sábado, 23 de junho de 2018

Hipotireoidismo durante a gravidez – quando e como fazer a avaliação

hipotireoidismo durante a gravidez aumenta o risco para uma série de complicações, entre elas:
- pressão alta e pré-eclâmpsia;
- descolamento de placenta;
- parto prematuro;
- baixo peso ao nascer;
- aumento nas taxas de parto por cesariana;
- hemorragia após o parto;
- mortalidade neonatal;
- problemas no desenvolvimento neurocognitivo do bebê.


Hoje, os exames para avaliar o funcionamento adequado da tireoide são amplamente disponíveis e acessíveis. Logo, existe interesse crescente em avaliar mulheres grávidas com vistas a prevenir as complicações acima descritas.
No entanto, a prática conhecida como “rastreamento universal”, isto é, fazer exames de tireoide em toda mulher grávida, ainda é controversa.
Muitos obstetras e endocrinologistas preferem indicar a avaliação da função tireoidiana quanto existe suspeita de que algo possa estar errado – rastreamento em grupos de alto risco.

As mulheres que se enquadram em qualquer um dos itens abaixo são candidatas aos exames de tireoide:
sintomas de hipotireoidismo - alguns como cansaço, ganho de peso e intestino preso podem ser confundidos com sintomas da própria gravidez;
- história familiar ou pessoal de doença na tireoide;
- história de anticorpos anti-TPO elevados;
- presença de bócio (aumento da tireoide);
- idade maior que 30 anos;
- diabetes tipo 1;
- história de radioterapia na cabeça ou pescoço;
- história de perda fetal ou parto prematuro;
- duas ou mais gestações prévias;
- infertilidade;
- uso recente de amiodarona, lítio ou exames contrastados.

O motivo da controvérsia é que a estratégia de fazer exame apenas nas gestantes de alto risco deixa de detectar até 30 por cento dos casos de hipotireoidismo. Por outro lado, os estudos que testaram o rastreamento universal não evidenciaram menor risco de complicações obstétricas com esta abordagem.

As gestantes candidatas à avaliação devem dosar o TSH no primeiro trimestre.
1- Se o TSH estiver entre o limite inferior trimestre específico da normalidade para o exame e 2,5 mUI/L, a maioria das mulheres não precisará de avaliação complementar. Exceções são as mulheres com anti-TPO positivo, história de tratamento com iodo radioativo, de cirurgia na tireoide ou radioterapia na cabeça ou pescoço. Estas merecem ser reavaliadas a cada trimestre da gestação.
2- Se o TSH for maior que 2,5 mUI/L, o anti-TPO também precisa ser avaliado. Se o anticorpo for positivo, o tratamento com hormônio tireoidiano pode ajudar a prevenir complicações.
3- Se o TSH for maior que o limite superior trimestre específico da normalidade para o exame, o T4 livre deve ser avaliado para estimar o grau do hipotireoidismo e definir a melhor forma de tratamento.

Com estes resultados em mãos, o endocrinologista avalia a necessidade de tratamento, calcula a dose mais apropriada da reposição hormonal e planeja o seguimento.

Fonte: Ross DS. Hypothyroidism during pregnancy: Clinical manifestations, diagnosis, and treatment. UpToDate.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Doutor em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Testosterona em mulheres não é empoderamento

“Minha dosagem de testosterona veio baixa. Devo ou não repor testosterona?” Essa é uma dúvida comum em mulheres que estão em menopausa, mas também cada vez mais frequente em mulheres saudáveis de 20 a 50 anos. Uma mulher de 40-50 anos precisa realmente usar testosterona? E aquelas em menopausa, tem algum benefício? Vamos tentar esclarecer.


* A mulher produz testosterona nos ovários e nas supra-renais e é normal que essa produção vá reduzindo com o passar dos anos. Isso não significa doença e tampouco deve ser motivo para se pensar em reposição de testosterona. Usar testosterona para “ter os níveis de uma mulher mais jovem” é uma enganação sem nenhum fundamento racional ou científico.
* O exame de testosterona foi feito a partir de estudos em homens, onde melhor funciona (embora ainda com muitas limitações técnicas). O exame não mede com exatidão quando os níveis de testosterona são muito baixos, como obviamente é o caso das mulheres. Isso quer dizer que para mulheres a medida da testosterona não é precisa e é sujeita a erro e a muita variação. Os níveis de testosterona variam com a alimentação, com o horário do dia e com as variações hormonais do ciclo de ovulação e menstrual. Todas essas variáveis interferem no resultado do exame de testosterona, muitas vezes dando ideia de estar baixo demais quando na verdade não está. Da mesma forma, o uso de anticoncepcionais sempre vai alterar os resultados da medida da testosterona. Não há indicação de dosar a testosterona se você está usando anticoncepcional! Vale a pena salientar que dosagens de testosterona na saliva ainda estão em teste e não são confiáveis para diagnóstico.
* É óbvio que uma mulher que receba testosterona vai se sentir melhor, pois está recebendo um hormônio caracteristicamente masculino, altamente anabolizante e estimulante e que costuma ser baixo no seu organismo. Vai torna-la mais ativa, com mais libido e com maior facilidade para ganhar massa muscular. Em contrapartida, os efeitos colaterais vão acontecer, como pele oleosa, acne, queda de cabelo, maior quantidade de pelos corporais, comportamento agressivo, voz masculinizada, aumento do gogó, parada da menstruação, infertilidade, aumento do colesterol ruim e redução do colesterol bom, aumento dos glóbulos vermelhos, hepatite medicamentosa, maior risco de trombose, AVC (isquemia ou derrame), maior risco de arritmia e infarto do coração, maior risco de câncer de mama e útero.
*O potencial de dependência ao uso de testosterona é alto, pois ao parar de usar o hormônio a mulher perde os seus efeitos e tem uma tendência a sempre querer voltar. O problema que é um hormônio masculino e a sua segurança a longo prazo em mulheres não foi testada.
* Em mulheres na menopausa ou que foram submetidas a retirada dos ovários, o uso de qualquer testosterona é considerado fora de bula, ou seja, fora da indicação padrão do produto, pois não estudos de longo -prazo que garantam a sua eficácia e principalmente segurança. O seu uso para aumentar o desejo sexual é questionável. Deve ser discutido individualmente, pesando riscos e benefícios, pois não funciona para todos os casos. Jamais deve se usar em mulheres antes da menopausa.
*Não existe uma dose correta ou segura de testosterona para ser usada em mulheres. Portanto, usar gel, creme ou adesivo não garante que você está usando uma dose baixa. Nem quando é manipulada. O uso dos implantes hormonais (pellets), hoje muito na moda, na minha opinião não são uma boa escolha, pois não há como você controlar a quantidade do hormônio liberado mesmo que quem implante diga que o bastão é em “micro-dose” ou “em dose feminina”. O uso de testosterona injetável em mulheres somente é aceito em terapia de modificação de gênero, com intuito de virilização.
* O termo “bio-idêntico” é uma fachada para sugerir que a testosterona que você está recebendo é mais segura, mais natural, mais pura do que outra determinada marca. Não é verdade. Toda testosterona disponível, seja comercial ou manipulada, tem características muito semelhantes á nossa testosterona natural. Ser “bio-idêntico” não garante nada.
Como escrevi no post sobre uso de testosterona em homens, existe um grande mercado que se beneficia da venda de testosterona, incluindo indústria farmacêutica, farmácias de manipulação, médicos, dentistas e outros profissionais da área de saúde. O argumento que ouvi ontem de que “usar testosterona é empoderar a mulher” me fez refletir muito o quanto os nossos valores e objetivos estão distorcidos. Discordo completamente, pois usar testosterona é fazê-la falsamente parecida com o homem nos seus traços de hormônio. Empoderar a mulher é fortalecer o feminino e jamais o masculino. Empoderar é educar e orientar sem enganar. Daí as decisões são mais honestas.

Referências:
– Kathryn Korkidakis A, Reid RL. Testosterone in Women: Measurement and Therapeutic Use  J Obstet Gynaecol Can. 2017 Mar;39(3):124-130. doi: 10.1016/j.jogc.2017.01.006. Review.
– Goldstein I, Kim NN, Clayton AH, DeRogatis LR, Giraldi A, Parish SJ, Pfaus J, Simon JA, Kingsberg SA, Meston C, Stahl SM, Wallen K, Worsley R. Hypoactive Sexual Desire Disorder: International Society for the Study of Women’s Sexual Health (ISSWSH) Expert Consensus Panel Review. Mayo Clin Proc. 2017 Jan;92(1):114-128. doi: 10.1016/j.mayocp.2016.09.018. Epub 2016 Dec
– Reed BG, Bou Nemer L, Carr BR. Has testosterone passed the test in premenopausal women with low libido? A systematic review. Int J Womens Health. 2016 Oct 13;8:599-607. eCollection 2016.

                                                                                                   Dr. Eduardo Guimarães Camargo
                                                                                                        Médico Endocrinologista
                                                                                                 CREMERS 23.404 - RQE 17.086
                                                                                            www.dreduardocamargo.wordpress.com