domingo, 16 de abril de 2017

Doze dicas para identificar charlatanismo

Nas mais diversas áreas, existem pessoas mal intencionadas e aproveitadores. Quando envolvemos ciência e, especialmente saúde, pode ser muito difícil identificar se uma informação, tratamento ou profissional são de fato éticos e estão embasados em evidências sólidas. Chamo de evidências sólidas resultados de pesquisas científicas com alto rigor metodológico, isto é, avaliações realmente justas e bem feitas de uma determinada intervenção. Abaixo, alguns indícios que sugerem que você está sendo enganado...



1- Retórica: o processo de tomada de decisão compartilhado entre médico e paciente é uma das prerrogativas da Medicina atual. Para que uma pessoa possa optar entre este ou aquele procedimento é importante que seja informada de maneira clara e compreensível. Linguagem excessivamente técnica muitas vezes é usada como artifício para induzir o paciente a escolhas menos corretas, já que este é levado a acreditar que o profissional de saúde detém conhecimento de ponta, quando não é verdade.

2- Pseudotítulos: no Brasil, médicos se tornam especialistas após realizarem estágio supervisionado em programas de residência médica ou através de provas de título rigorosas ministradas por sociedades médicas reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina. Não raro, maus profissionais apresentam "pseudotítulos", isto é, titulação conferida por "sociedades" não reconhecidas, muitas vezes criadas por eles próprios.

3- Glamourização: ostentação de clínicas luxuosas frequentadas por celebridades, consultas e tratamentos a preços exorbitantes, exclusividade, servem para passar uma imagem de "sucesso" ao público geral. É uma estratégia há muito usada por marcas de luxo para agregar valor e criar um certo desejo no consumidor (no caso, no paciente).

4- Falta de rigor científico: o método científico é rigoroso e hierarquiza os estudos de acordo com sua qualidade metodológica e força de evidência. Isto quer dizer que a conclusão de um estudo feito numa cultura de células não tem o mesmo peso que a conclusão de um estudo realizado em grande número de pessoas. O mesmo serve para estudos metodologicamente bem feitos e mal feitos. É comum que estudos ruins e de baixa qualidade sejam usados para justificar as opiniões pessoais do mau profissional. Assim como estudos robustos e bem desenhados são deixados de lado, se assim convier. É uma leitura viciada da literatura médica.

5- Excessos de exames e tratamentos: aprendemos desde cedo que um exame só deve ser solicitado quando for capaz de beneficiar o paciente de alguma forma, seja prevenindo, identificando ou monitorando o tratamento de uma doença. O excesso de exames disfarça a falta de perícia clínica. Passa a falsa impressão de que se está sendo bem avaliado. Exames não devem ser solicitados sem uma indicação precisa sob a pena de levarem a mais exames e a mais tratamentos desnecessários ou, inclusive, deletérios.

6- Cointervenções: são frequentes as prescrições com extensas fórmulas manipuladas, associadas a dietas restritivas e outras mudanças na rotina para pacientes saudáveis ou pouco doentes. Grande parte do que consta na receita serve para passar a falsa impressão de exclusividade do tratamento que, diversas vezes, é muito parecido ao convencional, com alguns floreios, além de disfarçar o uso de substâncias ilícitas ou de indicação controversa. "Esta receita é tão exclusiva que precisa ser manipulada de acordo com minhas necessidades biológicas". Será? "Esse HCG está me ajudando a emagrecer". Nananão.

7- Ritualização: duas pílulas de açúcar, funcionam melhor do que uma. Uma injeção de água destilada, funciona melhor que 2 pílulas de açúcar. Uma infusão de soro colorido por vitaminas, funciona melhor que a injeção de água. Quanto mais complexo e ritualístico for o tratamento, mais forte é o sugestionamento e o efeito placebo. Alguns tratamentos têm a complexidade de verdadeiros rituais esotéricos.

8- Promessas: corpo perfeito, desintoxicação, juventude, vigor físico, antes versus depois, cura de doenças crônicas são promessas frequentes.

9- Gurus: o conhecimento científico é de livre disponibilidade. Qualquer profissional de saúde bem intencionado consegue, com boa vontade, ter acesso, interpretar a literatura científica e citar suas referências. O mau profissional muitas vezes costuma citar outro charlatão de maior destaque. "Eu faço, porque o Dr. Fulano, super famoso, faz". Muitos destes "gurus" ministram cursos e ganham a vida vendendo informações distorcidas para os maus profissionais.

10- Polarização: é frequente a polarização entre "produtos naturebas" versus "indústria farmacêutica", "Medicina moderna e inovadora" versus "Medicina tradicional e retrógrada", "hormônio bioidêntico que previne" versus "remédio que promove a doença", "eu que quero ajudar meus pacientes" versus "todos os outros médicos que têm inveja do meu sucesso". O discurso do "bem contra o mal" visa criar uma aura de pureza e honestidade em quem usa a Medicina para ludibriar e lucrar.

11- Incriticabilidade: a crítica faz parte da ciência. Como evoluir se algo é inquestionável? O mau profissional gosta de criticar a "Medicina tradicional" com discurso filosófico e fracamente embasado, como vimos anteriormente. Contudo, se torna extremamente agressivo quando se vê encurralado e lhe faltam argumentos para defender o indefensável.

12- Intangibilidade: é frequente que tais profissionais sofram com processos éticos ou mesmo judiciais. Contudo, se dizem injustiçados e perseguidos. Discurso infelizmente frequente no Brasil dos dias atuais...

Sugestão de leitura: Ciência Picareta - Ben Goldacre - Ed. Civilização Brasileira



Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

sábado, 8 de abril de 2017

Vamos falar sobre chocolate e seus benefícios?

No seu ciclo histórico, o cacau projetou o Brasil no exterior por ser a matéria-prima de um dos alimentos mais consumidos e adorados no mundo: o chocolate! As cores da casca do cacau, que variam nas tonalidades de amarelo, laranja e vermelho, escondem um delicado amontoado de amêndoas revestidas por polpa esbranquiçada. O processo de fermentação das amêndoas é o que dá o sabor mais ou menos requintado ao chocolate e que também produz os chamados flavanóis, que pertencem ao grupo dos flavonoides, e que têm conhecida ação anti-oxidantes.



Após a secagem e a torra das amêndoas para extrair a manteiga e os outros produtos do cacau, restam apenas 10% da quantidade de flavanóis. Comparado com as versões ao leite, as apresentações de chocolate amargo são as que mais tem flavanóis, na forma de catequina e de epicatequina. Mas será que consumir chocolate amargo faz bem para o coração?
Embora alguns estudos tenham mostrado que o consumo de chocolate amargo pode estar associado a menor incidência de infarto do miocárdio e acidente vascular encefálico, esse achado não foi confirmado. O que se sabe é que o consumo diário de grandes quantidades de flavanóis, cerca de 900 mg por dia, pode resultar em maior relaxamento das artérias e redução da pressão arterial e consequentemente isso poderia ser benéfico para algumas pessoas. O problema é que para se obter essa quantidade, teria que se consumir cerca de 300 gramas de chocolate amargo de ótima origem por dia.  Mesmo para um "chocólatra", seria muito difícil manter esse consumo de chocolate amargo por muito tempo. Além disso, nem sempre consumimos as melhores versões de chocolate amargo e os rótulos ainda não informam as quantidades de flavanóis. Mas será que o que compramos realmente é um chocolate amargo de boa qualidade? Para isso, é preciso entender como ele é feito...
As amêndoas do cacau, depois de fermentar e secar, são torradas e submetidas a um processo para separar a manteiga de cacau. O que resta é moído para formar o pó do cacau que conhecemos. É chamada de liquor de cacau a massa que é feita do pó com a manteiga. Para fazer o chocolate, utiliza-se o licor e se acrescenta açúcar. O chocolate é considerado amargo se tem pelo menos 70% do cacau (pó mais manteiga de cacau). Mas aí é que está o detalhe importante. Num chocolate 70% de cacau, por exemplo, o correto seria ter 70% do liquor. Mas na maior parte das vezes, para reduzir custos, não é isso que ocorre. Muitas vezes, quando faz um chocolate chamado de 70%, a indústria usa na maior parte o pó do cacau e complementa com outros tipos de gordura que não só a manteiga de cacau, como a hidrogenada. Isso é feito para reduzir o custo, já que a manteiga de cacau é uma matéria-prima muito nobre e cara, utilizada em cosméticos, produtos farmacêuticos e alimentos. Entendeu a diferença?
A maioria dos que se dizem "chocólatras" e que não conseguem viver sem o chocolate, na verdade gostam mais do chocolate ao leite, que é rico em gordura e açúcar. Fique atento quando for comprar o seu chocolate amargo. Vale a pena ler o rótulo para saber como ele foi feito. Uma dica: um bom chocolate amargo nunca é barato, pois tem a manteiga de cacau. Outro lembrete: o chocolate branco é o pior, pois não tem nada do pó da amêndoa e certamente o que menos tem é manteiga de cacau. Se você gosta de chocolate, sempre procure consumir o amargo e de boa qualidade. Leia o rótulo. Vá acostumando o paladar, sorvendo em pequenas quantidades e aos poucos. E o mais importante, sem culpa!

Referência:
Vlachojannis J, et al. The Impact of Cocoa Flavanols on Cardiovascular Health. Phytother Res. 2016.

Dr. Eduardo Guimarães Camargo
Médico Endocrinologista
CREMERS 23.404 - RQE 17.086

domingo, 2 de abril de 2017

Consumo de chocolate pelo paciente diabético

Estamos quase na Páscoa e os supermercados já estão com seus “túneis” de ovos de chocolate montados, o que chama a atenção e aumenta a vontade de degustar essa guloseima. Mas e o paciente que convive com diabetes mellitus? Também pode se deliciar com chocolate? Não só pode, como deve! Mas alguns cuidados devem ser tomados. Vejamos...
No ano de 2012, a revista médica mais importante do mundo, New England Journal of Medicine, publicou um estudo muito interessante. Pesquisadores demonstraram que os países onde mais pessoas consumiam chocolate, ganhavam mais prêmios Nobel (!!!). Seria uma evidência epidemiológica de que o consumo regular de chocolate melhorava as capacidades cognitivas de quem o saboreava? Possivelmente. O chocolate é feito de cacau, planta que como o chá-verde é rica em flavonoides. Estes compostos fenólicos são potentes antioxidantes e anti-inflamatórios naturais. Estas substâncias quando consumidas regularmente têm o potencial de trazer uma série de benefícios ao cérebro, coração, vasos e metabolismo.



Além da melhora da função cognitiva, alguns estudos sugerem que o consumo de chocolate possa ajudar a combater sintomas depressivos através da modulação da dopamina e dos opioides no cérebro. Além disso, dois estudos suecos mostraram que aumentar o consumo de chocolate amargo em pelo menos 50 gramas por semana foi capaz de reduzir o risco de isquemias e hemorragias cerebrais em até 27 por cento! Vale lembrar que pacientes diabéticos apresentam risco maior para estas doenças.
Os suecos realmente gostam de estudar os benefícios do chocolate! Outra análise mostrou que o consumo de apenas 28 gramas de chocolate amargo uma ou 2 vezes por semana se associou a um risco 32 por cento menor de insuficiência cardíaca. Estudos posteriores evidenciaram melhora na função do endotélio (camada interna dos vasos) e da função das plaquetas (responsáveis pela coagulação do sangue). Ou seja, o chocolate também tem potencial de reduzir infartos e mortalidade por doença coronariana. E as doenças cardiovasculares são as principais causas de morte em pacientes com diabetes mellitus...
Uma extensa revisão da literatura publicada na prestigiada Cochrane Database of Systemic Reviews mostrou que o consumo de chocolate ajuda a reduzir a pressão arterial. O efeito é devido a liberação de óxido nítrico, um potente vasodilatador, pelo endotélio. Além disso, os chocolates com mais de 60% de cacau, apesar de possuírem gorduras saturadas, são capazes de reduzir os níveis de colesterol LDL (ruim) e aumentar os níveis de HDL (colesterol bom). Algo impressionante: um estudo publicado em 2012 na revista médica Archives of Internal Medicine associou um maior consumo de chocolate a um menor índice de massa corporal (IMC)! Isto é, dentro de uma alimentação equilibrada, os antioxidantes do chocolate poderiam ajudar a manter o peso mais próximo do ideal. Por fim, existem evidências de que os polifenóis melhoram a função das células beta do pâncreas, melhorando o metabolismo glicêmico. Ótimas notícias para quem convive com o diabetes, não?
Contudo, todos os estudos que mostraram benefícios, sempre usaram as versões “amargas” do chocolate, ou seja, com alto teor de cacau (60% ou mais). As versões ao leite e branco são ricas em açúcar e gorduras adicionadas (diferentes do ácido esteárico do cacau), além de serem pobres nos benéficos polifenóis, ou seja, podem ser prejudiciais à saúde e devem ser evitadas principalmente por pacientes diabéticos.
Nesta Páscoa peça ao Coelho chocolates com alto teor de cacau e não abuse! Apesar de bom para saúde, o chocolate amargo ainda é um alimento calórico, ou seja, em excesso pode aumentar o peso.

Fonte: Medscape

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991