terça-feira, 14 de março de 2017

Chás, fitoterápicos, vitaminas, automedicação e saúde

O uso de suplementos vitamínicos e compostos fitoterápicos (ou naturais) sem receita médica é um fenômeno crescente, resultado da grande oferta e das facilidades de acesso nos dias atuais. A busca pela saúde é a maior justificativa da automedicação nessa área, principalmente na população de idosos. Lembra daquele chazinho que o vizinho indicou para curar o diabetes ou para baixar a pressão? O argumento, em geral, é de que “como é natural, não faz mal…” ou “não é medicamento, é só vitamina ou chá…”.  Mas não é bem assim. Sabemos que esses compostos têm atividade biológica, isto é, provocam reações químicas no organismo que podem desencadear uma série de efeitos. Obviamente, o que buscamos são os efeitos benéficos à saúde, como aliviar um sintoma ou tratar uma doença. Na área de diabetes, por exemplo, perdi a conta dos inúmeros chás e infusões que supostamente poderiam tratar ou até mesmo curar a doença. O que precisamos entender é que se uma substância, mesmo que "natural", tem efeito favorável, certamente algum efeito colateral deve ter. E qual é esse efeito?  É isso que devemos nos questionar...



Não existe uma substância que seja quimicamente ativa, usada como tratamento médico, que não tenha efeitos colaterais. Quando prescrevemos algo, precisamos ter as informações geradas por estudos em milhares de pessoas mostrando as vantagens e os riscos do uso daquela medicação. Mesmo que seja "natural" ou uma vitamina, não temos como garantir se realmente funciona ou se, principalmente, é seguro a longo prazo sem este tipo de avaliação. Temos vários exemplos de como essas substâncias podem fazer mal à saúde.
O chá verde, extrato das folhas da Camellia sinensis, é mundialmente conhecido pelas suas propriedades estimulantes e anti-oxidantes e é um dos chás mais consumidos em todo o mundo. Entretanto, conforme a quantidade ou a predisposição de cada pessoa, se usado por tempo prolongado o chá verde pode ser tóxico para o fígado e causar hepatite aguda. De fato, um artigo recentemente publicado pelo National Institutes of Health (NIH) em associação com a American Association for the Study of Liver Disease alerta que cerca de 20% dos casos de hepatites nos Estados Unidos são causados por consumo de suplementos alimentares e compostos fitoterápicos.
Outro exemplo é a vitamina E, comprada sem receita e usada na forma de suplemento diário. Encontrada em frutas secas, óleos vegetais, cereais integrais e sementes, tem sido usada como suplemento na forma de cápsulas devido às suas propriedades antioxidantes e supostos benefícios na prevenção do envelhecimento, do câncer, da demência e de doenças cardíacas. Mas além desses benefícios não terem sido confirmados, o uso de doses altas de vitamina E (maiores que 400 UI por dia) foi associado a aumento do número de mortes. Hoje em dia, usamos vitamina E em baixas doses somente em pacientes com doença hepática gordurosa em fase avançada e que não tenham diabetes ou doença coronariana.
Um outro ponto associado ao uso de suplementos e fitoterápicos é a sua imprevisível associação com os medicamentos convencionais de uso contínuo. Como não sabemos exatamente como atuam e as suas interações, podem agir inibindo ou intensificando a ação de medicamentos usados para tratar hipertensão arterial, diabetes e alteração da coagulação. Na população de idosos, a preocupação é maior devido às peculiaridades do metabolismo desses indivíduos. Nesse grupo ainda, o uso de fitoterápicos e vitaminas pode colaborar para a chamada "polifarmácia", em que há um grande consumo diário de medicamentos (geralmente acima de 5 tipos ao dia). Como são muitos medicamentos para tomar todos os dias, com frequência ocorrem erros de horários, troca de comprimidos e falhas de tomada. Nesse caso, o uso desnecessário de vitaminas e fitoterápicos pode mais atrapalhar do que ajudar.
Embora vivamos em um país com raízes na medicina natural, devemos ficar atentos ao que estamos consumindo para não criarmos um problema maior. Claro que não precisa deixar de tomar seu chá, mas evite as misturas e os exageros. O mesmo serve para o consumo de vitaminas e polivitamínicos. Será que são mesmo necessários? Sempre questione o seu médico a respeito.  Não é porque é "natural" que não faz mal à saúde. Além disso, a automedicação pode sair mais cara do que você imagina.

Referências:
1- Navarro VJ et al. Liver injury from herbal and dietary supplements. Hepatology 2017; 65(1):363-373.
2- Pitkälä KH et al. Herbal medications and other dietary supplements. A clinical review for physicians caring for older people. Ann Med. 2016; 48(8):586-602.

Dr. Eduardo Guimarães Camargo
Médico Endocrinologista
CREMERS 23.404 - RQE 17.086

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