Durante o Congresso da Sociedade Europeia de Cardiologia de 2019 (ESC -2019) foi liberada a Diretriz de Diabetes, Pré Diabetes e Doença Cardiovascular(1). O documento contou com a participação conjunta da EASD (European Association for the Study of Diabetes). Abaixo faremos um resumo das principais recomendações relacionadas ao tratamento do diabetes.
1. Qual o alvo de Hemoglobina Glicada para a maior parte dos pacientes?
Seguindo a maioria das diretrizes sobre o tema, incluindo a brasileira(2), o ponto de corte ideal é o de 7%. Como sempre, devemos individualizar tal valor para pacientes específicos, sendo mais “tolerantes” naqueles onde eventos hipoglicêmicos são ainda mais prejudiciais (idosos, portadores de doenças cardiovasculares, etc.).
2. Qual a primeira droga a ser iniciada nos portadores de Diabetes tipo 2?
Aqui temos uma polêmica. O documento recomenda que a primeira droga a ser iniciada em pacientes com doença cardiovascular estabelecida ou risco muito alto/alto para tais eventos sejam os inibidores da cotransportador sódio-glicose tipo 2 (iSGLT2) como a empagliflozina, canagliflozina ou dapagliflozina ou os análogos do peptídeo semelhante ao glucagon (aGLP-1) tais como a liraglutida, semaglutida ou dulaglutida. É a primeira vez que estes fármacos são recomendados antes da metformina. Devemos lembrar que os grandes ensaios clínicos com estas drogas usavam a biguanida em ambos os grupos, portanto não temos dados suficientes para compará-las. Além disso, não podemos esquecer seus inúmeros efeitos positivos como a redução da gliconeogênese hepática, redução do turnover de glicose no leito intestinal, aumento da sensibilidade insulínica nas células musculares, dentre outros. Seus benefícios são amplamente conhecidos como, por exemplo, em um dos estudos do projeto UKPDS, publicado em 2008. Neste trabalho tivemos uma redução significativa do número de infartos e de mortalidade geral no grupo que utilizou a metformina(3). Outro aspecto de fundamental importância é relacionado à farmacoeconomia. Além de ser uma droga muito barata ela é amplamente disponível através do programa de farmácia popular do governo federal.
Um fármaco que muitas vezes é esquecido nos pacientes com doença aterosclerótica é a pioglitazona. O estudo Pro-Active de 2005 demonstrou redução significativa de IAM e AVC fatais e não fatais. Existem algumas críticas em relação ao desenho deste estudo porém não podemos esquecer dos seus resultados(4). Outro trabalho que devemos lembrar é estudo IRIS que mostrou uma redução de 24% no risco de novos eventos isquêmicos cerebrais nos pacientes que utilizaram pioglitazona(5). Muitos ainda têm a ideia que esta classe é inferior às sulfonilureias, por exemplo, na sua capacidade de reduzir a hemoglobina glicada. O estudo TOSCA-IT(6) mostrou potenciais equivalentes de redução da hemoglobina glicada entre essas duas classes com a grande vantagem da glitazona por ter uma taxa inferior de hipoglicemias. Em relação às sulfonilureias e os inibidores da enzima dipeptidil dipeptidase do tipo IV (iDPP-IV) temos dados suficientes que corroboram segurança do ponto de vista de risco cardiovascular.
Por todos esses motivos entendemos que a metformina ainda deve ser considerada como primeira opção, incluindo os pacientes de alto risco cardiovascular. Como segunda droga a ser adicionada aí sim devemos dar preferência aos aGLP-1 ou iSGLT-2 neste grupo de pacientes, entretanto sem esquecer da efetividade e segurança das outras classes citadas.
3. Diabetes e Insuficiência cardíaca (IC)
Aqui foi reforçada a indicação dos iSGLT-2 como ótima opção nos portadores de diabetes e IC. Fruto dos bons resultados dos três principais ensaios clínicos desta classe quanto ao número de internações/morte cardiovascular nesses pacientes(7-9). E aqui vale um adendo sobre o estudo DAPA-HF que mostrou melhora destes desfechos mesmo em pacientes que não tinham diabetes (quase 60% do estudo)(10). Os aGLP-1 e os iDPP-IV são neutros com exceção da saxagliptina pois seu ensaio clínico mostrou aumento do número de internações por IC(11). A pioglitazona também é contra-indicada.
4. Diabetes e doença renal crônica
Novamente temos recomendações de utilizarmos os iSGLT-2 devido ao seu perfil nefroprotetor demonstrado nos três ensaios clínicos da classe(7-9).
Referências:
1 - Cosentino, F, Grant, P.J, Aboyans, V, et al. Guidelines on diabetes, pre-diabetes, and cardiovascular diseases developed in collaboration with the EASD. European Heart Journal. 2019; 2019(0): 1-69.
2 - Faludi, A.A, Izar, M.C.O, Chacra, A.P.M, et al. A. Atualização da Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose – 2017. Arq Bras Cardiol. 2017;109(2[): 1-76
3 - Holman RR, Paul SK, Bethel MA et al. 10-year follow-up of intensive glucose control in type 2 diabetes. N Engl J Med. 2008; 359: 1577-89.
4 - Dormandy, J.A, Charbonnel, B, Eckland, D.J.A. et al. Secondary prevention of macrovascular events in patients with type 2 diabetes in the PROactive Study (PROspective pioglitAzone Clinical Trial In macroVascular Events): a randomised controlled trial . Lancet. 2005;366(9493): 1279-1289.
5 - Kernan, W. N., Viscoli, C. M., Furie, K. et al. Pioglitazone after Ischemic Stroke or Transient Ischemic Attack. New England Journal of Medicine, 374(14), 1321–1331.
6 - Vaccaro, O., Masulli, M., Nicolucci, A. et al. Effects on the incidence of cardiovascular events of the addition of pioglitazone versus sulfonylureas in patients with type 2 diabetes inadequately controlled with metformin (TOSCA.IT): a randomised, multicentre trial. The Lancet Diabetes & Endocrinology, 5(11), 887–897
7 - Zinman, B., Wanner, C., Lachin, J. M, et al. Empagliflozin, Cardiovascular Outcomes, and Mortality in Type 2 Diabetes. N Engl J Med, 373(22), 2117–2128.
8 - Neal, B., Perkovic, V., Mahaffey, K. W. et al. Canagliflozin and Cardiovascular and Renal Events in Type 2 Diabetes. N Eng J Med, 377(7), 644–657.
9 - Wiviott, S. D., Raz, I., Bonaca, M. P. et al. Dapagliflozin and Cardiovascular Outcomes in Type 2 Diabetes. N Engl J Med 2019; 380(4), 347-57
10 - John JV, McMurray, MD, Scott D, et al. Dapagliflozin in Patients with Heart Failure and Reduced Ejection Fraction. N Engl J Med 2019; 381(12), 1-13
11 - Scirica, B. M., Bhatt, D. L., Braunwald, E. et al. Saxagliptin and Cardiovascular Outcomes in Patients with Type 2 Diabetes Mellitus. N Eng J Med, 369(14), 1317–1326.
Dr. Ricardo Mendes Martins
Médico Endocrinologista
Professor de Medicina da Unigranrio
Professor de Medicina da UFF
CRM-RJ 778559 - RQE 15753
Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista titulado pela SBEM
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991
Nenhum comentário:
Postar um comentário