segunda-feira, 20 de maio de 2019

Devemos tratar gestantes eutireoideas com anticorpos anti-TPO positivos?

Existe hoje uma grande preocupação acerca da necessidade de tratamento de gestantes que apresentam função tireoidiana normal, porém com anticorpos anti-TPO positivos. Sabemos que em torno de 2-17% das gestantes podem apresentar positividade para anticorpos, sejam eles anti-TPO ou anti-tireglobulina. A relevância desse tema se deve à associação desses anticorpos ao risco de desenvolvimentos de diversas complicações tanto maternas quanto fetais como aborto, parto pré-termo, morte perinatal, comprometimento motor e intelectual dos recém nascidos, além do desenvolvimento de hipotireoidismo clínico. A presença desses anticorpos poderia ser um “marcador” de desfechos adversos na gestação. Dados da literatura mostram que a positividade para o anti-TPO foi associado com 2x o aumento do risco de aborto. O mecanismo implicado reside no fato de que esses auto-anticorpos podem ser considerados como um marcador de disfunção auto-imune que, por si só, tem sido reconhecida por ser responsável pelo aumento de perda gestacional, além da associação com outras doenças auto-imunes e outros tipos de auto anticorpos.
 

Em 2006, Negro e colaboradores realizaram um ensaio clínico randomizado, na Itália, para avaliar se haveria algum benefício em tratar gestantes com função tireoidiana normal (nesse estudo as pacientes tinham valores de TSH de até 2,0 µUI/mL) com vistas a redução dessas complicações. No entanto, apesar de as pacientes tratadas terem apresentado menor taxa de aborto e parto prematuro, não foi provada relação causal entre o tratamento dessas gestantes com anticorpos positivos e a redução das complicações4. Mais tarde Nazarpour, em 2016, reproduziu esse estudo, porém só houve benefício de tratamento das gestantes que apresentavam TSH > 4,0 µUI/mL5. Alguns estudos que avaliaram relação entre positividade de anti-TPO e parto prematuro mostraram aumento da prevalência deste nessas gestantes, como no estudo de Ghafoor et al, porém outros estudos não mostraram associação. Da mesma forma, em relação à infertilidade há poucos dados que confirmem essa relação na literatura.
Mais recentemente, um ensaio clínico randomizado foi realizado no Reino Unido. As pacientes incluídas tinham história de um ou mais abortos prévios ou realização de tratamento para infertilidade, além de anticorpos anti TPO positivos. 476 mulheres eutireoideas receberam 50 μcg ao dia desde o período pré-concepcional até o parto, enquanto o mesmo número de mulheres recebeu placebo no mesmo período.  No entanto, não houve aumento da taxa de nascidos vivos após 34 semanas de gestação nas mulheres usando levotiroxina em comparação às que usaram placebo. Também não houve redução de desfechos neonatais adversos, incluindo aborto e parto pré-termo.
Em vista da ausência de dados que mostrem uma relação causal e o mecanismo correto de associação entre as gestantes com anticorpos positivos e as possíveis complicações, a ATA (Associação Americana de Tireoide) em 2017, apenas considerava o tratamento de gestantes que tinham história prévia de perda gestacional dado o possível benefício da levotiroxina em comparação aos seus riscos em mulheres que tenham anticorpos anti-TPO positivos. Ainda não há consenso na literatura para recomendar contra ou a favor o tratamento com levotiroxina para evitar parto prematuro ou infertilidade. No entanto, em vista do recente ECR publicado, controlado por placebo, é possível que as novas recomendações da ATA sofram mudanças.

Referências:
1- Alexander EK, Pearce EN, Brent G, et al. Guidelines of the American Thyroid Association for the diagnosis and management of thyroid disease during pregnancy and postpartum. Thyroid 2017; 27:315-89.
2- De Leo S, Pearce EN. Autoimmune thyroid disease during pregnancy. Lancet Diabetes Endocrinology, 2018 Jul;6 (7): 575-586.
3- Prummel MF, Wiersinga WM. Thyroid autoimmunity and miscarriage. Eur J Endocrinol. 2004 Jun;150(6):751-5.
4- Negro R, Formoso G. Levothyroxine Treatment in Euthyroid Pregnant Women with Autoimmune Thyroid Disease: Effects on Obstetrical Complications. J Clin Endocrinol Metab, July 2006; 91(7): 2587-2591.
5- Nazarpour S, Tehrani FR, Simbar M, Tohidi M. Effects of Levothyroxine treatment on pregnancy outcomes in pregnant women with Autoimmune Thyroid Disease. Eur J Endocrinology. 2017. Feb;176 (2): 253-265.
6- Dhillon-Smith K R, Middleton LJ, Sunner KK. Levothyroxine in Women with Thyroid Peroxidase Antibodies before Conception. N Engl J Med. 2019 Apr 4;380(14):1316-1325. 

Dra. Paola Tonin Carpeggiani
Médica
CREMERS 39.893
 
Dra. Maria José Borsatto Zanella
Médica Endocrinologista
CREMERS 15.365 - RQE 7.281

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