terça-feira, 23 de abril de 2019

Tratamentos que protegem os rins do paciente com diabetes tipo 2 - o que há de novo

O diabetes mellitus pode levar a diversas complicações. Entre as mais temidas está a doença renal crônica. Atualmente, a maioria dos pacientes em programas de diálise acabou nessa situação por conta do diabetes.
Depois de quase duas décadas sem grandes novidades, uma nova classe de medicamentos antidiabéticos começa a mostrar efeitos positivos na proteção renal: são os inibidores da SGLT2.


O primeiro grande estudo desenhado para avaliar especificamente o efeito de um inibidor da SGLT2 em pacientes diabéticos com alto risco de perda de função renal foi publicado em abril de 2019 no New England Journal of Medicine: o CREDENCE Trial. Para ser exato, 4401 indivíduos com diagnóstico de diabetes tipo 2 e disfunção renal (taxa de filtração glomerular entre 30 e 90 mL/min e relação albuminúria/creatininúria entre 300 e 5000 mg/g) foram sorteados para receber canagliflozina 100 mg (inibidor do SGLT2) ou placebo (comprimido sem efeito). Após cerca 2,62 anos, o estudo foi interrompido, pois o grupo recebendo o tratamento ativo estava tendo benefício considerado maior que o grupo controle. O risco de desfechos renais adversos (doença renal terminal, elevação de duas vezes na creatinina ou morte por causas renais) foi 34 por cento menor nos pacientes que usaram a canagliflozina. Foi preciso tratar 28 pacientes por 2 anos e meio para prevenir uma complicação renal grave. Além disso, houve menor incidência de complicações cardiovasculares (infarto do miocárdio, acidente vascular encefálico e, especialmente, internação por insuficiência cardíaca) com perfil de efeitos adversos considerado aceitável.
Os achados do estudo CREDENCE, de fato, são animadores. No entanto algumas ressalvas merecem ser feitas.
1- estudos interrompidos antes do tempo tendem a superestimar os achados benéficos. Existe possibilidade do medicamento não ser tão bom quanto parece.
2- a população estudada tinha alto risco para problemas renais. Logo, os achados não devem ser extrapolados para pacientes com baixo risco, especialmente com níveis menores de albuminúria.
3- do ponto de vista populacional, a estratégia merece ser avaliada quanto seu custo-efetividade, já que o medicamento ainda é caro.
Em resumo, o arsenal terapêutico contra o diabetes está ganhando uma nova arma muito útil especialmente para os pacientes que já apresentam danos nos rins.

Referência: 
1- Perkovic V et al. Canagliflozin and Renal Outcomes in Type 2 Diabetes and Nephropathy. NEJM.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Doutor e Mestre em Endocrinologia - UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

domingo, 21 de abril de 2019

O papel do endocrinologista na cirurgia da obesidade (bariátrica)

O estilo de vida atual caracterizado por alimentação inadequada, rica em produtos processados de alto valor calórico, e sedentarismo fez crescer o número de pessoas com excesso de peso. No Brasil, cerca de 10% da população possui índice de massa corpórea (IMC) maior ou igual a 30 kg/m2, ou seja, está obesa.
Entre as alternativas para o tratamento da obesidade, a cirurgia bariátrica tem sido cada vez mais usada. Este procedimento consiste em um conjunto de técnicas onde o trato gastrointestinal (estômago e intestino) é manipulado para restringir a quantidade de comida e/ou diminuir a absorção dos nutrientes tendo como objetivo a redução do peso.

Bypass gástrico em Y de Roux - um dos tipos de cirurgia bariátrica

De uma maneira geral, a cirurgia bariátrica pode ser indicada para pacientes com IMC maior ou igual a 40 kg/m2 ou IMC maior ou igual a 35 kg/m2 quando associado a outras doenças (diabetes mellitus tipo 2, apneia obstrutiva do sono, doenças articulares, entre outras) na falha do tratamento clínico.
Devido à complexidade da obesidade como doença, o sucesso do procedimento cirúrgico somente é garantido se o paciente for devidamente avaliado e acompanhado por equipe multidisciplinar. Fazem parte desta equipe: o cirurgião, o anestesista, o nutricionista, o psicólogo, o fisioterapeuta, o psiquiatra e o endocrinologista. Podem fazer parte também: o clínico geral, o educador físico, o gastroenterologista e o cardiologista.
O papel do endocrinologista consiste em verificar a indicação, afastar causas secundárias de obesidade, avaliar o paciente quanto à presença de complicações associadas à obesidade e acompanhar o paciente no pós-operatório para prevenir e tratar as possíveis complicações clínicas e nutricionais associadas tanto à cirurgia quanto à obesidade.
Entre as causas secundárias de excesso de peso estão doenças da tireoide e da glândula adrenal além de distúrbios hipotalâmicos. Estas doenças são investigadas pelo endocrinologista quando existe suspeita clínica.
Com relação às complicações associadas à obesidade, destacam-se: pressão alta, elevação do colesterol e triglicerídeos, diabetes mellitus, apneia do sono, artrose, gota e depósito de gordura no fígado (esteatose). Antes da cirurgia, todos estas condições devem ser devidamente avaliadas e manejadas, já que aumentam o risco cirúrgico. Após a cirurgia, com o emagrecimento, vários destas doenças podem melhorar, exigindo ajustes nas doses das medicações em uso.
Além disso, o endocrinologista solicita exames para avaliar a condição nutricional do paciente no pré-operatório e regularmente no pós-operatório. Estes exames são importantes, pois após a cirurgia podem ocorrer deficiências de nutrientes, mesmo com a suplementação sendo feita de rotina. Por exemplo: devem-se dosar no sangue os níveis de vitamina B12 e de vitamina D. A deficiência destas vitaminas após a cirurgia pode levar à anemia, doenças nos nervos, osteoporose e fraturas.
O acompanhamento médico com o endocrinologista também ajuda a evitar o reganho de peso após a cirurgia. Estudos recentes mostram que até metade dos pacientes que faz cirurgia bariátrica recupera cerca de 25% do peso perdido dentro de 10 anos. A educação continuada, a monitorização do peso e o tratamento medicamentoso, quando necessário, ajudam a evitar que a obesidade e as doenças a ela associada voltem.
Se você pretende fazer cirurgia bariátrica, agende uma consulta com o endocrinologista para iniciar seu acompanhamento, que deverá ser mantido por tempo indeterminado. A ansiedade pela cirurgia e pelos seus resultados é compreensível, mas não deve atrapalhar a avaliação, que é muito importante e não deve ser feita de maneira apressada. A cirurgia bariátrica não é milagrosa, mas funciona muito bem desde que a indicação, a avaliação e o seguimento sejam feitos corretamente.

Para saber mais: Resolução CFM número 2.131/2015

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
Doutor e Mestre em Endocrinologia - UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991