domingo, 20 de janeiro de 2019

Hirsutismo: crescimento excessivo de pelos em mulheres

O que é hirsutismo?

Chamamos de hirsutismo o crescimento excessivo de pelos grossos e escuros em áreas do corpo onde apenas os homens deveriam tê-los. Essas áreas são:
- lábio superior (região do bigode);
- queixo;
- área das costeletas;
- peito e ao redor dos mamilos;
- barriga;
- costas;
- coxas.
É uma condição muito comum, afetando 1 em cada 10 mulheres antes da menopausa (última menstruação).


Quais são as causas do hirsutismo?

Muitas mulheres têm hirsutismo devido a sua genética, ou seja, possuem mães ou irmãs também com excesso de pelos. Outras têm hirsutismo devido a altos níveis de hormônios masculinos no sangue, os androgênios.
A principal condição que leva ao aumento dos androgênios e hirsutismo é a síndrome dos ovários policísticos (SOP). Contudo, existem outras causas menos frequentes como tumores de ovário e doenças das glândulas adrenais.

Que outros sinais/sintomas podem estar associados ao hirsutismo?

Nas mulheres com SOP, além do hirsutismo pode haver:
- alterações menstruais;
- queda de cabelo;
- acne;
Quando os androgênios estão muito elevados, pode ocorrer virilização, ou seja, aumento da massa muscular, mudança do timbre da voz e calvície. Nesses casos, a avaliação deve ser rápida, pois os sintomas podem ser causados por um tumor.

Que exames são necessários na avaliação do hirsutismo?

Dependendo do caso, os seguintes exames podem ser solicitados:
- exames de sangue para dosagem dos androgênios;
- em alguns casos selecionados, exames de imagem da adrenal e testes hormonais.

Como é feito o tratamento do hirsutismo?

Dependendo da causa, o hirsutismo pode ser tratado com:
- remédios chamados anti-androgênios, que diminuem os níveis ou bloqueiam a ação dos androgênios
- medidas locais como depilação convencional com lâmina ou cera, ou definitiva com laser ou eletrólise.

Se você se sente incomodada com o excesso de pelos, procure o endocrinologista e faça uma avaliação para identificar a causa e receber o tratamento apropriado.

Referência:
1- Barbieri RL. Patient education: Hirsutism (excess hair growth in women) (Beyond the Basics). UpToDate.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista titulado pela SBEM
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

domingo, 13 de janeiro de 2019

Hipertireoidismo: quando desconfiar que a tireoide está produzindo muito hormônio?

HIPERtireoidismo é como se chama a doença em que a glândula tireoide produz hormônios em excesso. É diferente de HIPOtireoidismo. Nesta última há uma diminuição na produção de hormônios.

O que é tireoide?

A tireoide é a glândula localizada na região anterior do pescoço, logo abaixo do pomo-de-adão. É responsável pela produção de hormônios (T4 e T3) que regulam a maneira como nosso corpo usa a energia, ou seja, nosso metabolismo.
A tireoide, por sua vez, é controlada pela glândula hipófise, localizada na base do cérebro, através de um terceiro hormônio chamado TSH.


Quais as causas de hipertireoidismo?

A principal causa de hipertireoidismo é a condição chamada de doença de Graves (se pronuncia "greives"). Na doença de Graves, a tireoide é atacada por anticorpos que a estimulam a produzir T4 e T3 em excesso. É mais comum em mulheres, mas também pode acometer homens. Os pacientes com doença de Graves podem desenvolver, além dos sintomas de hipertireoidismo e aumento da tireoide, doença nos olhos, principalmente se fumarem. Chamamos esta doença dos olhos de orbitopatia de Graves.
Outras causas de hipertireoidismo são:
nódulos de tireoide tóxicos, ou seja, nódulos que produzem hormônio em excesso;
tireoidites (inflamação da tireoide). Em alguns casos, essa inflamação é acompanhada por dor na localização da tireoide;
- ingestão de hormônio tireoidiano em excesso.
Obs: nas duas últimas situações o termo semiologicamente mais apropriado é tireotoxicose ao invés de hipertireoidismo.

Quais os sintomas do hipertireoidismo?

As pessoas com hipertireoidismo geralmente têm sintomas como:
- fraqueza, especialmente nos braços e coxas, o que torna difícil a subida de escadas;
- tremores finos, especialmente das mãos;
- aumento da produção de suor e intolerância ao calor;
- cansaço;
- perda de peso apesar do apetite normal ou aumentado.

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico é simples e feito através da dosagem dos hormônios (TSH, T4 e T3) no sangue. Para determinar a causa do hipertireoidismo, algumas vezes são necessários exames complementares como ecografia e cintilografia de tireoide.

Como é feito o tratamento?

O tratamento depende da causa do hipertireoidismo e pode ser feito com medicamentos, iodo radioativo ou cirurgia.
Caso você apresente sintomas e desconfie que possa estar com hipertireoidismo, procure o endocrinologista para avaliação e tratamento adequados.

Fonte:

1- Ross DS. Overview of the clinical manifestations of hyperthyroidism in adults. UpToDate.


No vídeo, explico as principais diferenças entre HIPERTIREOIDISMO e HIPOTIREOIDISMO.


Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista titulado pela SBEM
CREMERS 30.576 - RQE 22.991
facebook.com/drmateusendocrino

Texto atualizado em 13 de janeiro de 2019.

domingo, 6 de janeiro de 2019

Dieta da tireoide - dá pra engolir?

“Que teu alimento seja teu remédio”. Atire a primeira pedra quem nunca viu esta frase atribuída a Hipócrates sendo usada em uma rede social para justificar os mais variados tipos de dietas. É verdade que bons hábitos alimentares auxiliam bastante na prevenção e no tratamento de doenças. Obesidadediabetes mellitus, hipertensão arterial e até mesmo o câncer estão entre elas. Talvez por isso, sempre que um paciente é diagnosticado com qualquer problema na tireoide, vem a pergunta: “O que eu devo comer ou deixar de comer para ajudar no tratamento?” Que orientações o endocrinologista costuma fazer quando recebe este tipo de questionamento?

Vegetais do gênero Brassica frequentemente levam a culpa por disfunções tireoidianas.
A tireoide usa iodo para produzir seus hormônios. De cara, já dá pra perceber que na deficiência deste micronutriente, a produção hormonal pode diminuir. Isto é, a baixa ingesta de iodo pode ser causa de hipotireoidismo.
Precisamos de uma alimentação que nos forneça 150 mcg de iodo todos os dias. Gestantes e mulheres amentando, precisam um pouco mais. A principal fonte de iodo alimentar é o sal de cozinha, seguido por frutos do mar e de alguns pães e cereais. No Brasil, toda dona de casa tem acesso ao sal iodado. Logo, para nós brasileiros, o hipotireoidismo por deficiência de iodo não é uma doença prevalente. Entre as poucas pessoas que apresentam maior risco de deficiência de iodo estão os veganos, especialmente se além da restrição de produtos de origem animal, também restringirem sal.
Se por um lado, a deficiência é um problema, o excesso é igualmente prejudicial à saúde. Em pessoas predispostas, o iodo a mais pode desencadear quadros tanto de hiper quanto de hipotireoidismo. Por isso, suplementos como o lugol ou o SSKI costumam fazer mais mal do quem bem à saúde.
E quanto a couve e a soja? Dá pra comer à vontade? Existe um grupo de substâncias conhecidas como goitrogênicas, isto é, com potencial de causar bócio (aumento da tireoide). Os exemplos alimentares mais comuns são os vegetais crucíferos (família da couve) e os produtos derivados da soja.
Os vegetais crucíferos, que pertencem ao gênero Brassica, incluem couve, brócolis, couve-flor, couve-de-bruxelas e repolho entre outros. São ricos em glicosinolatos, compostos que produzem sulforafano e isotiocianatos, substâncias com propriedades anticancerígenas. Porém, os glicosinolatos também incluem o metabólito tiocinato, que é capaz de inibir a síntese de hormônio tireoidiano. Ou seja, teoricamente, o consumo excessivo desses vegetais poderia causar hipotireoidismo.
Felizmente, na prática, o consumo de crucíferas precisa ser enorme para causar disfunção tireoidiana. Em um estudo, o consumo de 1 litro de suco de couve por dia por 7 dias diminuiu a captação de iodo em cerca de 2% sem efeito significativo nos níveis hormonais (2). Em um relato de caso, uma senhora chinesa de 88 anos, que consumiu cerca de 1,5 kg de acelga por dia por vários meses, acabou entrando em coma pelo hipotireoidismo (3). Exemplo extremo! O consumo moderado não tem impacto significativo no funcionamento da tireoide.
As isoflavonas, encontradas nos derivados de soja, podem inibir a atividade da enzima peroxidase tireoidiana, atrapalhando a síntese hormonal. Mais uma vez, teoricamente, a ingestão de grandes quantidades de derivados de soja poderia causar hipotireoidismo. Mas não é o que vemos na prática. Mesmo populações que consomem muita soja, como os asiáticos, não apresentam maior risco de hipotireoidismo (4).
Por fim, existem alguns estudos associando níveis baixos de micronutrientes (selênio, cobre, zinco e magnésio) a doenças autoimunes e ao câncer de tireoide. No entanto, até o momento, não existe evidência mostrando que a suplementação com estes minerais seja capaz de prevenir ou tratar doenças tireoidianas. Exceção para o uso do selênio na doença ocular leve associada a casos de hipertireoidismo (orbitopatia de Graves) (5).
Em resumo, frente à evidência atual, apesar de algumas substâncias e nutrientes terem alguma importância na fisiologia tireoidiana, não podemos afirmar que exista um padrão alimentar específico para prevenir ou tratar doenças da tireoide. Em situações muito específicas – gestante vegana, por exemplo –, ajustes na alimentação ou suplementação podem ter algum impacto, embora  não existam estudos robustos avaliando a custo-efetividade deste tipo de estratégia. Se você apresentou alteração em exames tireoidianos, antes de aderir à qualquer dieta ou fazer uso de suplementos, procure um bom endocrinologista. Felizmente, na maioria das vezes, o tratamento é simples e não exige modificação nos hábitos alimentares. 

Fontes:
1 - Leung AM. The Thyroid Diet: Is There Such a Thing? Medscape.
2 - Kim SSR, He X, Braverman LE, Narla R, Gupta PK, Leung AM. Letter to the Editor. Endocr Pract.  2017; 23(7):885-886.
3 - Chu M, Seltzer TF. Myxedema coma induced by ingestion of raw bok choy. N Engl J Med.  2010; 362(20):1945-6.
4 - Messina M, Redmond G. Effects of soy protein and soybean isoflavones on thyroid function in healthy adults and hypothyroid patients: a review of the relevant literature.
Thyroid.  2006; 16(3):249-58.
5 - Marcocci C, Kahaly GJ, Krassas GE, Bartalena L, Prummel M, Stahl M, Altea MA, Nardi M, Pitz S, Boboridis K, Sivelli P, von Arx G, Mourits MP, Baldeschi L, Bencivelli W, Wiersinga W. Selenium and the course of mild Graves' orbitopathy. N Engl J Med.  2011; 364(20):1920-31.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista titulado pela SBEM
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Hipoglicemia pós-prandial versus síndrome pós-prandial: como diferenciar?

Hipoglicemia pós-prandial não é um diagnóstico. Trata-se apenas da descrição do momento em que ocorre a queda da glicose no sangue - até quatro horas após a ingestão do alimento. Existem diversas causas de hipoglicemia pós-prandial, que devem ser diferenciadas principalmente de uma condição benigna e prevalente chamada de síndrome pós-prandial.
Até pouco tempo, pessoas que referissem sintomas suspeitos de hipoglicemia (veja abaixo) após a alimentação eram encaminhadas para teste oral de tolerância à glicose com realização de curvas de glicose-insulina de até 5 horas. Se a glicose durante o teste fosse menor que 60 mg/dL, recebiam o diagnóstico genérico de hipoglicemia pós-prandial reativa. Contudo, na grande maioria das vezes, os sintomas após a alimentação não são desencadeados por uma verdadeira hipoglicemia. Cerca de dez por cento das pessoas SEM sintomas podem ter queda da glicose durante o teste e não perceber. Por outro lado, também existem indivíduos COM sintomas que NÃO apresentam redução significativa da glicemia. A esta condição, caracterizada por sintomas possivelmente vasomotores após a alimentação, damos o nome de síndrome pós-prandial. As curvas glicose-insulina não são úteis na avaliação diagnóstica, podendo inclusive atrapalhar a investigação quando mal interpretadas, não devendo ser solicitadas.



Para que o diagnóstico correto da hipoglicemia pós-prandial possa ser firmado, o paciente deve fechar os seguintes critérios:
1 - ter sintomas de hipoglicemia: ansiedade, fraqueza, tremores, aumento da produção de suor ou palpitações;
2 - no momento dos sintomas, ter a glicose medida em amostra de sangue coletada de uma veia (não com o glicosímetro) menor que 50 mg/dL;
3 - ter alívio dos sintomas quando a glicemia no sangue subir (através da alimentação ou de injeção de glicose na veia).
Fechado o diagnóstico, o paciente deverá ser submetido à avaliação específica para identificação da causa da hipoglicemia, algumas pouco frequentes. Hipoglicemia pós-cirurgia gástrica, hiperplasia das células beta do pâncreas, diabetes mellitus oculto e hipoglicemia autoimune são algumas das doenças que podem causar hipoglicemia pós-prandial.
A diferenciação correta entre hipoglicemia pós-prandial e síndrome pós-prandial é importantíssima. Os pacientes com síndrome pós-prandial devem ter consciência de que possuem uma condição benigna e receber o tratamento dietoterápico apropriado (fazer refeições fracionadas, ricas em fibras, evitar alimentos ricos em açúcar e/ou gordura, principalmente os que causam os sintomas). Por outro lado os pacientes com hipoglicemia pós-prandial receberão o tratamento conforme a causa subjacente (por exemplo, na hiperplasia das células beta, pode ser necessária cirurgia do pâncreas).

Fonte:
1- F John Service, Adrian Vella. Postprandial (reactive) hypoglycemia. UpToDate.


Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista titulado pela SBEM
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991