quarta-feira, 10 de maio de 2017

O consumo de couve pode causar problemas na tireoide?

Alguns pacientes com hipotireoidismo têm perguntado se devem evitar algum tipo de alimento, em especial a couve e o brócolis. A teoria é que esses vegetais poderiam fazer mal para a tireoide. Embora não seja verdadeira, a preocupação faz sentido. Vamos entender por quê?



A couve pertence ao grupo das brássicas (ou crucíferas), que também inclui o brócolis, a couve chinesa, o nabo, a couve-flor, a couve de Bruxelas, o repolho e a mostarda. Além da alta quantidade de fibras e nutrientes, como cálcio, ferro e vitamina C, esse grupo contém os chamados glicosinolatos, substâncias que comprovadamente tem propriedades benéficas para a nossa saúde. Os glicosinolatos ficam inativos na planta, juntos com a enzima que os ativa e os torna disponível para usar, a chamada mirosinase. Quando cortamos, cozinhamos ou mastigamos os vegetais, a mirosinase se mistura com os glicosinolatos e libera dele as suas substâncias ativas. Uma planta tem vários tipos de glicosinolatos e já foram identificados mais de 100 no grupo das brássicas. No começo dos anos 90, estudos demosntraram que o consumo frequente de vegetais ricos em um determinado tipo de glicosinolato, a glicorafanina, como o brócolis e a couve-chinesa, resulta em redução da incidência de câncer. Além disso, esse grupo vegetal também possui propriedades anti-inflamatórias e anti-oxidantes. Isso fez com que esses vegetais se tornassem os "queridinhos" de alguns suplementos alimentares e dietas, como no caso do popular "suco detox". Mas será que esses vegetais, principalmente concentrados na forma de sucos, só tem substâncias boas? Tem gente fazendo "suco detox" para família toda, incluindo as crianças. Que mal poderia fazer para tireoide?
Cabe salientar que a couve, assim como as outras brássicas, também apresenta substâncias que podem interferir com o funcionamento da tireoide, efeito evidenciado em estudos com animais. Essas substâncias, também derivadas da ativação de diferentes glicosinolatos, são chamadas de goitrina e  tiocianato. Elas atuam reduzindo a absorção do iodo pelas células da tireoide, substância que é a base da constituição dos hormônios da glândula, podendo causar bócio e hipotireoidismo. Essas ações têm importância somente em regiões de baixo consumo de iodo na dieta, que não é o nosso caso. Não há estudos em crianças, somente em adultos.
Não se conhece a quantidade exata de vegetais que deve ser consumida para ter esse efeito ruim, mas o que se sabe é que em adultos são quantidades diárias muito grandes e por um tempo prolongado. Por exemplo, há um relato de uma mulher chinesa de 88 anos que desenvolveu hipotireoidismo grave, com coma, por consumir 1,0-1,5 kg/dia de couve chinesa crua por vários meses para tentar controlar o diabetes. Difícil alguém consumir essa quantidade, não é mesmo? Portanto, o consumo de couve e outras brássicas nas quantidades usuais não causa alterações na tireoide em adultos. Da mesma forma, se tem hipotireoidismo e faz a reposição do hormônio da tireoide, não tem problema consumir esses vegetais.

Referências:
1 -  Peter Felker, Ronald Bunch, Angela M. Leung. Concentrations of thiocyanate and goitrin in human plasma, their precursor concentrations in brassica vegetables, and associated potential risk for hypothyroidism. Nutr Rev. 2016 Apr; 74(4): 248–258.
2 - Barba FJ, Nikmaram N, Roohinejad S, Khelfa A, Zhu Z, Koubaa M. Bioavailability of Glucosinolates and Their Breakdown Products: Impact of Processing.  Front Nutr. 2016 Aug 16; 3:24.
3 -  Scott O, Galicia-Connolly E, Adams D, Surette S, Vohra S, Yager JY. The safety of cruciferous plants in humans: a systematic review.  J Biomed Biotechnol. 2012; vol 2012: article ID 503241.
4 - Chu M, Seltzer TF. Myxedema coma induced by ingestion of raw bok choy.  N Engl J Med. 2010 May 20;362(20):1945-6.


Dr. Eduardo Guimarães Camargo
                                                       Médico Endocrinologista
                                                CREMERS 23.404 - RQE 17.086
                                                 www.dreduardocamargo.com.br

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