A ilhota é um conjunto de células do pâncreas que produzem os hormônios responsáveis pelo controle da glicose no sangue. As ilhotas pancreáticas correspondem a uma pequena porção do pâncreas (1-2% do seu volume) sendo o resto do órgão formado por células que secretam enzimas digestivas (células acinares) e que não são afetadas pelo diabetes. A célula mais importante da ilhota é chamada de “célula beta” e produz insulina em resposta ao aumento da glicose no sangue. Os pacientes com diabetes melito tipo 1 apresentam diminuição significativa destas células e incapacidade de produzir insulina, necessitando receber injeções de insulina como tratamento.
O que é o transplante de ilhotas pancreáticas?
O transplante de ilhotas pancreáticas consiste na separação das ilhotas do restante do pâncreas por meio de um processo chamado de “Isolamento de Ilhotas” e infusão dessas células em um veia do fígado, sendo este procedimento realizado por um médico radiologista, sem necessidade de cirurgia. Um pequeno tubo é colocado na veia (veia Porta), através de uma punção com agulha pela pele do abdômen, e as ilhotas são infundidas como em uma transfusão de sangue. As ilhotas se alojam em pequenos vasos hepáticos e produzem insulina. Os pâncreas utilizados para o transplante de ilhotas são provenientes de doadores de órgãos em morte cerebral, quando o órgão não é utilizado para transplante do pâncreas inteiro. A parte mais complexa de todo o processo é o Isolamento das Ilhotas, procedimento demorado (4-8 horas por pâncreas), que deve ser realizado por pessoas treinadas e em laboratório especial.
Quem pode receber este transplante?
Este tipo de procedimento somente é indicado para pacientes com diabetes melito tipo 1 (tipo de diabetes decorrente de destruição das células produtoras de insulina e que depende de injeções de insulina para a sobrevivência) que apresentam controle instável da glicose. A instabilidade do diabetes é caracterizada por uma variação imprevisível da glicose, sem um padrão definido e sem causa externa identificável, como por exemplo aumento da atividade física ou jejum prolongado. O controle instável ocasiona hipoglicemia (quedas da glicose) freqüentes, diminuição dos sintomas de alerta da hipoglicemia e hipoglicemias graves, nas quais o paciente não consegue tratar-se sozinho e necessita da ajuda de outras pessoas para recuperar-se. A classificação dos pacientes como portadores de diabetes instável é realizada por meio de avaliação clínica e por análise de questionários específicos preenchidos pelos pacientes. No caso de confirmação do diabetes instável, e após a falha das tentativas clínicas de tratamento, o transplante de ilhotas pode ser considerado.
O transplante não é indicado para todos os pacientes com diabetes melito tipo 1 porque existem alguns riscos associados ao tratamento, principalmente os relacionados ao uso de medicamentos imunossupressores ou anti-rejeição. Estes medicamentos são necessários para evitar que o paciente rejeite as células transplantadas, mas apresentam como efeitos colaterais a diminuição das defesas do organismo, aumentando o risco de infecções. Também aumentam o risco de tumores de pele, que podem ser prevenidos com o uso de protetores solares. Estes medicamentos ainda podem piorar o controle da pressão arterial e das gorduras do sangue, mas estes efeitos são controlados com o uso de medicamentos para pressão e para o colesterol. Assim, se o paciente tem o diabetes adequadamente tratado com insulina e não apresenta um controle muito instável, ainda é preferível manter o tratamento com a insulina.
Outro tipo de paciente que pode se beneficiar desse transplante são os pacientes com diabetes melito do tipo 1 que já receberam um transplante de rim. Estes pacientes necessitam receber os medicamentos imunossupressores para evitar a rejeição do rim. Então o transplante de ilhotas pode ser realizado sem aumento significativo de risco para o paciente.
Quais são os resultados do transplante?
Os benefícios do procedimento são normalização da glicose, término das hipoglicemias, recuperação dos sintomas de hipoglicemia e melhora da qualidade de vida. Além disso, alguns estudos indicam que a normalização da glicose resultante do transplante ocasiona prevenção e/ou estabilização da retinopatia diabética, da doença renal e cardíaca. Em alguns pacientes é possível suspender a insulina após um único transplante, mas a maioria necessita de mais de uma infusão para atingir este objetivo. No entento, mesmo os pacientes que não ficam livres da insulina ou que ao longo do tempo necessitam reiniciá-la permanecem com benefícios do transplante, como necessidade de doses bem menores de insulina, estabilidade do controle da glicose, ausência de hipoglicemias graves e permanecem com melhora da qualidade de vida vários anos após o procedimento.
Onde este transplante é realizado?
Em diversos países, como Canadá e Suécia, o transplante de ilhotas é realizado como procedimento de rotina, sendo finaciado pelos respectivos sistemas de saúde. No Brasil, alguns transplantes foram realizados em São Paulo, mas atualmente nenhum Hospital está realizando este procedimento. O Hospital de Clínicas de Porto Alegre tem um laboratório equipado e uma equipe treinada para realizar o Isolamento de Ilhotas. O ínicio da realização dos transplantes depende de liberação de financiamento junto ao Ministério da Saúde.
Quais são os avanços esperados no futuro?
Diversos estudos vêm sendo realizados nos últimos anos com o objetivo de aprimorar os resultados do transplante de ilhotas, permitindo que mais pacientes obtenham os benefícios do transplante. O uso de medicamentos anti-rejeição com menos efeitos colaterais e de medicamentos “protetores” das ilhotas têm permitido a suspensão da insulina após um único transplante e que até 50% dos pacientes permaneçam sem insulina após 5 anos do procedimento. Além disso, estratégias para produzir “tolerância imunológica”, isto é impedir que o paciente reconheça o transplante como algo estranho ao organismo e o rejeite, ou o uso de células tronco do próprio paciente como fonte de células produtoras de insulina poderá, no futuro, permitir a realização do transplante sem a necessidade de uso de medicamentos anti-rejeição.
Dra. Cristiane Bauermann Leitão
Professora do Serviço de Endocrinologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, do Departamento de Medicina Interna e do Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas: Endocrinologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Dra. Andrea Carla Bauer
Professora do Serviço de Nefrologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Professora do Departmento de Medicina Interna e do Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas: Endocrinologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Dra. Daisy Crispim
Coordenadora do Laboratório de Biologia da Célula Beta e Isolamento de Ilhotas do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professora do Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas: Endocrinologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
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