sábado, 25 de maio de 2019

Como tratar a esteatose hepática (gordura no fígado) através da alimentação?

Hoje temos acesso a diversas tecnologias e comodidades. Internet, smartphones, aplicativos e... comida. É simples, é fácil pedir comida apetitosa em casa. Coloque o conforto do sofá e a praticidade do Netflix nessa conta e teremos um resultado desagradável – calorias demais + atividades físicas de menos = obesidade e doenças metabólicas. E a gordura em excesso não vai só pra debaixo da pele, não. Ela literalmente invade nossas vísceras. E o fígado é especialmente afetado.
Nos Estados Unidos, estima-se que uma em cada quatro pessoas tenha o diagnóstico de doença hepática gordurosa não alcoólica, isto é, fígado gorduroso de origem metabólica. A esteatose hepática quando não tratada pode ser causa tanto de cirrose e câncer no fígado como aumentar o risco de doenças cardíacas e vasculares. Logo, uma vez identificada, deve ser prontamente manejada.
Uma doença que pode ser causada por alimentação ruim, pode ser tratada com mudanças de hábitos. Isto é intuitivo, embora nem sempre seja simples de implementar. Abaixo, elenquei algumas das orientações alimentares mais importantes para ajudar no manejo da doença hepática gordurosa não alcoólica. Vamos a elas?


1- Reduzir calorias para perder peso.

Perder peso é o principal tratamento da esteatose hepática. Quando se perde 5 por cento do peso, o fígado já começa a “emagrecer”. Ao perder 7 por cento, as células lesionadas começam a melhorar. Com 10 por cento menos, a fibrose (processo de cicatrização desordenado que leva à cirrose) também melhora. Pra perder peso, é importante comer menos, reduzir calorias.

2- Optar por um padrão alimentar sustentável e saudável.

O que mais importa não é cortar carboidratos ou gorduras da alimentação, mas optar por um padrão alimentar que se consiga manter ao longo das semanas, meses e... anos. Pouco adianta uma dieta em que você emagrece vários quilos rapidamente para reganhar o peso perdido algum tempo depois. Opte por padrões alimentares saudáveis e sustentáveis.
Eu particularmente gosto bastante da dieta mediterrânea. Pra quem não está familiarizado, este padrão alimentar caracteriza-se por muitas hortaliças, grãos integrais, carnes brancas (peixes, especialmente), azeite de oliva, sementes oleaginosas e lácteos magros. Produtos prontos e altamente processados, carne vermelha e carboidratos refinados podem ser consumidos apenas muito eventualmente. Existem diversos estudos associando a dieta mediterrânea à melhora de disfunções metabólicas, entre elas o acúmulo de gordura no fígado, além de reduzir o risco de doenças cardiovasculares. Está aí um padrão alimentar no qual vale a pena investir!

3- Evitar refrigerantes, sucos e bebidas alcoólicas. Beber café.

Bebidas adoçadas são ricas em frutose. Este tipo de açúcar quando consumido em excesso pode contribuir para uma série de disfunções metabólicas. Alterações nos níveis de colesterol e triglicerídeosaumento dos níveis de glicose, resposta inflamatória sistêmica e... esteatose hepática estão entre elas.
O consumo excessivo de bebidas alcoólicas pode ser causa de danos hepáticos em qualquer pessoa. Isso é fato! Em um paciente com doença hepática gordurosa não alcoólica, existe a possibilidade de o álcool agravar ou acelerar o processo de lesão ao fígado.
Apesar te não termos estudos clínicos bem desenhados, evidências observacionais associam o consumo de café a um risco de cerca de 30 por cento menor de esteatose e fibrose hepática. Mas não vale por açúcar!

4- Evitar suplementos sem orientação médica.

Diversos estudos já avaliaram o uso de inúmeros suplementos. Vitamina E, ômega 3, resveratrol, probióticos, vitamina C, antocianinas... e a lista continua! Apenas a vitamina E mostrou certa eficácia em pacientes com evidência de esteato hepatite não alcoólica confirmada por biópsia, porém, com ressalvas quanto ao seu perfil de segurança a longo prazo. Ou seja, suplementos NÃO DEVEM ser usados sem avaliação médica criteriosa, pois existe possibilidade de poderem trazer mais prejuízos que benefícios à saúde – e ao bolso.

Resumindo, a doença hepática gordurosa não alcoólica exige mudança de hábitos. E profissionais de saúde qualificados, entre eles o endocrinologista, podem ajudar nas orientações, na motivação e no suporte ao paciente.

Referências:
1- Chalasani N et al. The Diagnosis and Management of Nonalcoholic Fatty Liver Disease: Practice Guidance From the American Association for the Study of Liver Diseases. Hepatology, vol. 67, no. 1, 2018.
2- Plauth M. ESPEN guideline on clinical nutrition in liver disease. Clin Nutr. 2019 Apr;38(2):485-521.

Vídeo: Como tratar o FÍGADO GORDUROSO através da alimentação?



Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Doutor e Mestre em Endocrinologia - UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Devemos tratar gestantes eutireoideas com anticorpos anti-TPO positivos?

Existe hoje uma grande preocupação acerca da necessidade de tratamento de gestantes que apresentam função tireoidiana normal, porém com anticorpos anti-TPO positivos. Sabemos que em torno de 2-17% das gestantes podem apresentar positividade para anticorpos, sejam eles anti-TPO ou anti-tireglobulina. A relevância desse tema se deve à associação desses anticorpos ao risco de desenvolvimentos de diversas complicações tanto maternas quanto fetais como aborto, parto pré-termo, morte perinatal, comprometimento motor e intelectual dos recém nascidos, além do desenvolvimento de hipotireoidismo clínico. A presença desses anticorpos poderia ser um “marcador” de desfechos adversos na gestação. Dados da literatura mostram que a positividade para o anti-TPO foi associado com 2x o aumento do risco de aborto. O mecanismo implicado reside no fato de que esses auto-anticorpos podem ser considerados como um marcador de disfunção auto-imune que, por si só, tem sido reconhecida por ser responsável pelo aumento de perda gestacional, além da associação com outras doenças auto-imunes e outros tipos de auto anticorpos.
 

Em 2006, Negro e colaboradores realizaram um ensaio clínico randomizado, na Itália, para avaliar se haveria algum benefício em tratar gestantes com função tireoidiana normal (nesse estudo as pacientes tinham valores de TSH de até 2,0 µUI/mL) com vistas a redução dessas complicações. No entanto, apesar de as pacientes tratadas terem apresentado menor taxa de aborto e parto prematuro, não foi provada relação causal entre o tratamento dessas gestantes com anticorpos positivos e a redução das complicações4. Mais tarde Nazarpour, em 2016, reproduziu esse estudo, porém só houve benefício de tratamento das gestantes que apresentavam TSH > 4,0 µUI/mL5. Alguns estudos que avaliaram relação entre positividade de anti-TPO e parto prematuro mostraram aumento da prevalência deste nessas gestantes, como no estudo de Ghafoor et al, porém outros estudos não mostraram associação. Da mesma forma, em relação à infertilidade há poucos dados que confirmem essa relação na literatura.
Mais recentemente, um ensaio clínico randomizado foi realizado no Reino Unido. As pacientes incluídas tinham história de um ou mais abortos prévios ou realização de tratamento para infertilidade, além de anticorpos anti TPO positivos. 476 mulheres eutireoideas receberam 50 μcg ao dia desde o período pré-concepcional até o parto, enquanto o mesmo número de mulheres recebeu placebo no mesmo período.  No entanto, não houve aumento da taxa de nascidos vivos após 34 semanas de gestação nas mulheres usando levotiroxina em comparação às que usaram placebo. Também não houve redução de desfechos neonatais adversos, incluindo aborto e parto pré-termo.
Em vista da ausência de dados que mostrem uma relação causal e o mecanismo correto de associação entre as gestantes com anticorpos positivos e as possíveis complicações, a ATA (Associação Americana de Tireoide) em 2017, apenas considerava o tratamento de gestantes que tinham história prévia de perda gestacional dado o possível benefício da levotiroxina em comparação aos seus riscos em mulheres que tenham anticorpos anti-TPO positivos. Ainda não há consenso na literatura para recomendar contra ou a favor o tratamento com levotiroxina para evitar parto prematuro ou infertilidade. No entanto, em vista do recente ECR publicado, controlado por placebo, é possível que as novas recomendações da ATA sofram mudanças.

Referências:
1- Alexander EK, Pearce EN, Brent G, et al. Guidelines of the American Thyroid Association for the diagnosis and management of thyroid disease during pregnancy and postpartum. Thyroid 2017; 27:315-89.
2- De Leo S, Pearce EN. Autoimmune thyroid disease during pregnancy. Lancet Diabetes Endocrinology, 2018 Jul;6 (7): 575-586.
3- Prummel MF, Wiersinga WM. Thyroid autoimmunity and miscarriage. Eur J Endocrinol. 2004 Jun;150(6):751-5.
4- Negro R, Formoso G. Levothyroxine Treatment in Euthyroid Pregnant Women with Autoimmune Thyroid Disease: Effects on Obstetrical Complications. J Clin Endocrinol Metab, July 2006; 91(7): 2587-2591.
5- Nazarpour S, Tehrani FR, Simbar M, Tohidi M. Effects of Levothyroxine treatment on pregnancy outcomes in pregnant women with Autoimmune Thyroid Disease. Eur J Endocrinology. 2017. Feb;176 (2): 253-265.
6- Dhillon-Smith K R, Middleton LJ, Sunner KK. Levothyroxine in Women with Thyroid Peroxidase Antibodies before Conception. N Engl J Med. 2019 Apr 4;380(14):1316-1325. 

Dra. Paola Tonin Carpeggiani
Médica
CREMERS 39.893
 
Dra. Maria José Borsatto Zanella
Médica Endocrinologista
CREMERS 15.365 - RQE 7.281