sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Anticorpos e Tireoide

As principais doenças que acometem a tireoide, a tireoidite de Hashimoto (causa de hipotireoidismo) e a doença de Graves (causa de hipertireoidismo), têm uma origem autoimune. Uma doença autoimune ocorre por uma falha do nosso sistema imunológico que passa a produzir anticorpos “com uma programação errada”. Em situações normais, os anticorpos deveriam atacar apenas agentes invasores e nocivos a nossa saúde (como vírus e bactérias). Quando o sistema imunológico "se engana", as células de defesa podem ser programadas para atacar alguma proteína, órgão ou tecido do nosso próprio organismo.



Conseguimos fazer a dosagem de três tipos de anticorpos relacionados a doenças da tireoide... 

Anticorpo antitireoglobulina (anti-Tg)

A tireoglobulina é fabricada pelas células da tireoide e estocada dentro dentro de "minúsculos saquinhos" chamados folículos. A tireoide usa a tireoglobulina e o iodo para fabricar os hormônios. Os anticorpos anti-Tg estão presentes em 70% a 80% dos pacientes com tireoidite autoimune, em 30% a 50% dos pacientes com doença de Graves e em 10% a 15% da população saudável sem doença tireoidiana. 

Anticorpo antitireoperoxidase (Anti-TPO)

A peroxidase é a enzima responsável por juntar o iodo e a tireoglobulina para formar os hormônios tireoidianos. Os anticorpos anti-TPO estão presentes no soro de 90% a 95% dos pacientes com tireoidite de Hashimoto e em cerca de 80% dos pacientes com doença de Graves. Aproximadamente 15% da população geral, sem doenças da tireoide, podem ter anticorpos anti-TPO, sem que isso tenha qualquer significado clínico.

Anticorpo anti-receptor de TSH (TRAb)

O TSH é um hormônio liberado pela glândula hipófise que age estimulando a produção de hormônios pela tireoide. Os receptores de TSH localizados na tireoide são o alvo do TRAb. Ao contrário dos anticorpos anti-TPO e anti-Tg, que são mais comuns na tireoidite de Hashimoto, o TRAb encontra-se presente em até 95% dos casos de doença Graves e em apenas em 10 a 15% dos pacientes com Hashimoto. O TRAb também não costuma ser encontrado na população geral sem doenças tireoidinas.

O TRAb pode ser estimulante, bloqueador ou neutro. TRAb da variedade estimulante se liga aos receptores do TSH e os estimula, levando a tireoide a produzir hormônios tireoidianos em excesso (doença de Graves).  Já o TRAb bloqueador, se liga aos receptores do TSH e impedem que o TSH atue na tireoide, levando ao diminuição da produção hormonal e hipotireoidismo. 

Quando solicitar a dosagem de anticorpos antitireoidianos?

A dosagem de rotina de anticorpos antitireoidianos não é necessária para a avaliação da função tireoidiana. Por exemplo, os anticorpos anti-TPO no soro não precisam ser medidos em pacientes com hipotireoidismo primário evidente, porque a maioria dos casos são por tireoidite autoimune e a dosagem do anticorpo não muda em nada a conduta. Além disso, a ausência de anticorpos não exclui uma tireoidite, já que em alguns pacientes os anticorpos podem ser indetectáveis. Por outro lado, a presença dos anticorpos por si só não é suficiente para fazer o diagnóstico de doença autoimune da tireoide, uma vez que é possível encontrarmos anticorpos positivos em indivíduos sem doença tireoidiana. No entanto, a dosagem de anti-TPO pode ser útil para prever a probabilidade de progressão para um hipotireoidismo evidente naqueles pacientes com hipotireoidismo subclínico. O anticorpo anti-TPO é mais frequentemente observado do que o anti-Tg, logo, quando indicada a dosagem de anticorpos, o anti-TPO costuma ser o anticorpo mais dosado.  

Na gestação, a dosagem de anti-TPO pode auxiliar a predizer a probabilidade do desenvolvimento de tireoidite pós parto, que pode ocorrer em até 15% das mulheres nesse período. A dosagem de anti-TPO também pode ser importante nas gestantes para definir a necessidade de reposição de levotiroxina em algumas situações. Além disso, anti-TPO também deve ser solicitado antes de iniciar algumas medicações que possam induzir alterações tireoidianas, como no caso do lítio e amiodarona.

A dosagem de anti-Tg não costuma ser um exame solicitado rotineiramente, exceto nos pacientes com câncer diferenciado de tireoide. Nos pacientes com câncer, a tireoglobulina é um marcador importante da doença no seguimento desses pacientes e, na presença de anticorpo anti-Tg positivo, os níveis de tireoglobulina não podem ser utilizadas como referência para avaliar a evolução da doença.

Quanto ao TRAb, sua dosagem pode ser útil para definição da causa do hipertireoidismo quando o diagnóstico não está claro através do quadro clinico e outros exames. A medida do TRAb também é útil para avaliar a probabilidade de remissão do hipertireoidismo após um curso de drogas antitireoidianas em pacientes com doença de Graves. Outras situações em que a dosagem de TRAb pode ser útil e está bem indicada são: hiperemese gravídica com tireotoxicose, hipertireoidismo subclínico com bócio difuso, orbitopatia de Graves em pacientes com função tireoidiana normal e diagnóstico diferencial do hipertireoidismo neonatal.


RESUMINDO...

A dosagem de anticorpos antitireoidianos pode ser útil para auxiliar no diagnóstico e acompanhamento clínico dos pacientes em algumas situações específicas, mas não são “exames de rotina” e não devem ser dosados sem nenhum motivo aparente como temos visto frequentemente nos nossos consultórios. Na dúvida sobre doenças tireoidianas, consulte sempre um médico endocrinologista!


FONTES:
UpToDate - Laboratory assessment of thyroid function
UpToDate - Pathogenesis of Graves' disease
UpToDate - Pathogenesis of Hashimoto's thyroiditis (chronic autoimmune thyroiditis)



Fernanda M. Fleig
Médica Endocrinologista
CREMERS 33785 / RQE 28970
www.facebook.com/fernanda.endocrinologista/

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