segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Por que a obesidade é uma doença?

Antes de ler este texto gostaria que todos compreendessem que nós, endocrinologistas, não estamos preocupados somente com a estética dos nossos pacientes, mas principalmente com as consequências da obesidade para a saúde em geral. A obesidade, para nós, é uma preocupação legítima com a saúde, ao invés de uma preocupação puramente estética ou de estilo de vida.



Até pouco tempo, a fome e a desnutrição eram priorizadas como problema de saúde pública. Atualmente, com o reconhecimento de que a obesidade  é uma doença e responsável pelo aumento da prevalência de  inúmeras doenças crônicas, o foco foi alterado.
Mas, por que a obesidade é uma doença? Primeiro, porque é uma condição que prejudica o funcionamento normal do nosso organismo. E, desta forma, é importante que se saiba que o aumento da gordura corporal promove disfunção metabólica, biomecânica, psicossocial e altera a percepção da sensação de fome e saciedade.  
A fisiopatologia da obesidade é ampla, variando de acordo com a causa do ganho de peso. Não existe apenas um tipo ou apenas uma causa de obesidade.
A obesidade está relacionada com o surgimento de diversas doenças crônicas, como diabetes, osteoartrite, gota, esteatose hepática, doença renal crônica, doença cardiovascular, apneia do sono, dislipidemia, trombose venosa e diversos tipos de câncer, sendo hoje o segundo maior fator de risco de câncer, ficando atrás, apenas do tabagismo! Isso, sem mencionar o prejuízo psicossocial, como a estigmatização e a depressão. 
Ao contrário do que foi publicado na edição do dia 2 de dezembro do Jornal Zero Hora, a obesidade é, sim, uma causa de diabetes tipo 2 – sendo que mais de 80% dos casos estão diretamente relacionados ao excesso de peso. Diversas pesquisas têm demonstrado que fatores genéticos, biológicos e ambientais desempenham um importante papel na obesidade e na sua resistência ao tratamento. Em 2013, a Associação Médica Americana reconheceu a obesidade como uma doença, o que possibilitou que fossem feitos progressos em direção à prevenção e tratamento desta condição, embora ainda estejamos muito longe do almejado.
Hoje, cinco anos após este posicionamento, ainda persistem discussões sobre o fato da obesidade ser ou não uma doença. Mas, por quê? 
Para uns, o fato de a obesidade ser considerada doença anularia a importância da alimentação adequada e da atividade física e poderia permitir que indivíduos obesos “fugissem” da responsabilidade do seu tratamento. 
Para outros, classificar a obesidade como doença possibilitaria que mais pesquisas na área fossem realizadas, que se articulassem tratamentos mais efetivos e que se aumentassem os recursos para perda de peso. E, neste sentido, em maio de 2017, a  Federação Mundial de Obesidade (WOF) argumentou que “o diagnóstico precoce e o tratamento da obesidade na infância pode ser uma medida semelhante, em termos de saúde pública, à da VACINAÇÃO” – prevenindo doenças através de uma política proativa. 
Mas, para que estratégias efetivas de prevenção possam ser adotadas,  primeiramente, a obesidade precisa ser reconhecida como uma doença.
A adoção de políticas públicas que ajudem na prevenção e tratamento da obesidade podem mudar o curso dessa história. Assim como as doenças infecciosas têm sido efetivamente controladas com medidas ambientais como o saneamento básico – a obesidade pode ser controlada com medidas que reduzam o excesso  de seus agentes causadores – como os alimentos ricos em açúcar, por exemplo. Tais mudanças exigirão a colaboração do governo (regulação da indústria alimentícia, implementação de impostos, construção de ambientes que estimulem a atividade física como, por exemplo, ciclovias), participação ativa dos profissionais de saúde, e por que não, veículos de divulgação de informações em massa como jornais e revistas?
Depois de tudo o que se falou sobre a obesidade, podemos afirmar que não é necessário que todos se filiem aos padrões de beleza atuais para se tornarem saudáveis. Aceitar o corpo é louvável, mas compreender os riscos associados ao excesso de peso é fundamental!

Referências:
1. Regarding Obesity as a Disease: Evolving Policies and Their Implications 
2. Should we officially recognise obesity as a disease? Editorial. The Lancet Diabetes & Endocrinology.
3. Why Is Obesity a Disease? Obesity Medicine Association. 

Dra. Luciana Dornelles Sampaio Peres
Médica Endocrinologista
CREMERS 34.995 - RQE 29.637