terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Hormônio da tireoide engorda?

Já não é a primeira vez que digo: "A internet é uma ótima fonte de informações, desde que se saiba filtrar o que é confiável". Entre tanta besteira que circula na rede, uma me chamou a atenção pelo tamanho do absurdo que advoga: hormônio de tireoide engorda. Antes de qualquer coisa, não, hormônio de tireoide não engorda. E também não deve ser usado como auxiliar no emagrecimento. Vamos entender o porquê...



Pacientes com hipotireoidismo, isto é, diminuição na produção do hormônio tireoidiano, costumam apresentar uma lentificação no metabolismo dos glicosaminoglicanos, substâncias encontradas em diferentes tecidos, especialmente sob a pele. Os glicosaminoglicanos ajudam a manter o turgor cutâneo retendo água, logo, com sua metabolização mais lenta, o paciente com hipotireoidismo acaba retendo mais líquido do que o normal, seu peso aumenta. Em alguns casos, a retenção de água chega a diluir e reduzir os níveis de sódio no sangue. O ganho de peso decorrente desse "inchaço" costuma ser pequeno: em torno de 3 quilos, assim como também é pequena a redução de peso quando o tratamento é iniciado. Logo, podemos concluir, que em grande parte dos casos, a culpa por grandes aumentos de peso NÃO é da tireoide, mas de hábitos inapropriados: alimentação errada e sedentarismo.
Apesar deste conhecimento científico estar consolidado há décadas, eis que surgem acusadores do "tratamento convencional". Segundo esta minoria, o culpado pelo ganho de peso no hipotireoidismo seria seu próprio tratamento! Ou melhor, no sódio presente no hormônio comercialmente disponível não só no Brasil como na maioria dos países do mundo: a levotiroxina sódica. E a solução para "desinchar" seria simples, usar fórmulas manipuladas sem sódio. Explicação equivocada, sensacionalista e perigosa à saúde!
Como explicado anteriormente, em grande parte dos casos, o hipotireoidismo nem é o real culpado pelo ganho de peso, mas sim um estilo de vida pouco saudável. A quantidade de sódio na levotiroxina sódica é insignificante e incapaz de causar qualquer tipo de retenção hídrica. Existem outras formas de levotiroxina disponíveis em outros países. As cápsulas de gelatina mostraram uma absorção superior aos comprimidos em casos específicos de pacientes com distúrbios da secreção gástrica. Já a forma líquida está disponível para a venda apenas na Itália com indicação semelhante as cápsulas gelatinosas.
Não é recomendada a manipulação da levotiroxina por ser considerada um medicamento com margem terapêutica estreita. Isto quer dizer que pequenas mudanças na dose, podem causar alterações grandes nos exames e no bem estar do paciente. A indústria farmacêutica procura tomar medidas para garantir a qualidade de suas levotiroxinas como uniformizar a procedência da matéria prima, produzir em local único e usar embalagens de duplo alumínio. Medicamentos com margem terapêutica estreita, especialmente em doses micronizadas (um micrograma é a milésima parte de um miligrama), podem não ser manipulados corretamente em farmácias. Além disso, o uso de lotes de diferentes fornecedores, qualquer erro de calibração no processo de manipulação ou mesmo o armazenamento em embalagens inapropriadas podem diminuir a qualidade e a eficácia da medicação. E isto torna muito difícil o ajuste da dose para cada caso.
Por fim, ao pesquisar sobre temas de saúde na internet de preferência a sites confiáveis, escritos por sociedades médicas e profissionais sérios. Sempre desconfie dos "donos da verdade" que se dizem inovadores, dão a entender que qualquer médico que não compactue com suas condutas absurdas seja um fracassado e invejoso. Não infrequentemente estes "profissionais" apresentam uma série de processos éticos e judiciais no "currículo" e se vitimizam por isso. Vender informações distorcidas em cursos de qualidade questionável é seu ganha-pão. E informação de qualidade não se vende. Se compartilha! Fica a dica.

Referências:
1 - Douglas S Ross. Treatment of hypothyroidism. UpToDate On Line.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

domingo, 11 de dezembro de 2016

Cedo demais - a puberdade precoce

Perguntas e respostas extraídas da entrevista: Transformação Antes da Hora, feita pelo jornalista Itamar Melo às endocrinologistas pediátricas Leila Cristina Pedroso de Paula e Marcia Khaled Puñales, publicada em 28 de Maio de 2016 no Caderno Vida do Jornal Zero Hora, RS.

Puberdade precoce, que pode atingir crianças muito pequenas, principalmente as meninas, exige acompanhamento especializado e informação da família.



Qual a idade normal para os primeiros sinais de puberdade no meu filho/ minha filha?
Atualmente, os manuais médicos estabelecem como dentro da normalidade o começo da puberdade a partir dos oito anos nas meninas e dos nove anos nos meninos. Nelas o marco inicial costuma ser o surgimento das mamas. Neles, o crescimento dos testículos.

Mas parece que tem sido comum a antecipação destes sinais, é verdade?
Há indícios de que são cada vez mais numerosos os casos em que a largada para o processo de amadurecimento se dá antes da idade considerada adequada, ainda que os dados não sejam muito precisos. Estudos norte-americanos apontam dados que podem ir de uma ocorrência de uma para cada mil até uma para cada 10 mil garotas. Na Dinamarca, a prevalência seria de um caso por grupo de 500 meninas, mas talvez inclua antecipações que não são consideradas doença e sim uma variação da normalidade. Entre os garotos a situação é bem menos frequente.

Quais são as causas da puberdade precoce?
Em algumas situações a ciência consegue determinar o que provocou a puberdade precoce, mas na maioria dos casos trata-se de um mistério - e um campo fértil para conjecturas. Entre meninas a causa é desconhecida em até 95% das ocorrências. Entre os meninos, nos quais o fenômeno é bem mais raro, o índice fica em torno de 50%. Os episódios em que a origem é identificada podem ter relação com a presença de tumores (benignos ou malignos) ou doenças (hiperplasia adrenal congênita, por exemplo) que ativam a produção de determinados hormônios antes do tempo. Nesses casos, a prioridade é combater a causa. 
Quando nenhuma motivação é identificada, diz-se que a puberdade precoce é idiopática. É como se tivéssemos um relógio dormente na hipófise, uma glândula situada na base do cérebro, com tempo certo para "despertar". Em determinado momento da vida, não se sabe exatamente por que, esse relógio é ativado e resolve despertar "fora de hora", mais cedo. A partir desse instante, a hipófise passa a liberar no sangue, em picos, os hormônios LH e FSH. Esses hormônios, por sua vez, estimulam as gônadas (os ovários nas meninas e os testículos nos meninos), levando a produção de estrógeno e testosterona, as substâncias que fazem crescer as mamas e os testículos. Esse é o processo que desencadeia a fase de amadurecimento sexual.

Ouvi falar que os agrotóxicos e os plásticos estão fazendo as crianças entrarem na puberdade mais cedo. É verdade?
Pouco mais de um século e meio atrás as meninas tinham a sua primeira menstruação, conhecida como menarca, com uma média de 17 anos. A idade foi caindo com o passar do tempo e, hoje, está na faixa dos 12 anos. Sabe-se que o começo da puberdade pode ser influenciado por fatores genéticos, psicológicos e ambientais. Entre esses últimos, estão as condições socioeconômicas, o estado de saúde, a nutrição e mesmo a altitude. A raça também tem peso: meninas afrodescendentes entram na puberdade mais cedo do que as caucasianas. Além disso, está documentado que a puberdade tende a vir mais cedo em meninas cujas mães menstruaram com menor idade ou que tem história de puberdade precoce na família paterna, nas que tinham baixo peso ao nascer ou que sofreram de obesidade na infância.
Uma das hipóteses da antecipação atual, mesmo sem modificações adicionais socioeconômicas, do estado de saúde e da nutrição, diz respeito ao contato com os chamados desreguladores endócrinos, substâncias com capacidade para alterar o funcionamento do sistema endócrino-hormonal. Um dos desreguladores suspeitos é o bisfenol A, presente em diversos plásticos e embalagens. Em 2011, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) proibiu a presença desta substância nas mamadeiras, pelo risco que representa para as crianças. Também há desreguladores na soja, mas o entendimento é que seria necessário o consumo regular de uma grande quantidade da oleaginosa para que um efeito negativo pudesse ser provocado. Também se acredita que a precocidade possa estar relacionada a um efeito aditivo de hormônios presentes no frango ou em substâncias parecidas com o estrógeno existentes em pesticidas agrícolas. No Brasil isto não é levado tão a sério, mas há países em que uma série de substâncias estão proibidas. Vários não permitem o bisfenol A em todos os plásticos e brinquedos, enquanto aqui está presente em muitos produtos, como a parte interna de algumas latas de refrigerante e de outras embalagens.

Minha filha começou com mamas antes dos oito anos de idade. Preciso me preocupar com isto?
Em alguns casos o surgimento de mamas antes dos oito anos pode ser uma variação dentro da normalidade, e não exige tratamento, mas em qualquer situação exige avaliação criteriosa por um médico. Esta variação da normalidade ocorre principalmente na menina pouco antes doa 8 anos e também no primeiro e segundo ano de vida, quando ela passa por uma fase que chamamos de mini-puberdade. Nos primeiros anos de vida pode haver um estímulo hormonal capaz de aumentar mamas, com regressão posterior, caso realmente não seja associado a uma doença.
Mas, em outros casos, no entanto, entra na classificação de puberdade precoce - e requer atenção, primeiro porque pode ser causada por alguma condição séria de saúde, mas também porque pode trazer complicações no futuro. A mais notável é a baixa estatura, mas há trabalhos apontando para outros problemas.
De acordo com um artigo publicado na revista médica The Lancet pelos brasileiros Ana Claudia Latronico e Vinicius Nahime Brito e pelo francês Jean Claude Carel, a puberdade precoce também estaria associada a risco maior de obesidade, hipertensão, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, acidente vascular cerebral e certos tipos de câncer - o que é atribuído à exposição precoce ao hormônio estrógeno.

Tenho sobrinhos gêmeos, uma menina e um menino, e ambos começaram com cheirinho embaixo do braço, uns cravinhos e agora, com 6 anos e 10 meses, começaram com pelinhos. Isso é puberdade precoce?
Pode ser ou não. Alguns anos antes da época em que ocorre a ativação do eixo que envolve a hipófise, a glândula adrenal (ou suprarrenal) começa a secretar os hormônios andrógenos, também relacionados ao amadurecimento sexual. Essa ocorrência é chamada de adrenarca. Na maioria das crianças isto não provoca nenhum tipo de manifestação clínica, entretanto em algumas pode ser responsável pelo odor nas axilas, pelo aumento da oleosidade da pele, acne, cravos e aparecimento de pelos. Quando os pelos aparecem antes do tempo (8 anos nas meninas e 9 anos nos meninos) isto é considerado precoce e pode estar relacionado com doenças tratáveis e potencialmente sérias, como um tumor adrenal ou um mal funcionamento adrenal conhecido como hiperplasia suprarrenal congênita. Nesta situação também precisa de uma avaliação cuidadosa de um médico. Mas felizmente, na maioria das vezes, estas manifestações quando após os 6 anos são uma variação da adrenarca normal, mais intensa, que não necessita ser tratada, apenas avaliada e acompanhada.

E as consequências da puberdade precoce são apenas físicas, ou são também psíquicas?
O trabalho dos brasileiros citado anteriormente descreve ainda evidências segundo as quais as crianças com puberdade precoce teriam mais probabilidade de apresentar distúrbios psicológicos na vida adulta. Mas é principalmente na infância que os problemas psicossociais se acentuam. As mudanças físicas em uma criança ainda pequena podem gerar constrangimento em ambientes como a escola. E os efeitos dos hormônios tendem a ser devastadores no campo emocional. Se já é difícil para um adolescente com a idade normal, imagina para uma criança em que ocorre precocemente - ela não sabe como lidar! Sem falar que uma menina de 8 anos que já menstrua sequer tem a maturidade para todos os cuidados de higiene que isso acarreta.

Como assim baixa estatura? Minha filha é a mais alta da sua classe, existe algo que leve  àconclusão do crescimento quando termina a puberdade?
Nem sempre uma criança alta vai ser um adulto alto. Um dito bastante conhecido entre as mulheres dá conta de que, depois da primeira menstruação, não se cresce mais. Não é exatamente assim, mas há uma certa dose de verdade na afirmação. O aumento de estatura está relacionado fortemente ao processo de amadurecimento sexual. Quando este ocorre, meninas e meninos ainda crescem uns poucos centímetros - e era isso. Essa é uma das principais razões para que a puberdade precoce gere preocupação - quando esta etapa é vivida cedo demais, deixa-se de crescer com pouca idade. O resultado final são pessoas de estatura baixa. As pessoas crescem a partir de uma parte dos ossos chamada de cartilagem de crescimento. Os hormônios sexuais que se elevam nesta fase inicialmente estimulam a liberação de hormônio de crescimento, provocando o famoso “estirão” ou esticada no crescimento. Mas depois estes hormônios atuam nos ossos promovendo o “fechamento das cartilagens de crescimento” (ou ossificação das epífises ósseas). Como só crescemos através destas cartilagens, uma vez que elas estão fechadas (ou quase) há pouco crescimento adicional. Um exame simples chamado Raio X de mão e punho para avaliação da idade óssea define com maior exatidão como estão estas cartilagens e qual a “idade do osso”. Isto é importante porque a idade do osso nem sempre é igual à idade da pessoa e crescemos conforme a nossa idade do osso e não a nossa idade real.

Mas existe tratamento para a puberdade precoce?
Quando se procura ajuda, há um tratamento muito eficaz à disposição. No caso da puberdade precoce clássica (a central), ele consiste de injeções, mensais ou trimestrais, que fazem o processo regredir. Esta mesma medicação funciona como um freio no desenvolvimento do esqueleto, melhorando a estatura destas crianças. A expectativa é manter o tratamento até por volta dos 12 anos de idade óssea e após suspender as injeções, liberando o corpo para desenvolver-se - desta vez, na hora certa.

Finalmente, seria interessante fazer um alerta sobre o que é importante
- Aumento de mamas, testículos e aparecimento de pelos em meninas antes dos 8 anos e em meninos antes dos 9 anos deve ser avaliado.
- Pode ser normal ou não.
- Existe tratamento.
- O uso da medicação para o bloqueio da puberdade em crianças apenas deve ser prescrito por médico especialista e acompanhado regularmente para avaliar os efeitos na velocidade de crescimento, no bloqueio da puberdade em si e na possibilidade de efeitos colaterais.
Usualmente este tipo de tratamento pode provocar apenas efeitos colaterais locais, como dor no local da aplicação que é intramuscular.
- Muitas vezes o menino não é levado na consulta, porque considera-se como sinal de virilidade os sinais puberais precoces e são justamente os meninos o grupo de maior risco de doenças graves associadas e pior desempenho social posterior com o comprometimento da estatura.

Dra. Leila Cristina Pedroso de Paula
Médica Endocrinologista
CREMERS 21.561 - RQE 16.615

Dra. Márcia Khaled Puñales
Médica Endocrinologista
CREMERS 21.400 - RQE 20.999

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Medo irracional de estatinas - um desserviço à saúde

The Lancet publicou recentemente uma análise aprofundada sobre o benefício do uso das estatinas no manejo dos distúrbios do colesterol e na prevenção de doença cardiovascular e morte por doença cardiovascular. Demonstra de maneira detalhada quem são as pessoas que mais se beneficiam, as que não se beneficiam e explica de uma maneira clara que tem havido uma preocupação exacerbada por profissionais da saúde, incluindo muitos médicos, a respeito da segurança de uso dessa medicação.



Tenho percebido profissionais que defendem que as estatinas fazem mal para a saúde e que defendem a sua substituição por dietas que inventam sem nenhuma base científica ou com uma base científica totalmente distorcida. Faz mal para a saúde não usar estatina para quem tem uma real indicação de uso dessa medicação junto com uma dieta saudável e baseada em evidências científicas sólidas. De maneira nenhuma se quer substituir dietas por estatinas.
Tenho recebido pacientes de altíssimo risco cardiovascular com ou sem doença cardiovascular estabelecida, níveis elevadíssimos de colesterol e triglicerídeos e diabetes tendo seus tratamentos com estatinas suspenso por estes profissionais. Muitas pessoas podem ter prejuízo para sua saúde com tal decisão. Recomendo que profissionais sérios e que tenham experiência sejam consultados para uma segunda opinião quando houver este tipo de situação. Os pacientes podem receber informações de profissionais altamente capacitados no manejo do colesterol. Os sites da Sociedade Brasileira de Diabetes (www.diabetes.org.br) e da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (www.endocrino.org.br) são uma excelente fonte para procurar profissionais da área da Endocrinologia e Metabologia em sua cidade ou próximo dela. Nesses sites há diretórios com profissionais cadastrados em cada estado do Brasil. A Endocrinologia e Metabologia é uma das especialidades médicas que se dedica ao estudo do colesterol, da aterosclerose e prevenção de doença cardiovascular. Cardiologistas e Clínicos Gerais também possuem excelente treinamento no manejo desse tipo de problema.
É crescente e preocupante a defesa de terapias alternativas em substituição a terapias consolidadas e que apresentam claro benefício e daquelas inventadas sem nenhuma base científica para manejo dos distúrbios do colesterol, do diabetes e da obesidade. Espero que isto sirva de alerta e reflexão do público.


Dr. Fernando Gerchman
Médico Endocrinologista
Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
CREMERS 22.773
RQE 15.235