de vitaminas e fitoterápicos pode mais atrapalhar do que ajudar.
Embora vivamos em um país com raízes na medicina natural, devemos ficar atentos ao que estamos consumindo para não criarmos um problema maior. Claro que não precisa deixar de tomar seu chá, mas evite as misturas e os exageros. O mesmo serve para o consumo de vitaminas e polivitamínicos. Será que são mesmo necessários? Sempre questione o seu médico a respeito.  Não é porque é "natural" que não faz mal à saúde. Além disso, a automedicação pode sair mais cara do que você imagina.

Referências:
1- Navarro VJ et al. Liver injury from herbal and dietary supplements. Hepatology 2017; 65(1):363-373.
2- Pitkälä KH et al. Herbal medications and other dietary supplements. A clinical review for physicians caring for older people. Ann Med. 2016; 48(8):586-602.

Dr. Eduardo Guimarães Camargo
Médico Endocrinologista
CREMERS 23.404 - RQE 17.086

sexta-feira, 3 de março de 2017

Gordura interesterificada: a “nova” gordura das margarinas é segura?

No início deste século, evidências científicas incriminando a gordura trans foram se acumulando. A gordura trans é obtida através de um processo industrial chamado de hidrogenação. Os óleos vegetais são ricos em ácidos graxos insaturados. Isto quer dizer que dentro da cadeia carbônica destes ácidos graxos existem várias ligações duplas entre os carbonos (figura 1). Durante a hidrogenação são adicionadas moléculas de hidrogênio a cadeia carbônica do ácido graxo para transformar as ligações duplas em ligações simples (figura 2). Um efeito adverso desse processo é a hidrogenação parcial de algumas das duplas ligações e a “torção” da molécula, formando a famigerada gordura trans.

FIGURA 1. Exemplos de gordura insaturada.

FIGURA 2. Processo de hidrogenação.

Mas por que a indústria gostava tanto de usar a gordura hidrogenada? De uma maneira geral, quanto mais insaturada for uma gordura, maior a probabilidade dela ser líquida. E a indústria alimentícia prefere utilizar gorduras sólidas nos seus produtos, pois além de serem mais estáveis nas altas temperaturas atingidas durante a fritura, garantem consistência mais agradável e maior prazo de validade aos alimentos.
Com cada vez mais órgãos governamentais e entidades de classe se posicionando contra o uso da gordura trans, a indústria alimentícia começou a migrar para um “novo” método para solidificar os óleos vegetais: a interesterificação.
A interesterificação é usada desde a década de 1940. Na natureza, as gorduras se apresentam em “trios” de ácidos graxos ligados a uma molécula de glicerol: são os triglicerídeos (figura 3). Dependendo de qual ácido graxo está na posição 1, 2 ou 3 da molécula do triglicerídeo, suas propriedades físico-químicas podem ser diferentes. Na forma mais comum de interesterificação utilizada pela indústria alimentícia atualmente, conhecida como método enzimático, os ácidos graxos são seletivamente ou randomicamente trocados de posição na molécula do triglicerídeo para que um óleo líquido passe a ser sólido sem o inconveniente da formação da gordura trans. Mas essa manipulação química mantém a gordura própria para consumo? É algo saudável? Esta é uma questão de resposta um pouco complexa…

FIGURA 3. Molécula de triglicerídeos. À esquerda podemos identificar os 3 carbonos da molécula de glicerol.

Primeiramente, mesmo países que historicamente conseguem ter informação epidemiológica apropriada como os Estados Unidos têm dificuldade em calcular o consumo de gordura interesterificada de sua população. Um dos motivos é a rotulagem de muitos produtos ser pouco clara quanto ao tipo de gordura utilizada na sua fabricação. Além disso, no caso da gordura interesterificada, também é importante conhecer quais “gorduras bases” foram usadas na sua fabricação, bem como a descrição do processo, já que a simples descrição da proporção de gordura saturada e insaturada ou a origem ser vegetal ou animal não permite estimar o comportamento biológico dentro do organismo. De qualquer forma, estima-se que o consumo de gordura interesterificada fique entre 1,9 e 4,8% do total energético e suas principais fontes provavelmente são: batatinhas fritas e outros chips, bolachas e pães industrializados, pipocas, margarinas, congelados prontos para fritar (nuggets e empanados, por exemplo), maionese e sorvetes.
Como os dados de consumo populacional são apenas estimados, até o momento grande parte do que se sabe sobre o impacto do consumo das gorduras interesterificadas vem de estudos pequenos, muitos feitos em animais e de curta duração. Além disso, como a gordura interesterificada compreende diversas combinações de ácidos graxos dentro da molécula de triglicerídeo, os resultados destes estudos são extremamente heterogêneos. Outra falha importante destes estudos é não conseguir reproduzir as situações reais de consumo. Isto é, ninguém come gordura interesterificada pura e em níveis até 4 vezes acima do habitual. Mas é assim que alguns estudos tentam avaliar o impacto da gordura interesterificada na saúde…
De qualquer forma, alguns pontos relevantes já foram identificados. Por exemplo, o ácido graxo de está ligado na posição 2 da molécula de triglicerídeo parece ser importante, já que ele pode ser absorvido mais facilmente pelo organismo. Além disso, o comprimento das cadeias dos ácidos graxos que ficam nas posições 1 e 3, nas pontas da molécula, também parece ser importante, já que os saturados de cadeia longa podem ser pior absorvidos quando comparados aos saturados de cadeia média. Dependendo de qual ácido graxo é preferencialmente absorvido a resposta do organismo é diferente com diferentes níveis de triglicerídeos, colesterol, marcadores inflamatórios e mesmo de glicose e de insulina.
Em resumo, até o momento ainda não sabemos se a “substituta da gordura trans” é mais saudável que ela. Para que esta pergunta seja corretamente respondida, além de mais alguns anos de pesquisa, as regras de rotulagem dos produtos alimentícios industrializados precisaram ser revistas. Neste tipo de situação onde não sabemos o real efeito de algo, o princípio da prudência se impõe. Logo, além de dar preferência às fontes naturais saudáveis de gordura (azeite de oliva, por exemplo), o consumidor tem direito de ser bem informado para decidir o que é melhor para si.

Referência:

1- Mensink RP, Sanders TA, Baer DJ, Hayes KC, Howles PN, Marangoni A. The Increasing Use of Interesterified Lipids in the Food Supply and Their Effects on Health Parameters. Adv Nutr. 2016 Jul 15;7(4):719-29. 


Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

quarta-feira, 1 de março de 2017

Papo sério: Os esteroides anabolizantes e o nosso "relógio suíço"

Desde os anos 70, os esteroides anabolizantes vêm sendo usados de forma abusiva por atletas, fisiculturistas e praticantes de atividade física. Os esteroides androgênicos anabólicos (ou anabolizantes) são hormônios representados pela testosterona e seus derivados, cujos efeitos de aumento de massa muscular e óssea e aumento da capacidade de proliferação celular são empregados em situações médicas muito restritas, como nos casos de desnutrição grave causada por câncer e AIDS. Essas substâncias hormonais também são empregadas para suprir as necessidades daqueles que as deixam de produzir, como nos casos de hipogonadismo e atraso puberal. Entretanto, o seu uso indiscriminado e crescente, sem indicação clínica, particularmente em adolescentes e adultos jovens, tem chamado a atenção das principais sociedades médicas mundo afora, principalmente aquelas ligadas a programas antidoping, que alertam sobre os riscos à saúde decorrente da exposição de terapias anabolizantes.



De fato, as propriedades “milagrosas” dos esteroides anabolizantes começaram a chamar a atenção a partir dos surpreendente ganho de força e massa muscular de atletas de alto nível, o que garantia um desempenho muito superior quando comparado com aqueles que não usavam. Não demorou muito para essas substâncias alcançarem as academias, as farmácias e alguns consultórios médicos.
Na chamada "medicina estética e antienvelhecimento", hormônios androgênicos esteroides, o hormônio da tireoide e o hormônio do crescimento  (GH), que normalmente são usados somente para reposição em situações de deficiência comprovada, são indicados precoce e erroneamente com intuito de retardar o envelhecimento, aumentar o metabolismo, aumentar a massa muscular, reduzir a gordura corporal, melhorar a textura da pele e a libido. Nesses casos, são usados hormônios sem a real necessidade e em doses muito acima do recomendado. Claro que isso faz mal para o organismo!
Termos como “bio-idêntico” ou “nano-hormônio” são usados inescrupulosamente para criar uma falsa ideia de pureza e segurança, o que obviamente não existe. Disparado, a testosterona e seus derivados (ex. oxandrolona, oximetolona, estanazolol, di-hidrotestosterona) são os líderes em uso justamente por suas fortes propriedades anabolizantes, sua facilidade de encontrar e o seu baixo custo.  Mas você sabe qual o efeito que o uso dessas substâncias terá no seu organismo?
Bem, nosso sistema endócrino é um "relógio suíço", onde tudo funciona da melhor maneira para nos manter em equilíbrio. Nossos hormônios, quando estamos saudáveis e sem doenças, são produzidos na quantidade exata das nossas necessidades, nem um gota a mais. Quando um homem usa um esteroide por estética, para aumento de massa muscular, esse sistema é inibido. Sim, porque o nosso sistema hormonal funciona assim: para tentar evitar o excesso deletério, as glândulas deixam de produzir aquele hormônio que está sendo administrado. No caso do uso da testosterona, por exemplo, os testículos deixam de produzir a própria testosterona enquanto a pessoa estiver usando. Esse uso, geralmente em doses acima do que o corpo está habituado (para ter uma ideia: a dose de reposição para quem não produz testosterona é 1 injeção a cada 14 dias; em ciclos anabolizantes, tem gente usando 1 injeção ao dia!), cria um "falso ambiente hormonal", o que estimula forçadamente as células do corpo a proliferar e crescer de tamanho. Se eu tinha um massa muscular "x" produzindo "y" de testosterona, agora com "4y" de testosterona terei uma massa muscular "4x". Parece maravilhoso! Mas o problema é que isso só se mantém enquanto estivermos usando essas doses altas. Quando reduzimos ou interrompemos o uso, que geralmente é o que ocorre quando se termina o chamado ciclo, voltamos a ser o que éramos: "x"! E um "x" que agora não consegue produzir a sua própria testosterona, pois os testículos podem demorar para trabalhar de novo. Esse estado de não produção dos próprios hormônios nós chamamos de hipogonadismo. E é nesse período, conforme o tempo que foi usado e retirado o anabolizante, que o organismo sente muito a falta dos hormônios, gerando perda grande da muscular conquistada, cansaço intenso, fraqueza, humor deprimido, impotência e falta de libido.
Esse é um ponto crucial! O que a maioria faz: 1) se convence que é um efeito colateral do tratamento e mata no peito os sintomas; 2) busca atendimento médico para entender os sintomas e tratá-los; 3) volta a usar o anabolizante. Na minha experiência de consultório, infelizmente a maciça maioria escolhe a opção 3. Voltam a usar e os sintomas imediatamente melhoram; voltam a ficar grandes e potentes, com libido lá em cima. E daí passa ser um ciclo atrás do outro, sempre com alguma alternativa indicada por um amigo ou médico para tentar evitar os efeitos da parada. “Ah, mas eu quero usar uma dose bem baixa, só para dar uma estimulada…” Não adianta, pois só vai ter os efeitos de supressão da testosterona sem ter o resultado de crescimento muscular.
Não importa se você compra na academia ou na farmácia sem receita ou se recebeu receita de um médico. Para ter o efeito anabolizante, você sempre terá que usar doses acima do necessário. Aliás, não se iluda se esse tipo de tratamento estiver sendo feito por um médico que garanta que é seguro. O ego de muitos médicos sempre supera (e muito) o bom senso. São pseudo-inovadores, sedutores, manipuladores, super-stars das redes sociais, revolucionários inconsequentes, messiânicos que se colocam acima da boa prática médica e das entidades médicas sérias, oferecendo tratamentos que não tem suporte de segurança pela boa literatura médica. Por favor, não se iluda!
Mas mesmo assim quer usar? Saiba então os efeitos adversos do uso dos esteroides anabolizantes: alterações dermatológicas (acne, lipodistrofia – atrofia da gordura, abscessos musculares, hematomas, calvície, estrias, excesso de pelos corporais), hematológicas (aumento do número dos glóbulos vermelhos, sangue mais viscoso), alterações sexuais (impotência, ginecomastia, atrofia testicular, infertilidade), osteo-musculares (hérnia de disco, lesões meniscais, rabdomiólise-dano muscular grave), hepáticas (hepatite, colestase, icterícia -amarelão, esteatose, nódulos, câncer de fígado), renais (insuficiência renal, glomerulonefrite), cardiovascular (redução do colesterol HDL, AVC, hipertensão arterial, aumento do volume do coração, insuficiência cardíaca, arritmia, infarto, morte súbita) e comportamentais (agressividade, comportamento imprudente e compulsivo, dependência, síndrome de abstinência, depressão, pensamentos suicidas, percepção alterada da forma corporal, maior consumo de álcool e outras drogas, transtornos alimentares tipo vigorexia, bulimia, anorexia, prática de sexo inseguro). Além disso, existem vários relatos de câncer associado ao uso de anabolizantes, como câncer de fígado, de pâncreas, miossarcoma, osteossarcoma, linfoma e leucemia.
Em mulheres, os efeitos hormonais são resultado da exposição do organismo a um hormônio caracteristicamente masculino e em quantidades muito altas. O resultado é que a testosterona passa a modificar o corpo feminino trazendo traços masculinos, que é o que chamamos de virilização (ou masculinização). Aumento exagerado da massa muscular, acne, redução anormal da gordura corporal, lipodistrofia, atrofia das mamas, excesso de pelos no rosto e no corpo, aumento do gogó, voz masculinizada, parada da menstruação, engrossamento da pele, aumento do clitóris e infertilidade. Além de todos os efeitos colaterais já citados.
A saúde não é brincadeira. Respeite o seu "relógio suíço". Não se exponha a tratamentos que podem trazer riscos desnecessários. E principalmente, não coloque a sua saúde nas mãos de inconsequentes, seja um amigo, o cara da academia ou da farmácia, o cara que traz da fronteira, um médico. Ninguém se responsabilizará por você se algo der errado.

Referências:
1 - Eberhard Nieschlag, Elena Vorona. Doping with anabolic androgenic steroids (AAS): Adverse effects on non-reproductive organs and functions. Rev Endocr Metab Disord 2015. DOI 10.1007/s11154-015-9320-5
2 - WADA worldwide antidoping network (www.wada.org).

Dr. Eduardo Guimarães Camargo
Médico Endocrinologista
CREMERS 23.404 - RQE 17.086