terça-feira, 31 de julho de 2018

Tomar suplemento de ômega 3 protege o coração?

O ômega 3 é encontrado em peixes e oleaginosas. Devido ao seu efeito na redução de triglicerídeos, alguns estudos investigaram seu uso para redução de eventos cardiovasculares. Os resultados desses estudos foram controversos, alguns mostrando benefício e outros não.


Uma recente revisão realizada pela Cochrane, uma instituição sem fins lucrativos dedicada à pesquisa, colocou um ponto final nesta dúvida. Foram analisados 79 estudos com total de 112.059 adultos, com risco cardiovascular diverso. A maioria dos estudos utilizava suplementação em cápsulas, enquanto alguns, comidas enriquecidas com ômega 3 ou recomendação de aumento do consumo alimentar. Os estudos compararam dieta rica em ômega 3 versus dieta pobre ou usual. A conclusão do estudo foi que o aumento do consumo de ômega 3 pelo óleo de peixe possui pouco ou nenhum benefício em morte ou eventos cardiovasculares.
É claro que isso não significa que ter uma alimentação equilibrada não seja importante e sim que a suplementação de ômega 3 por si só não consegue reduzir risco de eventos cardiovasculares de forma importante. Não devemos esquecer, no entanto, que podem existir indicações para o uso de ômega 3, como em alguns casos do tratamento do excesso de triglicerídeos. Portanto, o importante é consultar com um endocrinologista ou cardiologista antes de iniciar qualquer suplementação.
A máxima, exercício físico regular e alimentação saudável, continua sendo o melhor caminho para um coração saudável. Não precisamos necessariamente suplementar com ômega 3.

Referências:
1. Abdelhamid AS et al. Omega-3 fatty acids for the primary and secundary prevention of cardiovascular disease.  Cochrane Database Syst Rev. 2018
2. Rizos EC et al. Association between omega-3 fatty acid supplementation and risk of major cardiovascular disease events.  JAMA 2012.

Dra. Vanessa Lopes Preto de Oliveira
Médica Endocrinologista
CREMERS 32187 - RQE 26842

segunda-feira, 30 de julho de 2018

Riscos do consumo de álcool após a cirurgia bariátrica


Problemas com o álcool podem ocorrer entre 10 a 20% dos pacientes submetidos à cirurgia bariátrica.
Alguns estudos sugerem que a cirurgia bariátrica possa aumentar o risco de transtornos com o álcool (uso abusivo e dependência) por alterar o metabolismo do álcool após o procedimento. De fato, muitos pacientes referem maior sensibilidade ou menor tolerância aos efeitos do álcool após a cirurgia. Isso porque a cirurgia bariátrica, em especial o bypass gástrico ou cirurgia de desvio do trânsito intestinal, aumenta a absorção do etanol após a sua ingestão, elevando rapidamente a sua concentração na corrente sanguínea. Dessa forma, os pacientes manifestam mais facilmente os sinais de embriaguez durante e logo após o consumo.
O risco de transtornos com o álcool é maior especialmente entre indivíduos mais jovens com histórico de problemas com o álcool ou outras drogas de abuso antes da cirurgia. Além disso, a presença de problemas psiquiátricos, especialmente depressão, transtorno de ansiedade e de compulsão alimentar e uma história familiar de dependência são fatores de risco adicionais.
Conforme um estudo realizado em mulheres submetidas ao bypass gástrico, o pico de concentração do álcool na corrente sanguínea foi aproximadamente 2 vezes maior assim como os sinais de embriaguez em relação ao grupo de mulheres controles (sem terem sido submetidas à cirurgia). Neste mesmo experimento, o pico de concentração de álcool após a ingestão de 2 drinks excedeu o limite considerado pelo Instituto Nacional sobre Abuso de Álcool e Alcoolismo como critério para consumo excessivo de álcool.
Os estudos sobre a farmacocinética do álcool após a cirurgia para a perda de peso, especialmente o bypass gástrico, demonstram que tanto o pico de concentração, quanto a velocidade para que ocorra este pico são maiores após a cirurgia. Ainda, o tempo de retorno ao estado sóbrio é maior nestes indivíduos. Estas alterações, em conjunto, tornam estes mais suscetíveis aos efeitos danosos do álcool, mesmo após uma ingestão de doses consideradas seguras para indivíduos não submetidos ao procedimento.
Portanto, este é um assunto de extrema relevância que deve ser debatido com todos os pacientes que estão considerando a cirurgia bariátrica como uma opção para o manejo do peso! Apesar de considerada a opção mais efetiva no longo prazo para controle do peso entre indivíduos com obesidade grave, a cirurgia oferece riscos que precisam ser claramente expostos ao paciente. O rastreamento sobre o consumo de álcool e de outras drogas deve ser ativo e, independentemente do histórico de consumo, os pacientes devem ser instruídos sobre os efeitos potenciais da cirurgia bariátrica sobre o risco de transtornos com o álcool. 

Referências:
1. Problematic Alcohol Use and Associated Characteristics Following Bariatric Surgery. Obes Surg 2018 May;28(5):1248-1254.
2. Alcohol and other substance use after bariatric surgery: prospective evidence from a US multicenter cohort study. Surg Obes Relat Dis. 2017;1392–1402.
3. Effect of Roux-en-Y Gastric Bypass Surgery: Converting 2 Alcoholic Drinks to 4. JAMA Surg 2015 Nov;150(11):1096-8.
4. Prevalence of alcohol use disorders before and after bariatric surgery. JAMA 2012 Jun 20; 307(23): 2516-25.

Dra. Milene Moehlecke
Médica Endocrinologista
CREMERS 33.068 - RQE 25.181

domingo, 8 de julho de 2018

O transplante de fezes ainda não é um tratamento viável para o diabetes

No dia 6 de julho de 2018, o jornal Zero Hora publicou a reportagem O cocô pode salvar vidas: saiba o que é o transplante de fezes. Segundo o texto, “Porto Alegre sediou o primeiro transplante fecal da América Latina para o tratamento do diabetes”. A pessoa que se submeteu ao transplante, médico neurologista e professor universitário, disse que queria “provar a segurança do procedimento e demonstrar a dinâmica disso para que pudesse ser oferecido a pacientes de casos extremos”. Em outro trecho, o profissional disse que seu “perfil glicêmico melhorou significativamente nas primeiras horas” e que seu “sono nos dois últimos dias estava quase normal”. A maneira como o texto foi escrito, aliado ao grande entusiasmo do médico que se submeteu a experiência, pode gerar confusão no público leigo. A seguir esclarecemos alguns pontos sobre o uso do transplante de fezes para o tratamento do diabetes.

Imagem da reportagem de Zero Hora sobre transplante de fezes

1- Existem evidências de que o transplante do microbiota fecal possa ser usado para o tratamento do diabetes?
É verdade que existem estudos sobre a manipulação das bactérias que habitam nosso intestino possa ser alvo terapêutico em doenças metabólicas como o diabetes. No entanto, quase totalidade destas pesquisas são em modelos animais (ratos). Para o tratamento de doenças metabólicas, existem pouquíssimos estudos em humanos publicados até hoje. Um deles contou com apenas 18 participantes e teve apenas 6 semanas de duração. Pacientes obesos que receberam transplante fecal de indivíduos magros apresentaram melhor sensibilidade periférica a insulina comparados ao grupo controle. E só! O mesmo grupo de pesquisadores avaliou esta estratégia em 38 homens obesos, desta vez por 18 semanas. Aumentando o tempo de observação, percebeu-se que a melhora na sensibilidade à insulina foi apenas transitória, em outras palavras, o efeito do tratamento é fugaz. Estes achados podem ser considerados como geradores de hipóteses, isto é, precisam de estudos maiores para poder comprovar eficácia e benefício a longo prazo. Além disso, até o momentos, não há relatos de melhora na qualidade de vida ou melhora do sono. Outros achados importantes como prevenção de complicações típicas do diabetes como doença do fundo do olho, doença renal ou doenças do coração também não podem ser avaliados em estudos pequenos e de curta duração.

2- Como se prova segurança e eficácia de um tratamento?
Ao contrário do que a reportagem possa sugerir, o fato da técnica ser relativamente simples e ter dado certo em um único caso, não significa que o procedimento seja seguro ou eficaz. A maneira cientificamente correta de fazer esta avaliação é através de estudos randomizados em número suficientemente grande de pacientes seguidos por tempo suficientemente longo para poder avaliar se o tratamento de fato funciona e de fato não faz mal. Só comparando dois grupos - um exposto e outro não exposto ao tratamento – sorteados de maneira aleatória, conseguimos calcular se o efeito positivo de um tratamento é de fato real e não foi causado por outros motivos. No caso da reportagem, a melhora referida pelo médico poderia ter acontecidos pelo preparo do intestino, mudança na alimentação ou nas atividades diárias, ou por outro fator desconhecido e não aferido.

3- O transplante de fezes pode ser oferecido como opção terapêutica a “pacientes de casos extremos”?
Fora do ambiente de pesquisa devidamente regulado por um Comitê de Ética, o transplante fecal ainda NÃO é opção para o tratamento de doenças metabólicas. Oferecer procedimento experimental, isto é, sem comprovação científica robusta é no mínimo eticamente reprovável, já que pode confundir pessoas fragilizadas por uma doença crônica e induzi-las a se submeterem a tratamento sem garantia de eficácia e de segurança.

Referências:
1 - Vrieze A, Van Nood E, Holleman F, Salojärvi J, Kootte RS, Bartelsman JF, Dallinga-Thie GM, Ackermans MT, Serlie MJ, Oozeer R, Derrien M, Druesne A, Van Hylckama Vlieg JE, Bloks VW, Groen AK, Heilig HG, Zoetendal EG, Stroes ES, de Vos WM, Hoekstra JB, Nieuwdorp M. Transfer of intestinal microbiota from lean donors increases insulin sensitivity in individuals with metabolic syndrome. Gastroenterology. 2012 Oct;143(4):913-6.e7. doi: 10.1053/j.gastro.2012.06.031. Epub 2012 Jun 20.
2 - Kootte RS, Levin E, Salojärvi J, Smits LP, Hartstra AV, Udayappan SD, Hermes G, Bouter KE, Koopen AM, Holst JJ, Knop FK, Blaak EE, Zhao J, Smidt H, Harms AC, Hankemeijer T, Bergman JJGHM, Romijn HA, Schaap FG, Olde Damink SWM, Ackermans MT, Dallinga-Thie GM, Zoetendal E, de Vos WM, Serlie MJ, Stroes ESG, Groen AK, Nieuwdorp M. Improvement of Insulin Sensitivity after Lean Donor Feces in Metabolic Syndrome Is Driven by Baseline Intestinal Microbiota Composition. Cell Metab. 2017 Oct 3;26(4):611-619.e6. doi: 10.1016/j.cmet.2017.09.008.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

Dr. Rafael Selbach Scheffel
Médico Endocrinologista
CREMERS 30.011 - RQE 19.512